quinta-feira , 21 novembro , 2024

10 Ótimos Filmes Dirigidos por Mulheres – Parte 1

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Durante muito tempo dentro de um universo machista na indústria cinematográfica, brilhantes profissionais mulheres, tiveram que lutar bravamente para mostrar seu talento não só para o público mas para quem manda no negócio cinema.

Depois de diversos escândalos expostos, lutando contra a estereotipagem de personagens femininos, muitas vezes usadas como âncoras para uma interpretação masculina, também pelos direitos iguais de pagamento por um trabalho, a mulher tratada como objeto em cena, essas profissionais conseguiram inúmeras conquistas nos últimos anos, inclusive duas cineastas indicadas ao Oscar (poderiam até ser três né? Não esquecemos do trabalho brilhante de Regina King no filme Uma Noite em Miami) em 2021.



Ainda longe do ideal de igualdade que merecem, a luta continua e esse que vos escreve sempre estará buscando conhecer e mostrar a todos lindos trabalhos dessas guerreiras da sétima arte. Assim, surgiu a ideia de termos uma lista constante, de dez em dez trabalhos, para você leitor conhecer alguns fantásticos trabalhos de diretoras de cinema.

Nessa primeira parte, temos filmes da França, dos Estados Unidos, da Geórgia, da Grécia, da Alemanha… cineastas holandesas, francesas, norte-americanas, gregas…

Espero que gostem. Abaixo a primeira lista:

 

The Mustang (França, 2019)

Exibido no prestigiado Festival de Sundance, The Mustang, primeiro trabalho como diretora de Laure de Clermont-Tonnerre e com o já experiente ator belga Matthias Schoenaerts no papel principal, é um filme bastante sensível que aborda fortes temas familiares através da mudança de perspectiva de seu protagonista que começa a se envolver em um trabalho diferente, mesmo dentro de uma prisão. O roteiro consegue boas profundidades para abordar vários temas que envolvem o protagonista conseguindo criar um elo importante para entendermos as ações e consequências ao longo dos 96 minutos de projeção.

Na trama, conhecemos Roman Coleman (Matthias Schoenaerts), um homem condenado a muitos anos de prisão (a causa conhecemos ao longo do filme). Pai e prestes a ser avô, ele é bastante quieto e fala pouco mas acaba ganhando a oportunidade de ser selecionado a um programa de reabilitação ligado a treinamento de cavalos que serão apresentados em leilões. Assim, Coleman acaba conhecendo um cavalo Mustang brabo que aos poucos acaba lhe ensinando e completando peças para se desenvolver em seu quebra cabeça de emoções que sempre guiaram sua vida.

The Mustang não é um filme para qualquer um, você precisa sentir o filme para gostar. Seu ritmo lento e a costura para o desenvolvimento profundo das emoções acabam sendo trunfos aos olhos atentos. A relação dele com a filha que não o perdoa é ótima, emocionante em vários pontos. Coleman é um protagonista de poucas palavras mas que diz muito nas suas atitudes de rebeldia e emoção que acaba transbordando com a entrada do animal em sua vida. O fazer sentido para quem está preso deve ser algo importante a analisar. Poucos filmes conseguem trazer esse sentido tão bem como explicado como esse interessante trabalho que infelizmente não conseguiu chegar ao circuito exibidor brasileiro.

 

Beginning (Geórgia, 2020)

Visual aos montes, verbal quando necessário. Selecionado para o Festival de Cannes (2020), Festival de Toronto (2020) e vencedor de prêmio no Festival de San Sebastian (2020), Beginning, dirigido e escrito pela cineasta georgiana Dea Kulumbegashvili, fala sobre intolerância religiosa e a luta constante contra traumas difíceis de superar e dúvidas recentes de uma protagonista que busca achar soluções para o que acredita. Há cenas fortes e angustiantes, também longos planos, além de uma inquietante câmera estática onde os personagens compõem a trajetória de ações ou até mesmo a força dos sentidos da natureza. Um impactante e duro filme de Kulumbegashvili. Disponível no MUBI.

Na trama, conhecemos um casal, Yana (Ia Sukhitashvili) e David (Rati Oneli), que moram numa cidade provinciana, no interior da Georgia, onde ministram uma comunidade de Testemunhas de Jeová. Um dia, um incêndio criminoso na igreja deles é causado por extremistas, a partir desse momento, a vida de Yana se transforma radicalmente.

Uma terra sem lei, um radicalismo que embaça o óbvio. Totalmente sozinha no forte trauma que sofre, Yana é uma guerreira solitária que precisa enfrentar até mesmo as desconfianças do marido que não consegue se desprender de desconexas razões religiosas para enxergar tudo que aconteceu. Sendo coagidos por um misterioso detetive e uma polícia sem força em uma região onde a justiça não é para todos, somos testemunhas de uma derrocada na família de Yana.

Beginning é um profundo drama, que busca nos seus figurativos das leis que criam sobre o universo (que nem de longe são interpretadas da mesma maneira) os paradoxos ou até mesmo contrapontos para nos fazer refletir sobre o óbvio, a religião, a dor, a dúvida e o sofrimento.

 

 

Berthe Morisot (França, 2012)

A beleza das artes e os confortos dos retratos da vida. Depois de muitos trabalhos como diretora de fotografia, a cineasta parisiense Caroline Champetier apresenta um dos seus primeiros trabalhos como diretora principal, nesse interessante tele filme Berthe Morisot. O projeto, que rodou muitos poucos cinemas, sendo exibido em outras janelas, possui uma direção de arte impecável que passa a sensação ao espectador de estar entrando em uma coleção de museus de todo o mundo. Para dar vida a essa importante artista francesa, a escolhida foi a bela Marine Delterme (Vatel – Um Banquete para o Rei, Paris-Manhattan), que explora sua personagem de maneira convincente.

