quarta-feira, abril 24, 2024

Crítica Netflix | Fé Corrompida – Ethan Hawke questiona humanidade e religião

Já não é surpresa para ninguém o fato de que todo ano o Oscar acaba esnobando atuações memoráveis. Desta vez, de acordo com grande parte da crítica especializada e dos cinéfilos mais antenados,  o prejudicado foi Ethan Hawke – que merecia ter sido lembrado pela Academia por sua atuação em Fé Corrompida (ou First Reformed, no título original).

Lançado direto pela Netflix no Brasil (após estrear em VOD sem alarde), o longa de Paul Schrader, que também escreveu o roteiro do aclamado Taxi Driver, pode até ter passado meio em branco por aqui (embora tenha sido lembrado na cerimônia na categoria de Melhor Roteiro Original); no entanto, serviu para confirmar todo o talento do ator para quem ainda tinha dúvidas.

Na trama, Hawke vive o Reverendo Ernst Toller – que, desde a primeira cena em que aparece, não mostra a firmeza e a serenidade esperadas em alguém que vive pela fé. Embora tenha a missão de guiar o “rebanho” da igreja à vida eterna tão pregada na religião, olhos mais atentos percebem que, na verdade, é ele quem precisa de um guia para sair da escuridão em que começa a adentrar e que só piora ao longo do filme. A perturbação inicial se deve à traumas do passado – como a perda do filho que incentivou a se alistar nas forças armadas nos tempos em que era militar – e à saúde que começa a se mostrar debilitada; mas, ao se aproximar de Mary (Amanda Seyfried) e seu marido Michael (Philip Ettinger), Toller começa a se fazer questionamentos que o afastam cada vez mais do caminho da luz para jogá-lo nas trevas, metaforicamente falando.

Com a tela em formato quadrado (4:3), narração em off com os pensamentos do Reverendo enquanto ele se confessa para o papel e longos diálogos com questionamentos religiosos e filosóficos – como na importante cena em que Ernst tenta mudar a cabeça do marido de Mary, um ativista radical que não acredita mais na humanidade -, Schrader consegue nos conduzir em uma jornada de tensão crescente. Muito bem demonstrada pela brilhante atuação de Ethan Hawke, a perturbação que aumenta ao longo do filme e que promove o embate entre luz e trevas faz com que o espectador assista à trama fazendo os mesmos questionamentos levantados pelo protagonista – que, embora tente parecer contido, demonstra com a inquietação do olhar que está prestes a explodir a qualquer momento com tudo o que leva em sua cabeça.

No entanto, ainda que o enredo se desenvolva a partir de uma crise interna do Reverendo, First Reformed consegue falar de forma global por mostrar um personagem que perde a fé na humanidade e sua própria fé – que, até então, era um dos seus maiores bens –  ao passar a refletir sobre as mazelas do mundo. Desde a conversa com Michael – que acaba desistindo da própria vida por não ver mais solução ou sentido em estar no planeta -, o personagem de Hawke passa a carregar as mesmas questões que, inicialmente, tentou combater. A morte física do marido de Mary acaba por se tornar uma espécie de morte espiritual para o pastor, e seus demônios internos fazem a trama ganhar peso com questionamentos que vão do intimista para o geral – como “onde vamos parar?” e “ninguém vai fazer nada quanto a isso?”, conforme expressa o próprio personagem em alguns diálogos. Mesmo sendo uma das figuras mais importantes da igreja, ele passa a questionar os interesses do sistema que faz parte e a repensar sua verdadeira missão ao se ver guiando pessoas que, no geral, não sabem valorizar a criação de Deus – tudo isso enquanto sua fé vai sendo cada vez mais corrompida, como muito bem sintetiza o título BR do filme.

Outro importante detalhe da trama é o envolvimento cada vez maior do Reverendo com Mary. Além de sua função na perturbadora cena final – aberta à diversas interpretações – , um destaque da personagem de Amanda Seyfried é o fato dela carregar um filho no ventre em meio a tantos questionamentos sobre valer ou não a pena estar em um mundo que está cada vez mais fadado ao fracasso. Para seu marido que desistiu da vida e de acordo com o lado pessimista do filme, colocar uma criança na Terra é um dos maiores erros que alguém pode cometer, enquanto os mais esperançosos podem enxergar esse gancho como um lembrete de que a humanidade sempre se renova, mesmo em seu estado quase apocalíptico.

Com tudo isso, no fim da jornada que termina em aberto, a nova produção de Paul Schrader aparece como uma aula de estudo de personagem com as tantas camadas do Reverendo protagonista e como uma profunda reflexão sobre a relação da sociedade atual com a religião e com o meio-ambiente como um todo – usando diálogos e elementos da mise-en-scène para isto. Já a brilhante atuação de Ethan Hawke, como mencionado no início, só confirma mais uma vez que a Academia não é lá muito justa mesmo… . Mas, felizmente, um bom trabalho não precisa de prêmios para ser reconhecido e devidamente lembrado. O público agradece.

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