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Artigo | Como ‘Aliens, o Resgate’ se tornou um divisor de águas para o gênero sci-fi

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Artigo | Como ‘Aliens, o Resgate’ se tornou um divisor de águas para o gênero sci-fi

Quando Ridley Scott lançou o primeiro capítulo da franquia ‘Alien – O 8º Passageiro’ em 1979, jamais imaginou que o longa-metragem se tornaria um dos mais icônicos da história do cinema e construiria um legado mimetizado até os dias de hoje no gênero do sci-fi e do thriller. A história, ambientada na vastidão desconhecida do espaço, nos levou a bordo da Nostromo, uma gigantesca espaçonave que se torna palco de uma chacina causada por um alienígena mortal – o xenomorfo. Apresentando ao público uma das heroínas mais famosas e bem construídas, Ripley (Sigourney Weaver), o sucesso crítico e comercial rendeu nada menos que três sequências diretas e dois filmes derivados que permanecem vivos no imaginário popular.

Mas não estamos lidando com o primeiro filme nesse artigo – e sim da sequência direta. Em celebração ao seu recente aniversário de 35 anos, é sempre bom relembrar o motivo da obra ter alcançado um patamar parecido, senão superior à original; afinal, ‘Aliens, o Resgate’ chegou aos cinemas em 1986 e calcou um legado inenarrável e importante que viria a influenciar praticamente todas as futuras produções do gênero. Scott, apesar de fornecer certa visão criativa, resolveu não aceitar o retorno à cadeira de direção, motivo pelo qual James Cameron foi contratado para assumir a posição. Entretanto, houve motivos pela demora em arquitetar uma continuação, uma delas sendo o descrédito que Cameron passava aos executivos na época – mesmo com o êxito de ‘O Exterminador do Futuro’ dois anos antes. Por ser um realizador relativamente novo, as pessoas tentaram desencorajá-lo a aceitar o trabalho, visto que quaisquer frutos do filme seriam atribuídos a Scott e quaisquer equívocos, a Cameron.

Na trama, Ripley é resgatada após os trágicos eventos no Nostromo, 57 anos após permanecer em sono induzido em uma câmara de criogênio. Quando acorda, descobre que enfrentar o xenomorfo era apenas o começo – e que um grupo de colonos estava habitando o mesmo lugar onde tudo aconteceu. Unindo-se a uma equipe de alto escalão e lutando contra todos os traumas, ela retorna para destruir, de uma vez por todas, a horda de perigosos alienígenas.

Assim como ocorreu em ‘Exterminador’, James provou a todos errado: ele teve capacidade de causar um impacto tão grande quanto seu predecessor, além de auxiliar na recepção menos estigmatizada da ficção científica cinematográfica por parte dos especialistas. Como supracitado, o enredo, que explicitou o combate entre humanos e criaturas desconhecidas, foi emulado à exaustão nas décadas seguintes – chegando a aparecer em títulos como ‘O Predador’, ‘Estranho Passageiro’ e ‘O Paradoxo Cloverfield’. Sequências de construção atmosférica apareceram, também, no primeiro capítulo de ‘Resident Evil’; a tétrica e densa trilha sonora de James Horner foi transmutada e reorganizada para o terror psicológico, influenciando, por exemplo, as sagas ‘Invocação do Mal’ e ‘Um Lugar Silencioso’.

O próprio conceito de herói, antes engessado na presença exagerada da masculinidade, abriu portas para mulheres fortes, independentes e que influenciariam outras heroínas e anti-heroínas empoderadas – como pontuou a romancista Mary Lee Settle, Ripley faz parte do cânone revolucionário de transformação da representatividade feminina no cenário mainstream, antecipando o realismo bélico de tantas outras personagens mais atuais. Afastando-se do “escapismo fabulesco”, nas palavras de Settle, a personagem vivida por Weaver mostrou-se complexa o suficiente para não se manter linear – e chegou a causar mais repercussão que Sylvester Stallone e Arnold Schwarzenegger em papéis similares. Foi a partir de ‘Aliens’ que a hiper-masculinização começou a perder força, ainda que a passos curtos.

Se o sci-fi era enxergado com envolturas estereotipadas, talhadas por tantos títulos anteriores – ‘Planeta dos Macacos’, ‘Superman’, ‘Star Trek’ -, Cameron cuidou para honrar o já crescente legado de Scott com ‘O 8º Passageiro’ e chocou a tradicionalista mentalidade crítica, favorável apenas aos clássicos dramas coming-of-age e tour-de-force, ao conquistar nada menos que sete indicações aos prêmios da Academia. Mesmo esnobado na categoria de Melhor Filme, Weaver foi condecorada com uma nomeação para Melhor Atriz, consequência de uma performance estonteante, memorável e bastante profunda. Eventualmente levando para casa os prêmios de Melhor Edição de Som e Melhores Efeitos Visuais, percebia-se, pouco a pouco, que o gênero em questão merecia ser levado a sério como qualquer outro.

‘Aliens, o Resgate’ não é apenas uma investida científica, mas sim uma amálgama de inúmeras inflexões narrativas. Percebe-se a presença do thriller psicológico na primeira metade do longa-metragem, em que cada sequência contribui para uma sensação de crescente desespero e pessimismo: sabemos o que vai acontecer, mas não conseguimos desgrudar os olhos da terra. As incursões aventurescas remontam à literariedade do space opera, mesmo que não com muita força; há o drama de Ripley em ter perdido a filha e reencontrá-la na figura de Newt (Carrie Henn), única sobrevivente do recente ataque dos xenomorfos; e, por fim, há um épico de guerra espacial que toma proporções fantásticas com o início do terceiro ato.

Funcionando como uma aula de montagem e de roteiro, as peças do longa se encaixam perfeitamente umas às outras. A fusão artística é apenas a cereja do bolo de um cuidado processo criativo, cujos frutos são colhidos até hoje – e cujo sucesso rendeu uma franquia multimídia que merece ser redescoberta e apreciada em todos os seus detalhes.