Na trama, baseada na obra Manet, un rebelle en redingote de Beth Archer Brombert, conhecemos a vida adulta da pintora impressionista francesa Berthe Morisot (Marine Delterme) que passa por diversas transformações nos rumos de sua vida, principalmente quando conhece uma das maiores figuras das artes no século XIX, Édouard Manet (Malik Zidi). Berthe foi sempre uma mulher a frente de seu tempo e conseguiu o respeito de todos através de sua forte personalidade e suas obras inesquecíveis.

Uma das grandes damas do impressionismo, tem parte de sua vida detalhada nesse ótimo projeto. Com foco no primeiro ato em sua vida familiar e todo o inicial interessante pela pintura. Berthe nasceu em Bourges, era prática comum das famílias bourgeois em educar as filhas nas artes. Assim, ela e sua irmã tiveram aulas particulares com grandes professores da época. No segundo ato, o longa metragem, explora as transformações que Berthe passa após ter alguns de seus quadros bem comentados e seu encontro com uma das referências nas artes da época ,Manet. Os contextos políticos e sociais do século XIX também influenciam sua maneira de pensar e ver o mundo.

Há uma ênfase no relacionamento intenso da protagonista com Manet, onde crescem os atores em cena. Os dois são atraídos pelo contexto das artes mas o filme deixa claro que poderia ter sido uma grande história de amor também, talvez, atrapalhado porque Manet já era casado e ter sido diagnosticado com sífilis (causa inclusive de seu falecimento precoce aos 51 anos. Berthe foi musa inspiradora de quadros famosos do artista francês.

Nesse belo passeio pela história da arte europeia, somos testemunhas de uma incrível trajetória de uma mulher à frente de seu tempo.

 

Nunca, Raramente, Às Vezes, Sempre (EUA, 2020)

Nunca, raramente, às vezes, sempre. Seu coração pode estar partido hoje mas amanhã à luz da manhã. Ganhador de prêmios esse ano nos Festivais de Berlim e Sundance, um dos filmes mais comentados nas rodinhas cinéfilas dos últimos anos, Never Rarely Sometimes Always, escrito e dirigido pelo cineasta nova iorquina Eliza Hittman, traz ao público um recorte de um tema polêmico, o aborto, de maneira dura e necessária para gerar a reflexão de todos nós do lado de cá da tela. A protagonista, interpretada por Sidney Flanigan (em seu primeiro filme como atriz) é o retrato de muitas mulheres espalhadas pelo mundo, as escolhas que ela tem e as decisões que toma em um mundo de informações instantâneas mas tão distante para pessoas que ainda estão aprendendo sobre a vida. É um filme com cenas fortes, onde se expressa toda a dor e conflitos da protagonista. Impressiona a captação das emoções pelas lentes sensíveis de Hittman.

Na trama, conhecemos Autumn (Sidney Flanigan), uma jovem introspectiva de 17 anos que trabalha como caixa de supermercado enquanto termina a escola e que está passando por uma situação complicada e difícil, se sentindo sozinha, muito por medo de contar à família, medo das reações dos que giram ao seu redor. Buscando entender melhor a situação que vive, vai em busca de soluções que acha as que tem que tomar, ouvindo especialistas em clínicas femininas. Como mora no interior dos EUA, resolve embarcar em uma viagem para Nova Iorque, junto com sua prima e única confidente Skylar (Talia Ryder) para tomar decisões complicadas e tentar seguir em frente com sua vida.

As causas da reclusão emocional e suspiros de alegria pela música, um cruzamento de sentimentos. Uma série de problemas ligados às emoções estão contidas na vida da personagem principal, não só provocado pela situação da gravidez que se encontra. O filme abre espaço para outros temas que machucam as mulheres, principalmente sobre o assédio, exemplificado no da própria protagonista e o no da prima, os exemplos são muitos que assim como no filme nessa nossa sociedade ainda muito machista. Deixando claro argumentos profundos e contextualizados sobre dores e escolhas Never Rarely Sometimes Always possui 100 minutos de muitas histórias, não só desse recorte. Um filme importante para debates cada vez mais intensos e necessários sobre os temas abordados. Um belo trabalho da diretora e roteirista Eliza Hittman.

 

Olla (Grécia, 2019)

A independência do feminismo contra o machismo descarado. Escrito e dirigido pela cineasta grega Ariane Labed, Olla é um curta-metragem que deixa sua marca com paralelos importantes ligados à luta das mulheres e sua liberdade contra o conservadorismo, o pensamento machista, quase um desabafo do que se pode encontrar na realidade dos quatro cantos do planeta. Exibido no Festival de Cannes em 2019, em Clermont-Ferrand e Sundance em 2020.

Na trama, conhecemos Olla (Romanna Lobach), uma jovem que vem de uma parte menor da Europa, no leste e acaba conhecendo virtualmente através de um anúncio o francês Pierre (Grégoire Tachnakian), logo sem seguida a protagonista vai morar com Pierre e a mãe dele em uma casa pequena no subúrbio mas nada sai conforme o planejado, nem na visão de um, nem na visão da outra.

Limitada ao conservadorismo, Olla sente a liberdade quando está sozinha, seu ponto de reflexão, quase um desabafo de uma indomável mulher à frente do seu tempo que após entender toda a situação que vive resolve tomar atitudes que a fazem mais feliz. Seu contra golpe contra a violência e o machismo desenfreado é emblemático. O roteiro é objetivo, afinal são menos de 30 minutos, mas é preciso uma lida rápida na sinopse para se situar em pequenas referências que aparecem em quase escondidas entrelinhas.

 

A Cor do Oceano (Alemanha, 2011)

A imigração é uma grande queda de braços dentro de um labirinto social. Escrito e dirigido pela cineasta, roteirista e atriz alemã Maggie Peren, A Cor do OceanoDie Farbe des Ozeans no original, é uma co-produção alemã/espanhola que traz uma forte luz sobre a situações dos imigrantes no mundo. A produção do ano de 2011, e inédito no circuito exibidor brasileiro, é um filme forte que provoca um abalo sísmico emocional principalmente se nossos olhos e corações associarem aos dias de hoje, principalmente na Europa.

