quinta-feira, abril 18, 2024

Crítica | American Crime Story (1ª Temporada)

A série criada pelas mesmas mentes por trás de sua quase xará, ‘American Horror Story‘, é uma obra simplesmente irretocável, um prato cheio para aquelas pessoas mais masoquistas, que adoram aquela produção que te desafia ao “vou ver só mais um episódio” e, assim, sacrificam todo seu dia, sua noite, o quanto for necessário para saber como é que aquilo vai acabar.

Digo isso porque assim foi o Domingo no qual descobri e assisti os 10 episódios da primeira antologia de ACS, que dedica-se a narrar o chamado “julgamento do século”, intitulado O povo contra O.J Simpson.

Hoje eu vou abrir a mesma exceção que fiz na crítica de ‘Doctor Foster‘ e avisar antecipadamente que essa coluna conterá sim alguns spoilers e informações recém-descobertas sobre o caso. Por se tratar de um acontecimento real que tem que ser visto muito além do julgamento em si, é muito superficial falar da produção sem descrever alguns acontecimentos. Mas eu vou começar falando do contexto da série, para vocês saberem do que se trata e, aí sim, avisar que é hora de continuar a coluna colocando sua conta em risco.

Para começar, muitos não sabem quem foi O.J Simpson. O cara foi um dos mais famosos jogadores de futebol americano de todos os tempos. A fama dele acabou ultrapassando as quadras, o cara virou figura carimbada em filmes e propagandas, tornando-se um quase raro caso de um negro bem sucedido (não, não é preconceito falar isso, esse fato é relevante para a história).

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Não é muita novidade falar que nos Estados Unidos o racismo é pungente, talvez não maior do que em alguns outros lugares, mas ele é notável, inclusive, dentro das instituições públicas. O país passou um grande tempo assistindo uma grande taxa de violência gratuita e desnecessária contra negros. Prisões, mortes, agressões e outras ações repressoras eram cometidas deliberadamente, o que gerou muita sensibilização em grande parte da população.

Em 1994, Nicole Brown e um rapaz foram encontrados mortos na casa dela. A cena do homicídio era de filme de terror. Tanto ela quanto ele foram assassinados com uma extrema brutalidade. Ficou evidente que não se tratava de um assalto ou algo semelhante, quem quer que tivesse cometido o crime, queria fazê-lo para se livrar das vítimas e nada mais que isso.

Ao procurar O.J para dar a notícia que Nicole estava morta, algumas coisas estranhas já começaram a ser notadas. Na cena do crime foi possível perceber que o assassino se feriu durante o crime, e que ele era canhoto. Ao chegarem na casa do jogador para notificar a morte da ex, a polícia viu sangue no carro dele, que não estava em casa no momento.

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Não deixe de assistir:

Depois de localizado por telefone, a reação de O.J foi um tanto quanto estranha, ainda mais considerando que uma das perguntas cruciais que qualquer pessoa faria, não foi feita por ele. Entre os poucos questionamentos sobre o acontecido, o jogador estranhamente não perguntou o que havia acontecido com ela.

Ele voltou à cidade onde o crime aconteceu e foi interrogado pela polícia, fornecendo uma série de respostas imprecisas e vagas, o que irritou profundamente a promotora do caso, Marcia Clark e a levou a começar a tratar Juice (como O.J era conhecido), como o principal suspeito do crime, considerando também que a polícia já havia sido acionada algumas vezes na residência do casal, enquanto ainda estavam juntos, por denúncias de violência de O.J contra Nicole. E, tem mais, o jogador tinha um ferimento na mão esquerda que ele não sabia nem explicar como fez.

Antecedentes e problemas com a polícia não eram nenhuma novidade na história de Juice, que acabava sempre sendo liberado das encrencas que se metia por pagar fiança ou pelo fato de ser um cara famoso.

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Quando exames da cena do crime começaram a chegar, as evidências começaram a ficar gritantes contra o astro, e ficava cada vez mais difícil criar alguma história ou contexto em que ele não estivesse na cena do crime. Mediante tudo isso, foi feito o primeiro pedido de prisão contra ele.

A negociação para que O.J se entregasse à polícia foi feita com um de seus advogados no caso, Robert Shapiro, um advogado totalmente estrelinha interpretado pelo meme, ou melhor, ator, John Travolta, que também assina a produção da série. Um dos melhores amigos de Juice, Robert Kardashian, voltou à profissão quase que exclusivamente para ajudar no caso. Sim, você já ligou o sobrenome à pessoa, estamos falando do pai das Kaardashians todas que você vê no E!

