Um dos percursores da retomada do cinema brasileiro logo após o caótico momento político do Governo Collor – que causou um enorme abalo nas produções cinematográficas de nosso país acabando por completo com as leis de apoio ao nosso cinema – o longa-metragem Terra Estrangeira não esquece desse fato e joga seus holofotes para as problemáticas político-sociais dessa época além de expor uma juventude na berlinda das incertezas.
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Dirigido por Walter Salles e Daniela Thomas, o projeto – que completa 30 anos em 2025 – caminha pela melancolia dos conflitos, na imaturidade, do não entendimento das interrogações sobre o futuro, sem esquecer de encontrar as portas do sonhar e da intensidade do amor. A dupla de protagonistas, Fernando Alves Pinto (em seu primeiro trabalho num longa-metragem) e a indicada ao Oscar esse ano Fernanda Torres, transformam seus personagens em dois dos mais impactantes do nosso cinema.
A vida do jovem Paco (Fernando Alves Pinto) entra em total amargura em um país tomado por instabilidade. Após o falecimento da mãe, Manuela (Laura Cardoso), ele acaba conhecendo Igor (Luís Melo), um criminoso que o envolve com contrabandistas. Com o sonho de conhecer a terra da família da mãe na Espanha, acaba sendo enviado para Portugal com o objetivo de entregar uma mercadoria. Chegando nessa terra nova aos seus olhos, seu destino se cruza com o da brasileira Alex (Fernanda Torres) com quem viverá dias intensos longe de casa.
A narrativa é a chave do negócio. Sabendo disso, e de forma impressionante, dentro de uma trama que envolve crime, suspense, drama e romance, um preto e branco na fotografia do fantástico Walter Carvalho ganha todos os minutos, transformando o conturbado estado emocional dos personagens em algo grandioso, melancólico e expressivo. É notório que tudo funciona em grande harmonia em cena, cada elemento se torna um complemento para as reflexões do público.
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A trilha sonora é um deslumbre, e fica nas nossas memórias. Destaque para Fran Dance de Miles Davis e Vapor Barato na voz de Gal Costa, essa última canção praticamente dita o ritmo de toda a história. O fado – um estilo musical português – também é um ponto importante nesse contexto que ganha contornos variados ao longo da história. Caminha pelo sentido propriamente dito musical, com a belíssima Estranha Forma de Vida, canção de Amália Rodrigues, e também no entendimento de algo que precisa acontecer, nesse último ponto encaixa como uma luva em tudo que vemos no desenvolvimento dos personagens e suas ligações com o acaso.
Mostrando sentimentos abertos de um país em total declínio no início dos anos 1990 – algo que nunca vamos esquecer – chegamos até os desenrolares do passo seguinte da mocidade em crise. Lançado em 1995, Terra Estrangeira não perde seu brilho e ao revisitar a obra é possível que o filme encante mais ainda.
Assista:
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