Na trama, conhecemos a jovem Nathalie (Sabine Timoteo), uma turista alemã aproveitando dias de férias nas ilhas canárias (arquipélago espanhol no Oceano Atlântico). Durante uma ida à praia, é surpreendida com a chegada de um barco vindo de algum lugar do mundo trazendo imigrantes clandestinos. Logo que chegam a praia, são resgatados por policiais de fronteira, liderados pelo impiedoso Jose (Álex González). Não conseguindo se desfazer das imagens do ocorrido, Nathalie acaba se aproximando de um dos ocupantes do barco que se encontra em uma nova terra com seu filho pequeno, sem conhecer ninguém.

Longe de ser uma inverdade da vida real, o roteiro do filme nos leva a uma viagem rumo as mais tristes posições políticas, claramente representado pelo cético Jose, que entra em confronto com uma visão bem mais humanitária da turista alemã Nathalie. Os dois pontos de vistas são destrinchados ao longo dos 90 minutos de pura objetividade no roteiro assinado pela própria diretora.

Do primeiro para o segundo arco, já no preenchimento de lacunas dos personagens, vemos as consequências e mais porquês das tristes e nada humanitárias ações do guarda José, muitos impulsos provocados por uma ira sem tamanho que tem contra si mesmo por conta de não conseguir ajudar sua irmã drogada a se recuperar. Em alguns momentos o filme parece que corre um pouco com a transparência desse personagem de tão complexo que se torna. O outro lado da história, Nathalie é confrontada por seu noivo que tem uma visão totalmente protetora e nada amistosa sobre as ações que ela toma em suas decisões de ajudar ou não uma pessoa que nunca viu mas que está passando por sérias dificuldades.

A Cor do Oceano é um daqueles filmes reflexivos, importantes para debates que contam uma história que se ligarmos a televisão veremos a vida imitando a arte.

 

A Odisseia de Alice (França, 2014)

Acreditar em si mesmo leva a um destino infinito. Acreditar que falhou pode ser o fim da sua jornada. Assim, é preciso recomeçar. Escrito e dirigido pela atriz e diretora francesa Lucie Borleteau, A Odisseia de Alice é uma jornada em busca do saber amar, do conquistar ser reconhecida em sua profissão e também do saber esquecer e seguir em frente. A poderosa protagonista, interpretada pela excelente e bela atriz grega Ariane Labed (vencedora do prêmio de melhor atriz no Festival de Locarno), é o centro de todos esses conflitos e emoções que vão ganhando um certo charme libertário, com uma pegada feminista, ao longo dos intensos 97 minutos de projeção.

Na trama, conhecemos a jovem engenheira Alice (Ariane Labed), uma mulher de menos de 30 anos que trabalha na marinha mercantil. Entre uma viagem e outra, algumas que duram meses em alto mar, ela acaba reencontrando um dos grandes amores de sua vida, o capitão Gael (Melvil Poupaud). O problema é que Alice deixou em terra seu noivo, Felix (Anders Danielsen Lie – do excelente Oslo, 31 de Agosto) por quem tem grandes sentimentos. Ao longo dos dias, Alice precisará descobrir realmente para quem deseja entregar seu coração, ou se simplesmente prefere viver um dia de cada vez sem compromissos.

Alice, mesmo analisando de maneira trivial, é uma personagem bastante complexa que chega até certo ponto esconder os sentimentos de si mesmo. Há um conflito dentro dela, praticamente um triangulo isósceles onde duas posições mudam de posição constantemente. Lutando pelo reconhecimento em um lugar de trabalho onde vive cercada de homens e poucas mulheres, a protagonista coloca sua profissão em primeiro lugar.

Fica bem claro logo nos primeiros minutos de filmes que estamos prestes a sermos testemunhas de uma trajetória inconsequente de quem não sabe como amar. Há um sentimento bem forte de egoísmo da personagem principal. Alice é adepta da liberdade e, por causa de sua imaturidade nos relacionamentos, nunca pensa como o coração dos outros pode ficar por conta de suas atitudes. Ela sofre, chega próximo do amar mas prefere ser inconsequente. É uma escolha.

Com uma fotografia belíssima e ótimas atuações do simpático elenco, A Odisseia de Alice estreou no circuito brasileiro algumas semanas atrás de vem ganhando diversos elogios da crítica e dos cinéfilos. Merecido, é um belo trabalho.

 

The Rider (EUA, 2017)

Sabemos o que somos, mas não sabemos o que poderemos ser. A difícil decisão de desistir dos próprios sonhos por motivo de força maior. Escrito e dirigido pela cineasta chinesa Chloé Zhao (atual vencedora do Oscar por Nomadland), The Rider é uma fábula moderna, muito real, sobre a arte do se reinventar mesmo que isso vá contra tudo o que sempre conquistou. Falando sobre amizade, família e sonhos, o projeto foi organizado a partir do encontro entre e diretora Chloé Zhao e Brady Jandreau durante a pesquisa da primeira para seu filme anterior, Songs My Brothers Taught Me (2015).

Com um personagem baseado na vida do artista que o interpreta, The Rider conta a história de Brady Blackburn (Brady Jandreau) um jovem com um futuro brilhante no mundo dos rodeios até que após um grave acidente em um evento precisa se limitar a determinadas atividades e nunca mais poder realizar seu grande sonho. Tendo que se reinventar como pessoa, descobre na força dos amigos e da família novos motivos para se tornar uma pessoa de bem.

Colorindo nosso olhar com uma bela fotografia, The Rider é uma trama envolvente, que busca na profundidade de seu protagonista razões para entendermos melhor o louco mundo em que vivemos. Mesmo a cultura country sendo um pouco distante da maior parte das realidades brasileiras, o projeto projeta o tema como plano de fundo dando exata dimensão do quão fascinante é esse mundo. Abordando sonhos e as conseqüências das dificuldades que enfrenta o protagonista, nos identificamos a todo instante. Mesmo sendo lapidado com uma melancolia permanente, The Rider é capaz de encantar pela sutileza e as nítidas verdades do olhar do personagem, elo com o público.