Chegando a hora de entregar-se, o jogador teve um surto. Ele fez um testamento, deixou uma carta pra uma galerinha aí e disse a seu amigo Robert que não queria ser preso, e que o suicídio seria o jeito mais fácil de lidar com tudo. Com as palavras do advogado ele foi cedendo e, aparentemente, se acalmando. Mal sabiam todos que ele estava planejando uma fuga, e foi o que fez.

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Ele embarcou no carro de um de seus amigos e começou a chamada “corrida da sua vida”, os planos de fuga estavam todos feitos. Passaportes, maquiagem, barbas falsas, tudo isso foi encontrado no carro, posteriormente.
Depois de uma longa negociação, ele cedeu. Foi para a casa de sua mãe e lá entregou-se à polícia.

Sarah Paulson quer continuar para a 2° Temporada de ‘American Crime Story’ 

E agora é hora do aviso amigo, daqui pra frente o texto vai ter uma taxa considerável (mas não fatal) de spoilers.
Até então estava tudo favorável para a prisão e condenação de O.J. As provas estavam lá, ele estava lá e tudo caminhava para que o mínimo de justiça fosse feita em favor das vítimas daquele horrível homicídio. Livrar Juice da condenação parecia um caso perdido e, devido à crueldade do crime, a acusação chegou até a cogitar a ideia de uma condenação de pena de morte.

Foi então que a defesa teve que criar uma estratégia completamente apelativa e emocional para livrá-lo da situação, alegando que todo o esquema para prender o jogador era nada mais que uma conspiração contra ele pelo fato de O.J ser negro, apoiando-se na grande visibilidade das ações da polícia contra um alto montante de negros na época.

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Para dar suporte nisso, eles criaram o chamado “time dos sonhos”, um grupo gigantesco de advogados encabeçados por Bob Shapiro com a missão de juntar evidências em cima dessa conspiração. A jogada de mestre foi chamar para essa força tarefa um advogado chamado Johnny Cochran, figura carimbada na mobilização a favor dos negros, tentando expor ao máximo as barbáries da polícia.

Desse ponto em diante, tudo começou a virar. Começamos a ver dois preconceitos aflorarem de um modo crescente, e ambos foram definitivos para o rumo que essa história leva.

De um lado temos o racismo sendo usado como esquema de defesa para uma pessoa nitidamente culpada. A perseguição da polícia e das entidades públicas contra os outros com base única na questão racial foi o único ponto que a defesa conseguiu para suportar a ideia de que O.J era inocente. Sei que quem conhece o caso vai alegar a questão da luva, mas já chegaremos lá.

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Do outro, temos o machismo. Quem estava acusando uma estrela do futebol e das telas e um ícone de sucesso era uma mulher. Marcia atuou em toda sua acusação com um profissionalismo impecável, amarrada apenas na ideia de conseguir justiça e amparar a família das vítimas. Durante o processo todo, a advogada foi hostilizada e atacada pelo simples fato de ser mulher, o que acabou prejudicando em muitos momentos a ação da acusação.

Falando em Marcia, precisamos destacar a atuação impecável da atriz Sarah Paulson, que já foi confirmada na segunda temporada, e interpretou a advogada com uma perfeição que acabou engolindo todos os outros grandes atores que estão na série, incluindo o protagonista Cuba Gooding Jr. Não há uma crítica sobre a série que não pontue isso, e há uma razão para tanto. Poucos atores imergem tanto no universo do personagem como Sarah fez.

Voltando à história, seguimos vendo o desenrolar da acusação contra O.J. Com corpo de advogados e juiz definido, falta apenas a seleção do júri, daquele pessoal que define, tem a palavra e dá o veredito final. O número de pessoas que se aplicaram para fazer parte do caso foi mais um recorde do julgamento do século.

Durante a formação do corpo de jurados, a defesa conseguiu montar uma linha que era esperada por eles, agregando ao grupo um alto número de pessoas negras, entre mulheres e homens. A acusação concordou com a formação achando que as mulheres, independente da raça, iriam se identificar com a posição da vítima, que era constantemente ameaçada pelo marido.

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Enfatizar a questão racial durante essa coluna não é um posicionamento meu, mas sim o que a série veio a colocar. Ficou nítido que os advogados de defesa de O.J conseguiram desviar a atenção do homicídio e da situação das vítimas para a questão do racismo tão forte e evidente na época. E isso se dá muito por culpa da própria polícia, que nunca poderia imaginar que suas atitudes acabariam sendo um verdadeiro tiro no pé das entidades judiciais.

