Dois anos depois de ter feito um estrondo gigantesco com ‘Whiplash’, o diretor Damien Chazelle estava pronto a retornar para o cenário do entretenimento com uma carta de amor à música e ao cinema com o aclamado ‘La La Land: Cantando Estações’. O longa-metragem, estrelado por Emma Stone e Ryan Gosling, se tornou um sucesso crítico e comercial, levando para casa seis estatuetas do Oscar, além de arrecadar quase US$450 milhões mundialmente. E, seis anos depois de sua estreia oficial, o filme permanece como um arauto para aqueles que, mesmo enfrentando diversos obstáculos, vão atrás de seus sonhos, não importa o que tenham que fazer.
É claro que a história não foge nem um pouco dos dramas musicais românticos a que estamos acostumados: de um lado, temos Stone interpretando Mia, uma aspirante à atriz que vive em Los Angeles e cujo sonho é conseguir um papel de destaque que a deixe realizada – mas, até então, só encontra testes para personagens secundários e se contenta com um trabalho de meio-período numa cafeteria dentro de um grande estúdio. De outro, Gosling dá vida a Sebastian, um pianista talentoso que é forçado a tocar músicas de Natal em um restaurante local, ansiando pelo dia em que poderá abrir seu próprio clube de jazz e resgatar a paixão que as pessoas tinham pelo gênero. Ainda que totalmente diferentes, Mia e Seb cruzam caminho e se apaixonam, movidos por um objetivo em comum e navegando pelos altos e baixos de uma promessa quase intangível.
Se a narrativa segue moldes até mesmo da Era de Ouro do cinema, qual é o elemento que justifique uma adoração divina em relação ao filme?
Bom, dentre as várias respostas possíveis para essa pergunta, podemos começar do princípio: Chazelle sempre teve uma visão bem clara do que gostaria de fazer com sua arte – homenagear aqueles que o inspiraram e continuam a inspirá-lo mesmo nos dias de hoje. Logo, não é surpresa que a cena de abertura nos leve a um engarrafamento em Los Angeles e a uma música que fala sobre a necessidade de lutarmos por aquilo que queremos (“Another Day of Sun”). Aqui, o foco se dirige não àqueles que têm fama, mas aqueles que buscam um sucesso pessoal, um senso de completude que traga paz de espírito, por assim dizer. E, em se tratado do show business, isso não é fácil – ora, volta e meia vemos pessoas muito talentosas sendo varridas para debaixo do tapete ou submetidas a trabalhos ridículos (por falta de outro adjetivo) para ficarem um passo mais perto de uma olímpica linha de chegada.
Cada elemento estético, visual ou sonoro, é pensado com extrema cautela pelo diretor e pelo competente time que o acompanha. Temos um conflito de tons que não fogem muito do espectro primário e secundário da paleta de cores clássica, servindo, ao mesmo tempo, como individualização e massificação de um grupo de pessoas com destino similar – seja nos palcos, nas telas ou nos bastidores. Ao mesmo tempo, essa sagaz escolha imagética é transferida para Mia e Seb, que se convergem em uma complementaridade belíssima, desde o embate de personalidades à visão de mundo que cada um possui.
Como se não bastasse, a própria condução é motivo para nos arrebatar desde os primeiros segundos de filme. Chazelle adotou uma perspectiva em CinemaScope (lentes anamórficas muito usadas em meados do século passado) para fornecer uma ambientação mais nostálgica, apoiando-se firmemente nas produções dos anos 1950 (algo interessante, considerando os múltiplos objetos eletrônicos que nos arremessam de volta para o presente). A ideia aqui não é situar o enredo em um espaço-tempo específico, e sim tirá-lo de uma engessada cronologia e transformá-lo em um atemporal conto que pode ser adotado a qualquer momento. Afinal, a arte surgiu como uma tradução onírica e, desde que o homem é homem, o sonho é a habilidade mais poderosa de todas.
Outro aspecto que nos chama a atenção é a temática: por trás da história romântica envolvendo os protagonistas, há uma exaltação da ambição e de que tudo tem o seu tempo para acontecer. Seb é um sonhador desmedido e, por vezes, não consegue enxergar a realidade à frente do nariz; em contraposição, Mia está prestes a desistir de tudo e acredita não ser boa o suficiente para se ver nos outdoors de Los Angeles e do mundo. Eventualmente, ambos conseguem o que tanto ansiaram, mesmo que não tenham acabado juntos. O sentimento que sentem é eterno, mas isso não significa que eles deveriam ter se casado e constituído uma família – uma compreensão dilacerante de tão palpável que se coloca nas telas, afastando-se das cansativas fórmulas do passado e mostrando que é possível ter os pés no chão sem abandonar a esperança e o otimismo.
‘La La Land’ pode não reinventar a roda, mas é uma incrível viagem cujos início, meio e fim são premeditados logo quando a primeira sequência chega ao fim. Mesmo seis anos depois, a sensação que nos arremete à medida que os créditos sobem é a mesma – a vontade de deixar tudo para trás e resgatar o gostinho de ter algo em que acreditar.