sexta-feira, março 29, 2024

Crítica | O Animal Cordial – Terror nacional com muito gore e classificação de 18 anos

Os desejos e pavores são força motriz do ser, independente de sua forma ou origem, a questão é que em sociedade estamos todos atravessados por nossas diferenças que, por vezes , refletem esses dois elementos iniciais de maneira distorcida e opressora. O Animal Cordial, longa de estreia de Gabriela Amaral, desnuda as lâminas e suas consequentes feridas sociais de modo que o resultado não poderia ser mais catártico do que o que é concebido em uma cena final, vazando através de sua sanguinolência o complexo jogo ao qual estamos submetidos.

O filme se dá inteiramente num único cenário de um restaurante, daqueles com alguma pretensão, que gostam de figurar em revistas, e um dono arrogante (Murilo Benício). Em uma noite aparentemente comum – comum porque ali está o que há de mais rotineiro – os funcionários desgastados e prestes à insurgência, representados pelo chef de cozinha Djair (Irandhir Santos), a funcionária braço direito do chefe (Luciana Paes), o cliente habitual (Ernani Moraes) e o casal esnobe (Camila Morgado e Jiddu Pinheiro), no qual a mulher se encontra subjugada.

Um dia normal. Sobre esse cotidiano dos gestos mecanizados, do entrar no ônibus para ir ao trabalho, jogar o lixo fora, secar copos, é como se inicia a projeção. No ambiente retratado é palpável as tensões, as rixas e desejos, tudo está muito latente quando um assalto irrompe e a fratura dentro desses “acordos” sociais não suporta mais essa conjuntura e, assim, inicia o processo de exposição dessa ossada.

O thriller com ares de gore faz o total sentido para a estética de uma narrativa que se propõe a esmiuçar as complexidades sociais e alguns de seus arquétipos, pois, confere um grafismo pulsante à sua mise en scene. Essa pulsação aumenta gradativamente acompanhando um surpreendente desenvolvimento de seus personagens, que saem do mascarado sorriso desconfortável de um funcionário perante aos que lhe subestimam ou instrumentalizam para a força que sistematicamente havia sido enclausurada.

A cordialidade perene de uma sociedade violenta é colocada em cheque por cada elemento da obra, até em seus detalhes mais sutis, como quando o cliente cativo, que apenas bebia e nunca havia pedido um prato, resolve jantar. O questionamento que surge não é a respeito do não usual e sim sobre como eles imaginam que aquele homem – de carcaça bruta, introspectivo e compenetrado – irá comer e ainda mais: como eles, enquanto espectadores dessa ingestão gostariam que ele comesse.

Claro, a resposta não tarda, “Eu preferia que fosse rápido”. A exaltação da ferocidade é imediata tanto para a personagem da recepcionista quanto para seu empregador e não à toa o cenário se divide entre o salão do restaurante e sua cozinha – semi exposta em um tipo de interação osmótica dos ambientes – o comer é muito mais amplo que a refeição iniciada pelo cliente, que surge apenas como um dos sentidos presentes no filme, investigando esses funcionamentos devoradores dentro das camadas sociais.

Sara, interpretada por Luciana Paes, traça uma trajetória das mais difíceis, que se resume em dar voz aos seus pensamentos , como os da cena na qual ela fala sozinha nos fundos da cozinha, e não aceitar o desrespeito oriundo de outras classes. Porém, ao fazer isso, ela ainda aceita os desmandos de seu chefe Inácio – Murilo Benício desempenha uma atuação marcante para sua carreira – em uma relação abusiva que sai do vinculo empregatício para ser ainda mais protuberante sobre o tipo de toxicidade abordada.

Seu elenco é eloquente ao dar ímpeto aos seus personagens de forma que se torna quase injusto destacar somente seus protagonistas. Aqui, o filme merece ênfase para a exatidão criada por Camila Morgado e o sempre memorável trabalho de Irandhir Santos, que através de sua força tamanha se equipara ao protagonismo. O organismo disfuncional que cada um ali emprega é pesado com requinte, e essencial para que a obra conseguisse atingir seu alto rigor estético e político.

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