quarta-feira, abril 24, 2024

Crítica | Armas na Mesa

A Dama de Ferro

Deus abençoe Jessica Chastain. Não é uma missão fácil se tornar uma das maiores estrelas dentro de um mercado tão competitivo quanto o de Hollywood. Sim, existe muito lobby, e fatores como ter o agente certo obviamente entram jogo. Mas o talento é primordial. A ascensão de Chastain é impressionante, ainda mais se levarmos em conta que seu primeiro trabalho de destaque foi em 2011, com A Árvore da Vida, de Terrence Malick, no qual enfatizou sua presença angelical.  É claro também que a atriz já vinha na luta desde 2004, e foram necessários mais sete anos até sua explosão. Mas que bom que a recebemos.

Chastain é uma atriz metódica e minimalista, que funciona bem em todo tipo de personagem, mas vem se especializando num específico: a mulher fria, calculista e inescrupulosa. Se olharmos para filmes como A Hora Mais Escura (2012), O Ano Mais Violento (2014) e A Colina Escarlate (2015), veremos uma tendência. Aqui, a estrela novamente adere a um personagem maior que a vida, cuja presença não pode ser ignorada, mas que nem sempre exibe a melhor das índoles. Elizabeth Sloane é uma torre de marfim, bela, plácida, alva e intocável. É também a pessoa a qual queremos ter ao lado em uma crise.

Reprisando a parceria com o britânico John Madden, que a comandou em A Grande Mentira (2010), filme sobre terrorismo lançado direto em vídeo por aqui, Chastain é a alma e espinha dorsal de Armas na Mesa, no papel de uma lobista que é a melhor no que faz. Pense em Obrigado por Fumar (2005), de Jason Reitman, para entender um pouco a proposta deste longa e a personagem da atriz. A Miss Sloane do título original é uma versão de Nick Naylor (o protagonista de Aaron Eckhart no filme citado) mais perversa e desalmada, se isso é possível.

Cabeça de uma firma estrategista, Elizabeth Sloane recebe a proposta de intervir contra a indústria armamentista, atacando-a em uma votação. Seu trabalho é convencer o público de que armas precisam ser controladas, restringindo ao máximo quem as compra – já que sabe que impedir tal comércio seria impossível. O lançamento do filme coincide com uma grande polêmica que toma nosso país, na qual familiares de policiais, buscando melhorias de trabalho para os parentes, protestam impedindo-os de trabalhar. Tal fato soa impensável em um país tão violento quanto o Brasil – que um estado fique sem policiamento – e digno da mais incrível ficção científica, não estivesse ele ocorrendo agora. Por aqui, os rivais de Miss Sloane teriam seus adeptos também, e sua campanha de armamento poderia dar certo.

O roteiro assinado por Jonathan Perera é um achado, ao ponto de criar espanto ao descobrirmos que o escritor é um estreante, sendo este seu primeiro trabalho. O detalhamento que sua escrita dá as nuances de personagens, seus psicológicos e também ao insight de um mundo específico e difícil, como o universo político norte-americano, é admirável. Deixando tudo em harmonia está a direção segura de Madden, mais acostumado a obras açucaradas e não tão relevantes, como Shakespeare Apaixonado (1998) e os dois O Exótico Hotel Marigold (2011 e 2015). Sorte de Madden ter dado chance para uma ainda desconhecida Chastain, e agora poder tê-la novamente como protagonista de seu filme mais urgente e impactante.

Além de Chastain (que foi indicada ao Globo de Ouro pelo desempenho, o qual muitos acreditavam cabível a uma lembrança para o Oscar), Madden conta com um elenco de primeira, que inclui nomes como John Lithgow, Mark Strong, Alison Pill, Michael Stuhlbarg, Jake Lacy, Dylan Baker, Sam Waterston e a ótima Gugu Mbatha-Raw, em uma de suas melhores atuações da carreira. Para quem gosta de referências e comparações, temos a reunião de Chastain e Strong após o sucesso do citado indicado ao Oscar A Hora Mais Escura, e também Waterston e Pill do programa igualmente prolixo Newsroom. Armas na Mesa é uma produção lindíssima e impecável, na qual tudo se encontra milimetricamente no lugar, seja o cabelo de Chastain (que até desarrumado soa inumano), a direção de arte ou a fotografia gélida e glamourosa do jovem dinamarquês Sebastian Blenkov.

Não deixe de assistir:

A mescla de embalagem e conteúdo coexiste mais que amigavelmente aqui, transcendendo a obra ao status de uma dessas entidades que precisam ser revistadas de tempos em tempos. O único porém existente diz respeito ao próprio roteiro que, assim como Obrigado por Fumar, desiste de dar o golpe final, optando por um desfecho politicamente correto, e tratando de confeccionar uma crise de consciência relâmpago para personagens que já haviam nos conquistado por seu cinismo e indiferença. Talvez estejamos sendo cínicos demais também nós mesmos, ao desacreditar em qualquer possível característica redentora do mais desumano dos seres humanos.

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