Indicado para mais de 16 premiações em todo o mundo, incluindo o prêmio do C.I.C.A.E. Award no Festival de Cannes em 2017, além de indicações ao prestigiado Spirit Awards desse ano, The Rider não deixa de ser a realização de um sonho, uma singela e bonita homenagem de Zhao a seu protagonista. Um sonho sonhado sozinho é um sonho. Um sonho sonhado junto é realidade.

 

Uma Noite em Miami (EUA, 2020)

Quantas estradas um homem precisará andar antes que possam chamá-lo de homem? A mudança está chegando, sim ela vai. Dirigido pela atriz e cineasta, ganhadora do Oscar, Regina KingUma Noite em Miami… produzido e já no catálogo da Amazon, é um filme que fala sobre amizade, direitos humanos, causas sociais e que gera uma grande reflexão sobre como era os Estados Unidos e o mundo no meio da década de 60 em relação a desigualdades sociais, religião e preconceitos que ainda existem até hoje. Em um inusitado e ficcional encontro entre quatro amigos, negros, famosos entendemos escolhas marcantes na história norte-americana. Baseado na peça de teatro de Kemp Powers, que também assina o roteiro da produção. O longa-metragem, foi selecionado para o Festival de Cinema de Veneza do ano passado, sendo o primeiro filme dirigido por uma mulher afro-americana a ser selecionado na história desse festival.

A trama é ambientada em meados da década de 60, mais precisamente na noite onde o grande pugilista norte-americano Cassius Clay (Eli Goree), depois Muhammad Ali, venceu Sonny Liston e conquistou o título mundial de campeão dos pesos pesados. Naquele mesmo dia, para comemorar, Cassius fora se encontrar com os amigos de longa data: o cantor Sam Cooke (Leslie Odom Jr.), o ativista Malcom X (Kingsley Ben-Adir) e a estrela do futebol americano na época Jim Brown (Aldis Hodge) em um quarto de hotel em Miami. Nesse encontro, longos debates sobre causas sociais, ativismo político e a importância deles para mudanças futuras nos direitos iguais para os negros.

Diálogos acalorados, questões religiosas, sucessão de argumentos conforme sentimento vivido até ali, linha tênue entre amizade e imposição de convencimento, tudo isso acontece entre os quatro personagens em um quarto de hotel. Os rumos e conclusões dessas trocas de ideias seriam fundamentais para a consolidação do pensar no movimento negro nos Estados Unidos, já que os quatro eram negros de grande sucesso e exposição nas suas respectivas carreiras. Regina King, que antes desse já dirigiu um documentário e alguns episódios de séries como: This is UsThe Good Doctor e Scandal, consegue muito sucesso em transmitir as ideias dessas brilhantes mentes que foram fundamentais na luta constante pelos direitos iguais. As argumentações se tornam uma grande aula de história para todos que não conheciam ou por algum motivo nunca pararam para pensar o quão caótico era (ainda é!) a questão do preconceito na maior super potência do planeta.

O desfecho ao som de A Change is Gonna Come, na voz do ator Leslie Odom Jr. (ganhador do Tony por sua atuação magistral no musical Hamilton) é a cereja do bolo. Uma música que diz muito sobre o que conversam os quatro amigos. Tem sido um longo, um longo tempo para chegar, mas quem sabe algum dia…a mudança está chegando.

 

Quando Hitler Roubou o Coelho Cor-de-Rosa (Alemanha, 2019)

O amor é o melhor remédio do mundo. Em mais uma obra sobre os terríveis momentos que o mundo viveu na chegada de um dos maiores vilões da história da humanidade no poder na Alemanha, acompanhamos sob a ótica de uma menina, uma família judia que morava na Alemanha e sua fuga pela Europa em uma época vazia, deficiente de paz, repleta de ódio, medo e intolerância. Quando Hitler Roubou o Coelho Cor-de-Rosa, baseado no livro de sucesso (publicado em 20 idiomas) da escritora Judith Kerr, é um longa-metragem repleto de arcos interessantes mesmo que não haja uma profundidade maior no tema principal que impactou toda uma legião de famílias pelo planeta. O filme é dirigido pela cineasta alemã Caroline Link (também diretora do elogiado filme Lugar Nenhum da África, filme do início dos anos 2000) e conta com ótima atuação de sua protagonista, a jovem Riva Krymalowski e do ator alemão Oliver Masucci (conhecido por aqui por seu papel no seriado Dark).

Na trama, ambientada no começo dos anos 30, em Berlim, conhecemos a família do jornalista Arthur (Oliver Masucci) e da escritora de óperas e exímia pianista Dorothea (Carla Juri) que vivem junto com seus filhos Anna (Riva Krymalowski) e Max (Marinus Hohmann). Faltando 10 dias para eleições na Alemanha, o jornalista, que é crítico de Hitler, é avisado por amigos que fora colocado em uma lista onde que nessa estiver será perseguido por Hitler caso o mesmo ganhe as eleições. Se guardando do pior, resolve embarcar para um país vizinho junto com toda sua família. Assim, durante meses, lutando contra a falta de oportunidades de trabalho e da perda de toda uma vida material, a família decide ir se mudando de países e para isso precisará estar unida para juntos vencerem.

Os diálogos são bastantes esclarecedores de como os pequenos irmãos enxergavam toda aquela situação vivida pela família. Ao longo das viagens, que acabam se tornando constante pelo continente europeu, há a necessidade de rápida adaptação a novas rotinas, novos costumes, nova cultura. Os horrores do que acontecia na Alemanha com conhecidos chegavam por interlocutores que os visitavam, como o carismático Tio Julius (Justus von Dohnányi).

As indagações constantes de Anna ao pai mostra como o amadurecimento sobre a situação vivida por sua família, em meio ao barril de pólvora que se tornou a Europa, está sempre em desenvolvimento. Nesses emocionantes diálogos, a protagonista e Arthur, a quem tem uma admiração louvável, falam sobre tudo que há no mundo e na sua existência. Fé, o momento atual, cultura, livros. Sonhos simples e ainda distantes. Quando Hitler Roubou o Coelho Cor-de-Rosa é mais um recorte sobre esses tempos difíceis que a humanidade viveu.

