sexta-feira, abril 19, 2024

Crítica | Tal Pai, Tal Filha – Se procura comédia ou drama, vai ficar a ver navios

A relação familiar é sempre agridoce e rende boas histórias. Conflitos de gerações, traumas, reflexos do abandono, restauração de relacionamentos. Por ser construída por homens e mulheres, a dinâmica familiar costumeiramente é frágil e vulnerável. E por seu teor, humor e lágrimas se entrelaçam, em narrativas que mesclam a doçura de viver em comunhão, com o amargor da fraqueza humana. Tal Pai, Tal Filha, poderia se encaixar no gênero da dramédia como um filme que cria o equilíbrio ideal entre este dois extremos. No entanto, enquanto a expectativa se materializa em Os Descendentes ou até O Idiota do Meu Irmão, a realidade se aproxima de uma história que chegou quase lá, mas foi capaz de pecar um pouco em tudo.

Kelsey Grammer e Kristen Bell dão vida a dois personagens auto explicativos. Com características que se entregam rapidamente diante da audiência, eles são duas figuras compreendidas pelo público, mas um tanto efêmeras em primeira instância. Mas por se tratar de uma trama que reside na construção conceitual e estilística de seus protagonistas, naturalmente narrativa e profundidade caminhariam na mesma direção, montando uma imagem mais completa e uma perspectiva mais perspicaz do teor da história que está sendo contada. No longa dirigido pela jovem Lauren Miller, esposa de Seth Rogen, a superficialidade cria uma falsa película de que estamos prestes a desfrutar de algo genuinamente reflexivo. Mas por pairar no óbvio, Tal Pai, Tal Filha se torna um conto narrado pela metade. Falta o fascínio, falta a dureza, falta a leveza de uma dramédia. Falta, de fato, um bom roteiro.

Talvez a comparação com Os Descendentes seja um tanto injusta, mas a produção de Alexander Payne faz justamente essa reflexão sobre as relações humanas, mais precisamente no seio familiar. Quando circunstâncias adversas, tragédias inesperadas e conflitos emergenciais colidem entre si, os relacionamentos afloram, com suas rachaduras profundas tão maquiadas pelo tempo se apresentando e evidenciando as lacunas na alma, naturais dos traumas nascidos no lar. E por construir dois personagens que – embora tenham vivido a abismos de distância um do outro – são cópias impressas, a comédia dramática da Netflix peca por manter a trama rasa, tratando apenas as óbvias consequências do abandono parental, sem promover um background realmente identificável com o conteúdo fonte riquíssimo que já possuía em mãos.

Por evitar tocar na psique humana, a produção sequer gera cócegas no espectador, que não encontra piadas genuinamente divertidas e não compreende o clássico e batido estereótipo de sidekick: o gay divertido, engraçado, falante e que tem as respostas na ponta da língua. E tentando desviar a atenção da audiência do roteiro ruim, Tal Pai, Tal Filha traz os demais coadjuvantes se perdendo em poucas e evasivas falas, que os tornam meros instrumentos fracassados para tentar impulsionar a história e distrair do fato de que o arco principal da narrativa é bem mal desenvolvido. Por focar em um sidekick quase enlatado de tão blasé, a Netflix ignora as demais figuras que – com uma certa caricatura estética – poderiam, na verdade, auxiliar no desdobramento humorístico da trama.

Ao contrário da habilidosa escrita de Seth Rogen, o material de Lauren Miller se apropria de um gênero cativante, mas o esfarela em suas mãos em virtude de uma escrita preguiçosa, que não aproveita o seu elenco, patina na construção de seus personagens e caminha em círculos. Ironicamente, o aspecto mais simbólico, emocional e apaixonante da produção é o único que não se materializa na tela, sendo introduzido por meio do personagem de Grammer e se restringindo apenas à imaginação da audiência. Tal Pai, Tal Filha é uma comédia dramática que tão pouco faz rir ou chorar e rouba a atenção que os usuários deveriam, realmente, dedicar para outros filme do streaming, como Fútil e Inútil e Já Não Me Sinto em Casa Nesse Mundo. E seguindo a linha de sucessivas produções originais fracas lançadas pela Netflix, ela é aquela que não honra a atenção despendida pelo assinante, que cativado pelo trailer, fica – literalmente – a ver navios.

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