No decorrer do julgamento, infelizmente, se faz nítido que todas as provas e indícios apontam contra O.J, em um caso muito parecido aqui no Brasil com o do casal Nardoni, do qual nunca obtivemos uma confissão formal, mas ainda assim é imensamente difícil, quase impossível, acreditar que eles não estão inseridos na cena do crime.

Em um momento crítico, é pedido a Juice que ele experimentasse a luva ligada à cena do crime, que continha inclusive DNA das vítimas. Acontece que o jogador teve uma certa dificuldade em colocar a luva, o que acabou sendo o único argumento da defesa para alegar, diante de tantas outras evidências, que ele não era o assassino.

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Nas palavras finais dos advogados, pouco antes do veredito, Marcia e seu auxiliar fizeram um discurso racional, usando evidências que colocavam o jogador como assassino, incluindo fio de cabelo dele em uma peça de roupa do rapaz que foi assassinado. A defesa, em contrapartida, fez um discurso totalmente emocional, apelando ao policial racista que encabeçou a investigação e ao fato de que a luva não havia servido no jogador.

O veredito foi dado com surpreendente velocidade, mostrando mais uma vez a divisão racial que se deu no decorrer de todo o processo. Todos os negros, que eram a maioria, votaram na inocência de O.J, enquanto a minoria branca votou de modo unânime na culpa do jogador, que, claro, foi inocentado do caso.

É muito difícil terminar a série sentindo algum grau de satisfação, uma vez que, depois de um bom tempo, outras tantas coisas aconteceram. Juice foi preso por outras ocorrências, que demonstram que ele não é o cara tão gente boa que todos seus advogados, especialmente Kardashian, queriam retratar.

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Demorou algum tempo, mas o caso voltou à tona com força, talvez até pela repercussão da série. Em uma entrevista à apresentadora Oprah, Juice chegou a confessar o crime, assim como o fez também em uma biografia que lançou. Algumas matérias na internet também alegam que a tal da luva, que foi praticamente o fator único da defesa, foi manipulada e algumas pregas foram encontradas em seu interior para deixa-la mais apertada e, assim, deixá-la mais difícil de ser colocada pelo jogador.

Há poucos meses também foi dada a notícia de uma faca que foi encontrada enterrada em uma propriedade que era do jogador, o que é uma evidência que vai, certamente, reacender toda a conversa sobre o caso, uma vez que os corpos das vítimas foram esfaqueados inúmeras vezes.

Em defesa do jogador existem duas notícias. Uma alega que um rapaz que está no corredor da morte assumiu a autoria do crime. Na verdade a notícia não é um grande alívio, uma vez que ele alega ter sido pago pelo jogador para invadir a casa da ex e roubar um par de brincos dela e, caso ela fizesse alguma objeção, que ele poderia mata-la.
Outra vem de um investigador que diz que O.J passou pela cena do crime sim, mas depois de tudo que aconteceu. Ele também alega que é impossível que o jogador tenha matado Nicole, e coloca um dos filhos de O.J como um suspeito do caso.

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Como é praticamente impossível fazer uma coluna que fale de alguém com o sobrenome Kardashian sem fazer uma fofoquinha no melhor estilo canal E!, aqui vai uma daquelas bombas da vida…

Jan Ashley, que esteve casada com o falecido advogado Robert Kardashian, depois de sua separação de Kris Jenner, e que teve o casamento com ele anulado em 1999, disse que o verdadeiro pai de Khloe Kardashian é O.J. Simpson.

O que a gente pode ver de toda essa situação é que o tal do julgamento do século ultrapassou o período de tempo em que aconteceu e, mais de 20 anos depois, ainda é um assunto que rende muito pano pra manga.

Também fica uma longa lição para as entidades públicas de como a justiça pode, e foi, danificada pelas ações de policiais que corromperam a imagem da instituição e permitiram que o racismo tomasse uma proporção derradeira, permitindo que a posterior confissão do crime, vinda da parte do jogador, se tornassem um tapa na cara da sociedade que tanto berrou a inocência dele, em grande parte pela fama do acusado, enquanto ele usava a sua fala mansa e seu jeito cordial de tratar os outros para fortalecer sua boa imagem, que é a todo momento arranhada por um novo escândalo.

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O caso virou um marco de libertação para os negros, que tiveram sua voz ouvida ao anúncio do veredito e mostrou como algumas maçãs podres podem contaminar o cesto, tirar a fé das pessoas em quem deveria protegê-las e inocentar uma pessoa que se mostra ainda uma grande ameaça para a sociedade.

Uma segunda temporada está chegando, dessa vez com um novo tema e uma nova história que não pode ficar presa no passado. Só podemos esperar que ela seja tão excelente e maravilhosa quanto a impecável e nota 10 primeira temporada que teve.

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