 

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Durante muito tempo dentro de um universo machista na indústria cinematográfica, brilhantes profissionais mulheres, tiveram que lutar bravamente para mostrar seu talento não só para o público mas para quem manda no negócio cinema.

Depois de diversos escândalos expostos, lutando contra a estereotipagem de personagens femininos, muitas vezes usadas como âncoras para uma interpretação masculina, também pelos direitos iguais de pagamento por um trabalho, a mulher tratada como objeto em cena, essas profissionais conseguiram inúmeras conquistas nos últimos anos, inclusive duas cineastas indicadas ao Oscar (poderiam até ser três né? Não esquecemos do trabalho brilhante de Regina King no filme Uma Noite em Miami) em 2021.

Ainda longe do ideal de igualdade que merecem, a luta continua e esse que vos escreve sempre estará buscando conhecer e mostrar a todos lindos trabalhos dessas guerreiras da sétima arte. Assim, surgiu a ideia de termos uma lista constante, de dez em dez trabalhos, para você leitor conhecer alguns fantásticos trabalhos de diretoras de cinema.

Nessa primeira parte, temos filmes da França, dos Estados Unidos, da Geórgia, da Grécia, da Alemanha… cineastas holandesas, francesas, norte-americanas, gregas…

Espero que gostem. Abaixo a primeira lista:

 

The Mustang (França, 2019)

Exibido no prestigiado Festival de Sundance, The Mustang, primeiro trabalho como diretora de Laure de Clermont-Tonnerre e com o já experiente ator belga Matthias Schoenaerts no papel principal, é um filme bastante sensível que aborda fortes temas familiares através da mudança de perspectiva de seu protagonista que começa a se envolver em um trabalho diferente, mesmo dentro de uma prisão. O roteiro consegue boas profundidades para abordar vários temas que envolvem o protagonista conseguindo criar um elo importante para entendermos as ações e consequências ao longo dos 96 minutos de projeção.

Na trama, conhecemos Roman Coleman (Matthias Schoenaerts), um homem condenado a muitos anos de prisão (a causa conhecemos ao longo do filme). Pai e prestes a ser avô, ele é bastante quieto e fala pouco mas acaba ganhando a oportunidade de ser selecionado a um programa de reabilitação ligado a treinamento de cavalos que serão apresentados em leilões. Assim, Coleman acaba conhecendo um cavalo Mustang brabo que aos poucos acaba lhe ensinando e completando peças para se desenvolver em seu quebra cabeça de emoções que sempre guiaram sua vida.

The Mustang não é um filme para qualquer um, você precisa sentir o filme para gostar. Seu ritmo lento e a costura para o desenvolvimento profundo das emoções acabam sendo trunfos aos olhos atentos. A relação dele com a filha que não o perdoa é ótima, emocionante em vários pontos. Coleman é um protagonista de poucas palavras mas que diz muito nas suas atitudes de rebeldia e emoção que acaba transbordando com a entrada do animal em sua vida. O fazer sentido para quem está preso deve ser algo importante a analisar. Poucos filmes conseguem trazer esse sentido tão bem como explicado como esse interessante trabalho que infelizmente não conseguiu chegar ao circuito exibidor brasileiro.

 

Beginning (Geórgia, 2020)

Visual aos montes, verbal quando necessário. Selecionado para o Festival de Cannes (2020), Festival de Toronto (2020) e vencedor de prêmio no Festival de San Sebastian (2020), Beginning, dirigido e escrito pela cineasta georgiana Dea Kulumbegashvili, fala sobre intolerância religiosa e a luta constante contra traumas difíceis de superar e dúvidas recentes de uma protagonista que busca achar soluções para o que acredita. Há cenas fortes e angustiantes, também longos planos, além de uma inquietante câmera estática onde os personagens compõem a trajetória de ações ou até mesmo a força dos sentidos da natureza. Um impactante e duro filme de Kulumbegashvili. Disponível no MUBI.

Na trama, conhecemos um casal, Yana (Ia Sukhitashvili) e David (Rati Oneli), que moram numa cidade provinciana, no interior da Georgia, onde ministram uma comunidade de Testemunhas de Jeová. Um dia, um incêndio criminoso na igreja deles é causado por extremistas, a partir desse momento, a vida de Yana se transforma radicalmente.

Uma terra sem lei, um radicalismo que embaça o óbvio. Totalmente sozinha no forte trauma que sofre, Yana é uma guerreira solitária que precisa enfrentar até mesmo as desconfianças do marido que não consegue se desprender de desconexas razões religiosas para enxergar tudo que aconteceu. Sendo coagidos por um misterioso detetive e uma polícia sem força em uma região onde a justiça não é para todos, somos testemunhas de uma derrocada na família de Yana.

Beginning é um profundo drama, que busca nos seus figurativos das leis que criam sobre o universo (que nem de longe são interpretadas da mesma maneira) os paradoxos ou até mesmo contrapontos para nos fazer refletir sobre o óbvio, a religião, a dor, a dúvida e o sofrimento.

 

 

Berthe Morisot (França, 2012)

A beleza das artes e os confortos dos retratos da vida. Depois de muitos trabalhos como diretora de fotografia, a cineasta parisiense Caroline Champetier apresenta um dos seus primeiros trabalhos como diretora principal, nesse interessante tele filme Berthe Morisot. O projeto, que rodou muitos poucos cinemas, sendo exibido em outras janelas, possui uma direção de arte impecável que passa a sensação ao espectador de estar entrando em uma coleção de museus de todo o mundo. Para dar vida a essa importante artista francesa, a escolhida foi a bela Marine Delterme (Vatel – Um Banquete para o Rei, Paris-Manhattan), que explora sua personagem de maneira convincente.

Na trama, baseada na obra Manet, un rebelle en redingote de Beth Archer Brombert, conhecemos a vida adulta da pintora impressionista francesa Berthe Morisot (Marine Delterme) que passa por diversas transformações nos rumos de sua vida, principalmente quando conhece uma das maiores figuras das artes no século XIX, Édouard Manet (Malik Zidi). Berthe foi sempre uma mulher a frente de seu tempo e conseguiu o respeito de todos através de sua forte personalidade e suas obras inesquecíveis.

