sexta-feira, abril 19, 2024

Crítica | O Estranho que Nós Amamos – Sofia Coppola realiza seu filme mais ambicioso

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Por O Estranho que Nós Amamos, Sofia Coppola se tornou a segunda diretora mulher a levar para casa o prêmio na categoria do prestigiado Festival de Cannes, considerado “o maior” evento do tipo no mundo. Tal honraria é muito bem vinda, mas tal importância não é novidade para a cineasta de 46 anos, já que é uma das poucas mulheres em sua profissão a ter sido indicada ao Oscar.

O talento como diretora chega lado a lado com as acusações de superestima dos detratores. Filha do ícone Francis Ford Coppola, era óbvio que o progenitor imporia uma grande sombra sobre a cria, mesmo depois dela ter realizado obras elogiadas e outras variando o status de culto, como As Virgens Suicidas (1999), Encontros e Desencontros (2003), Maria Antonieta (2006) – vaiado no mesmo festival que agora a consagrou – Um Lugar Qualquer (2010) e Bling Ring (2013).

Forte representante do cinema independente norte-americano, Sofia Coppola é a autora de todos os roteiros que filmou, os quais cria com grande sensibilidade e visão particular de mundo. Tudo bem que aos quase 50, e com apenas seis filmes dirigidos no currículo (contando com este lançamento), Coppola é considerada uma cineasta jovem, com uma longa estrada pela frente. De forma alguma, no entanto, o fato desmerece o que foi conquistado em sua carreira, projetada ao estrelato acima de outros tantos no mercado.

Se formos levar em conta que nomes como Quentin Tarantino e Christopher Nolan possuem, respectivamente, três e quatro filmes a mais que Coppola e são enaltecidos como os novos Deuses do cinema, os poucos trabalhos assinados pela diretora se tornam ainda mais irrelevantes como julgadores da importância de seu cinema de autor. Sofia Coppola, assim como Woody Allen, realiza exclusivamente sua marca nas telas, quer você goste (e conheça) ou não.

Com O Estranho que Nós Amamos, a diretora adapta o livro clássico de Thomas Cullinan, que já havia sido levado ao cinema na forma de uma produção de 1971, dirigida por Don Siegel, e estrelada por Clint Eastwood. Por mais alardeado que seja que Coppola se baseou na obra literária, a cineasta também usou como fonte o roteiro escrito por Albert Maltz e Irene Kamp para o filme original citado. Na trama, durante a Guerra Civil Americana, que partiu o país, um soldado ferido do Norte (papel de Colin Farrell) encontra abrigo num instituição para jovens mulheres sulistas, que sofrem durante o conflito.

O grande mote e essência da história foi respeitado. A presença do soldado, de personalidade dúbia, podendo ter desertado do combate, cria uma tensão constante no local. Inicialmente visto como o inimigo, como um animal perigoso enjaulado, aos poucos ele vai se tornando a figura cativante, pronto a preencher a lacuna que faltava na vida de cada uma dessas jovens mulheres. As guinadas no roteiro são todas influenciadas pela forma como as mulheres percebem o intruso. Em como a figura do sujeito vai mudando perante seus olhos, em como os desejos reprimidos e expectativas vão girando num joguete no qual a figura máscula do macho alfa, viril e onipotente vai se tornando cada vez mais a vítima indefesa de suas algozes, antes gentis anfitriãs.

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Sofia Coppola respeita o cerne e consegue entregar uma obra bela esteticamente, criando verdadeiras pinturas em movimento. Para tal, a parceira com Philippe Le Sourd (indicado ao Oscar por O Grande Mestre) funciona bem. Sua direção é o ponto alto desta nova versão, com figurinos e cenografia, além da citada fotografia, certeiros. As atuações chegam logo atrás. O elenco, mais renomado do que o do filme original, conta com Nicole Kidman, Kirsten Dunst e Elle Fanning como chamarizes interpretando os pilares do internato – em atuações corretas, mas não memoráveis.

O problema central de O Estranho que Nós Amamos reside na domesticação do material original para os tempos politicamente corretos. É como se Coppola tivesse tirado toda a acidez e o que dava sabor a um prato extremamente calórico e saboroso, e entregado uma refeição light, dessas com alimentos integrais que fazem bem para a saúde, mas muitas vezes têm sabor de papelão. Sem dúvidas a versão de Coppola mira um público maior e com isso a censura cai. Desta forma, os temas mais polêmicos são evitados, como a escravidão, relacionamentos impróprios com menores, incesto e qualquer atmosfera sexual mais explícita.

A versão com Clint Eastwood esbarrava no gênero erótico, tamanha a sexualização da trama. A produção de 2017 parece a edição com cortes, por comparação. Soa como estas exibições na TV aberta, nas quais desmantelam um filme, ou algo que seus pais te contariam na infância, evitando momentos impróprios mais rebuscados. De qualquer forma, é válida uma recomendação para este que é o trabalho mais ambicioso da carreira de uma cineasta importante. Assista e depois, quando for maior de idade, busque a versão original, para entender melhor como o mundo funciona.

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