Uma das grandes damas do impressionismo, tem parte de sua vida detalhada nesse ótimo projeto. Com foco no primeiro ato em sua vida familiar e todo o inicial interessante pela pintura. Berthe nasceu em Bourges, era prática comum das famílias bourgeois em educar as filhas nas artes. Assim, ela e sua irmã tiveram aulas particulares com grandes professores da época. No segundo ato, o longa metragem, explora as transformações que Berthe passa após ter alguns de seus quadros bem comentados e seu encontro com uma das referências nas artes da época ,Manet. Os contextos políticos e sociais do século XIX também influenciam sua maneira de pensar e ver o mundo.

Há uma ênfase no relacionamento intenso da protagonista com Manet, onde crescem os atores em cena. Os dois são atraídos pelo contexto das artes mas o filme deixa claro que poderia ter sido uma grande história de amor também, talvez, atrapalhado porque Manet já era casado e ter sido diagnosticado com sífilis (causa inclusive de seu falecimento precoce aos 51 anos. Berthe foi musa inspiradora de quadros famosos do artista francês.

Nesse belo passeio pela história da arte europeia, somos testemunhas de uma incrível trajetória de uma mulher à frente de seu tempo.

 

Nunca, Raramente, Às Vezes, Sempre (EUA, 2020)

Nunca, raramente, às vezes, sempre. Seu coração pode estar partido hoje mas amanhã à luz da manhã. Ganhador de prêmios esse ano nos Festivais de Berlim e Sundance, um dos filmes mais comentados nas rodinhas cinéfilas dos últimos anos, Never Rarely Sometimes Always, escrito e dirigido pelo cineasta nova iorquina Eliza Hittman, traz ao público um recorte de um tema polêmico, o aborto, de maneira dura e necessária para gerar a reflexão de todos nós do lado de cá da tela. A protagonista, interpretada por Sidney Flanigan (em seu primeiro filme como atriz) é o retrato de muitas mulheres espalhadas pelo mundo, as escolhas que ela tem e as decisões que toma em um mundo de informações instantâneas mas tão distante para pessoas que ainda estão aprendendo sobre a vida. É um filme com cenas fortes, onde se expressa toda a dor e conflitos da protagonista. Impressiona a captação das emoções pelas lentes sensíveis de Hittman.

Na trama, conhecemos Autumn (Sidney Flanigan), uma jovem introspectiva de 17 anos que trabalha como caixa de supermercado enquanto termina a escola e que está passando por uma situação complicada e difícil, se sentindo sozinha, muito por medo de contar à família, medo das reações dos que giram ao seu redor. Buscando entender melhor a situação que vive, vai em busca de soluções que acha as que tem que tomar, ouvindo especialistas em clínicas femininas. Como mora no interior dos EUA, resolve embarcar em uma viagem para Nova Iorque, junto com sua prima e única confidente Skylar (Talia Ryder) para tomar decisões complicadas e tentar seguir em frente com sua vida.

As causas da reclusão emocional e suspiros de alegria pela música, um cruzamento de sentimentos. Uma série de problemas ligados às emoções estão contidas na vida da personagem principal, não só provocado pela situação da gravidez que se encontra. O filme abre espaço para outros temas que machucam as mulheres, principalmente sobre o assédio, exemplificado no da própria protagonista e o no da prima, os exemplos são muitos que assim como no filme nessa nossa sociedade ainda muito machista. Deixando claro argumentos profundos e contextualizados sobre dores e escolhas Never Rarely Sometimes Always possui 100 minutos de muitas histórias, não só desse recorte. Um filme importante para debates cada vez mais intensos e necessários sobre os temas abordados. Um belo trabalho da diretora e roteirista Eliza Hittman.

 

Olla (Grécia, 2019)

A independência do feminismo contra o machismo descarado. Escrito e dirigido pela cineasta grega Ariane Labed, Olla é um curta-metragem que deixa sua marca com paralelos importantes ligados à luta das mulheres e sua liberdade contra o conservadorismo, o pensamento machista, quase um desabafo do que se pode encontrar na realidade dos quatro cantos do planeta. Exibido no Festival de Cannes em 2019, em Clermont-Ferrand e Sundance em 2020.

Na trama, conhecemos Olla (Romanna Lobach), uma jovem que vem de uma parte menor da Europa, no leste e acaba conhecendo virtualmente através de um anúncio o francês Pierre (Grégoire Tachnakian), logo sem seguida a protagonista vai morar com Pierre e a mãe dele em uma casa pequena no subúrbio mas nada sai conforme o planejado, nem na visão de um, nem na visão da outra.

Limitada ao conservadorismo, Olla sente a liberdade quando está sozinha, seu ponto de reflexão, quase um desabafo de uma indomável mulher à frente do seu tempo que após entender toda a situação que vive resolve tomar atitudes que a fazem mais feliz. Seu contra golpe contra a violência e o machismo desenfreado é emblemático. O roteiro é objetivo, afinal são menos de 30 minutos, mas é preciso uma lida rápida na sinopse para se situar em pequenas referências que aparecem em quase escondidas entrelinhas.

 

A Cor do Oceano (Alemanha, 2011)

A imigração é uma grande queda de braços dentro de um labirinto social. Escrito e dirigido pela cineasta, roteirista e atriz alemã Maggie Peren, A Cor do OceanoDie Farbe des Ozeans no original, é uma co-produção alemã/espanhola que traz uma forte luz sobre a situações dos imigrantes no mundo. A produção do ano de 2011, e inédito no circuito exibidor brasileiro, é um filme forte que provoca um abalo sísmico emocional principalmente se nossos olhos e corações associarem aos dias de hoje, principalmente na Europa.

Na trama, conhecemos a jovem Nathalie (Sabine Timoteo), uma turista alemã aproveitando dias de férias nas ilhas canárias (arquipélago espanhol no Oceano Atlântico). Durante uma ida à praia, é surpreendida com a chegada de um barco vindo de algum lugar do mundo trazendo imigrantes clandestinos. Logo que chegam a praia, são resgatados por policiais de fronteira, liderados pelo impiedoso Jose (Álex González). Não conseguindo se desfazer das imagens do ocorrido, Nathalie acaba se aproximando de um dos ocupantes do barco que se encontra em uma nova terra com seu filho pequeno, sem conhecer ninguém.

Longe de ser uma inverdade da vida real, o roteiro do filme nos leva a uma viagem rumo as mais tristes posições políticas, claramente representado pelo cético Jose, que entra em confronto com uma visão bem mais humanitária da turista alemã Nathalie. Os dois pontos de vistas são destrinchados ao longo dos 90 minutos de pura objetividade no roteiro assinado pela própria diretora.

Do primeiro para o segundo arco, já no preenchimento de lacunas dos personagens, vemos as consequências e mais porquês das tristes e nada humanitárias ações do guarda José, muitos impulsos provocados por uma ira sem tamanho que tem contra si mesmo por conta de não conseguir ajudar sua irmã drogada a se recuperar. Em alguns momentos o filme parece que corre um pouco com a transparência desse personagem de tão complexo que se torna. O outro lado da história, Nathalie é confrontada por seu noivo que tem uma visão totalmente protetora e nada amistosa sobre as ações que ela toma em suas decisões de ajudar ou não uma pessoa que nunca viu mas que está passando por sérias dificuldades.

A Cor do Oceano é um daqueles filmes reflexivos, importantes para debates que contam uma história que se ligarmos a televisão veremos a vida imitando a arte.

 

A Odisseia de Alice (França, 2014)

Acreditar em si mesmo leva a um destino infinito. Acreditar que falhou pode ser o fim da sua jornada. Assim, é preciso recomeçar. Escrito e dirigido pela atriz e diretora francesa Lucie Borleteau, A Odisseia de Alice é uma jornada em busca do saber amar, do conquistar ser reconhecida em sua profissão e também do saber esquecer e seguir em frente. A poderosa protagonista, interpretada pela excelente e bela atriz grega Ariane Labed (vencedora do prêmio de melhor atriz no Festival de Locarno), é o centro de todos esses conflitos e emoções que vão ganhando um certo charme libertário, com uma pegada feminista, ao longo dos intensos 97 minutos de projeção.

Na trama, conhecemos a jovem engenheira Alice (Ariane Labed), uma mulher de menos de 30 anos que trabalha na marinha mercantil. Entre uma viagem e outra, algumas que duram meses em alto mar, ela acaba reencontrando um dos grandes amores de sua vida, o capitão Gael (Melvil Poupaud). O problema é que Alice deixou em terra seu noivo, Felix (Anders Danielsen Lie – do excelente Oslo, 31 de Agosto) por quem tem grandes sentimentos. Ao longo dos dias, Alice precisará descobrir realmente para quem deseja entregar seu coração, ou se simplesmente prefere viver um dia de cada vez sem compromissos.

Alice, mesmo analisando de maneira trivial, é uma personagem bastante complexa que chega até certo ponto esconder os sentimentos de si mesmo. Há um conflito dentro dela, praticamente um triangulo isósceles onde duas posições mudam de posição constantemente. Lutando pelo reconhecimento em um lugar de trabalho onde vive cercada de homens e poucas mulheres, a protagonista coloca sua profissão em primeiro lugar.

Fica bem claro logo nos primeiros minutos de filmes que estamos prestes a sermos testemunhas de uma trajetória inconsequente de quem não sabe como amar. Há um sentimento bem forte de egoísmo da personagem principal. Alice é adepta da liberdade e, por causa de sua imaturidade nos relacionamentos, nunca pensa como o coração dos outros pode ficar por conta de suas atitudes. Ela sofre, chega próximo do amar mas prefere ser inconsequente. É uma escolha.

Com uma fotografia belíssima e ótimas atuações do simpático elenco, A Odisseia de Alice estreou no circuito brasileiro algumas semanas atrás de vem ganhando diversos elogios da crítica e dos cinéfilos. Merecido, é um belo trabalho.

 

The Rider (EUA, 2017)

Sabemos o que somos, mas não sabemos o que poderemos ser. A difícil decisão de desistir dos próprios sonhos por motivo de força maior. Escrito e dirigido pela cineasta chinesa Chloé Zhao (atual vencedora do Oscar por Nomadland), The Rider é uma fábula moderna, muito real, sobre a arte do se reinventar mesmo que isso vá contra tudo o que sempre conquistou. Falando sobre amizade, família e sonhos, o projeto foi organizado a partir do encontro entre e diretora Chloé Zhao e Brady Jandreau durante a pesquisa da primeira para seu filme anterior, Songs My Brothers Taught Me (2015).

Com um personagem baseado na vida do artista que o interpreta, The Rider conta a história de Brady Blackburn (Brady Jandreau) um jovem com um futuro brilhante no mundo dos rodeios até que após um grave acidente em um evento precisa se limitar a determinadas atividades e nunca mais poder realizar seu grande sonho. Tendo que se reinventar como pessoa, descobre na força dos amigos e da família novos motivos para se tornar uma pessoa de bem.

Colorindo nosso olhar com uma bela fotografia, The Rider é uma trama envolvente, que busca na profundidade de seu protagonista razões para entendermos melhor o louco mundo em que vivemos. Mesmo a cultura country sendo um pouco distante da maior parte das realidades brasileiras, o projeto projeta o tema como plano de fundo dando exata dimensão do quão fascinante é esse mundo. Abordando sonhos e as conseqüências das dificuldades que enfrenta o protagonista, nos identificamos a todo instante. Mesmo sendo lapidado com uma melancolia permanente, The Rider é capaz de encantar pela sutileza e as nítidas verdades do olhar do personagem, elo com o público.

Indicado para mais de 16 premiações em todo o mundo, incluindo o prêmio do C.I.C.A.E. Award no Festival de Cannes em 2017, além de indicações ao prestigiado Spirit Awards desse ano, The Rider não deixa de ser a realização de um sonho, uma singela e bonita homenagem de Zhao a seu protagonista. Um sonho sonhado sozinho é um sonho. Um sonho sonhado junto é realidade.

 

Uma Noite em Miami (EUA, 2020)

Quantas estradas um homem precisará andar antes que possam chamá-lo de homem? A mudança está chegando, sim ela vai. Dirigido pela atriz e cineasta, ganhadora do Oscar, Regina KingUma Noite em Miami… produzido e já no catálogo da Amazon, é um filme que fala sobre amizade, direitos humanos, causas sociais e que gera uma grande reflexão sobre como era os Estados Unidos e o mundo no meio da década de 60 em relação a desigualdades sociais, religião e preconceitos que ainda existem até hoje. Em um inusitado e ficcional encontro entre quatro amigos, negros, famosos entendemos escolhas marcantes na história norte-americana. Baseado na peça de teatro de Kemp Powers, que também assina o roteiro da produção. O longa-metragem, foi selecionado para o Festival de Cinema de Veneza do ano passado, sendo o primeiro filme dirigido por uma mulher afro-americana a ser selecionado na história desse festival.

A trama é ambientada em meados da década de 60, mais precisamente na noite onde o grande pugilista norte-americano Cassius Clay (Eli Goree), depois Muhammad Ali, venceu Sonny Liston e conquistou o título mundial de campeão dos pesos pesados. Naquele mesmo dia, para comemorar, Cassius fora se encontrar com os amigos de longa data: o cantor Sam Cooke (Leslie Odom Jr.), o ativista Malcom X (Kingsley Ben-Adir) e a estrela do futebol americano na época Jim Brown (Aldis Hodge) em um quarto de hotel em Miami. Nesse encontro, longos debates sobre causas sociais, ativismo político e a importância deles para mudanças futuras nos direitos iguais para os negros.

Diálogos acalorados, questões religiosas, sucessão de argumentos conforme sentimento vivido até ali, linha tênue entre amizade e imposição de convencimento, tudo isso acontece entre os quatro personagens em um quarto de hotel. Os rumos e conclusões dessas trocas de ideias seriam fundamentais para a consolidação do pensar no movimento negro nos Estados Unidos, já que os quatro eram negros de grande sucesso e exposição nas suas respectivas carreiras. Regina King, que antes desse já dirigiu um documentário e alguns episódios de séries como: This is UsThe Good Doctor e Scandal, consegue muito sucesso em transmitir as ideias dessas brilhantes mentes que foram fundamentais na luta constante pelos direitos iguais. As argumentações se tornam uma grande aula de história para todos que não conheciam ou por algum motivo nunca pararam para pensar o quão caótico era (ainda é!) a questão do preconceito na maior super potência do planeta.

O desfecho ao som de A Change is Gonna Come, na voz do ator Leslie Odom Jr. (ganhador do Tony por sua atuação magistral no musical Hamilton) é a cereja do bolo. Uma música que diz muito sobre o que conversam os quatro amigos. Tem sido um longo, um longo tempo para chegar, mas quem sabe algum dia…a mudança está chegando.

 

Quando Hitler Roubou o Coelho Cor-de-Rosa (Alemanha, 2019)

O amor é o melhor remédio do mundo. Em mais uma obra sobre os terríveis momentos que o mundo viveu na chegada de um dos maiores vilões da história da humanidade no poder na Alemanha, acompanhamos sob a ótica de uma menina, uma família judia que morava na Alemanha e sua fuga pela Europa em uma época vazia, deficiente de paz, repleta de ódio, medo e intolerância. Quando Hitler Roubou o Coelho Cor-de-Rosa, baseado no livro de sucesso (publicado em 20 idiomas) da escritora Judith Kerr, é um longa-metragem repleto de arcos interessantes mesmo que não haja uma profundidade maior no tema principal que impactou toda uma legião de famílias pelo planeta. O filme é dirigido pela cineasta alemã Caroline Link (também diretora do elogiado filme Lugar Nenhum da África, filme do início dos anos 2000) e conta com ótima atuação de sua protagonista, a jovem Riva Krymalowski e do ator alemão Oliver Masucci (conhecido por aqui por seu papel no seriado Dark).

Na trama, ambientada no começo dos anos 30, em Berlim, conhecemos a família do jornalista Arthur (Oliver Masucci) e da escritora de óperas e exímia pianista Dorothea (Carla Juri) que vivem junto com seus filhos Anna (Riva Krymalowski) e Max (Marinus Hohmann). Faltando 10 dias para eleições na Alemanha, o jornalista, que é crítico de Hitler, é avisado por amigos que fora colocado em uma lista onde que nessa estiver será perseguido por Hitler caso o mesmo ganhe as eleições. Se guardando do pior, resolve embarcar para um país vizinho junto com toda sua família. Assim, durante meses, lutando contra a falta de oportunidades de trabalho e da perda de toda uma vida material, a família decide ir se mudando de países e para isso precisará estar unida para juntos vencerem.

Os diálogos são bastantes esclarecedores de como os pequenos irmãos enxergavam toda aquela situação vivida pela família. Ao longo das viagens, que acabam se tornando constante pelo continente europeu, há a necessidade de rápida adaptação a novas rotinas, novos costumes, nova cultura. Os horrores do que acontecia na Alemanha com conhecidos chegavam por interlocutores que os visitavam, como o carismático Tio Julius (Justus von Dohnányi).

As indagações constantes de Anna ao pai mostra como o amadurecimento sobre a situação vivida por sua família, em meio ao barril de pólvora que se tornou a Europa, está sempre em desenvolvimento. Nesses emocionantes diálogos, a protagonista e Arthur, a quem tem uma admiração louvável, falam sobre tudo que há no mundo e na sua existência. Fé, o momento atual, cultura, livros. Sonhos simples e ainda distantes. Quando Hitler Roubou o Coelho Cor-de-Rosa é mais um recorte sobre esses tempos difíceis que a humanidade viveu.

 

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