“Se eu quiser falar com Deus…”
Existem algumas obras literárias que atingem um status comparável com o que seriam no cinema os blockbusters. A Cabana é uma destas obras. Escrito pelo canadense William P. Young, o livro foi lançado em 2007 nos EUA, chegando no ano seguinte para os brasileiros, e desde então se tornando uma verdadeira coqueluche (para usar um termo “idoso”). Em 2009, ganhava o prêmio Diamond Awards, que prestigia obras da literatura que ultrapassam a marca de 10 milhões de cópias vendidas. Por esta introdução, percebemos que A Cabana não é nada menos do que um fenômeno contemporâneo da cultura popular.
E qual o motivo de tamanho sucesso? Bem, A Cabana se propõe a oferecer a experiência espiritual definitiva. Aqui, neste texto, no entanto, iremos adereçar somente a produção cinematográfica realizada com base na obra original. O filme A Cabana, que demorou bastante para sair do papel desde a compra dos direitos autorais – dez anos para adaptar um Best-seller é muito tempo e pode-se perder o hype – tem roteiro adaptado a três mãos por John Fusco (da série Marco Polo, da Netflix), Andrew Lanham (em sua estreia como roteirista) e Destin Cretton (roteirista e diretor do ótimo Temporário 12).
Na trama, acompanhamos a adorável família Phillips, saída diretamente de um comercial de margarina. Durante um fim de semana acampados no lago, um incidente tira a atenção de Mack (Sam Worthington), o patriarca, de sua caçula Missy (Amélie Eve). É o suficiente para que a pequena suma e nunca mais seja encontrada, deixando desesperada a família, em especial o responsável Mack – já que sua esposa Nan (Radha Mitchell) ficou na cidade a trabalho.
Um tempo depois e o pior acontece. Através de investigações policiais, chega a notícia de que a menina foi assassinada em uma cabana nas redondezas do lago, por um maníaco fugitivo da lei. É o suficiente para que o protagonista desça em uma espiral de depressão, beirando a obsessão e loucura. A perda da fé é um dos temas fortes aqui. Nem com a ajuda de familiares, como a esposa e filha, ou do vizinho e amigo, interpretado pelo cantor country Tim McGraw, o sujeito parece conseguir se levantar, se reerguer e prosseguir. A dor deve ser inimaginável. A culpa maior ainda.
Inicialmente podendo ser confundido com um suspense criminal, A Cabana abandona logo tais tintas, para se embrenhar em seu verdadeiro conteúdo, um drama espiritual, que tem como principais temas o perdão, a paz existencial e como lidar com um sofrimento que parece insuportável. Mack recebe em sua caixa de correio uma carta e segue novamente para a cabana onde ocorreu o crime hediondo. Uma vez lá, percebe que o local está totalmente reestruturado, e agora é o lar de moradores muito especiais.
Durante “o fim de semana de uma vida”, como definiu a própria Octavia Spencer – que no filme interpreta Deus – o protagonista irá conviver com tal figura máxima da fé cristã e da maioria das religiões, além de Jesus Cristo (Avraham Aviv Alush) e o Espírito Santo, ou Sarayu (Sumire) – opção interessante, criativa e corajosa por trazer a diversidade de etnias para a Santa Trindade. Além disso, temos a presença de uma latina também, nossa conterrânea Alice Braga, no papel da Justiça – em um trecho ao mesmo tempo deslocado esteticamente, parecendo pertencer a outro filme, e emocionante. Durante este período, Mack terá um curso relâmpago de, principalmente, como se desprender de todo e qualquer apego terrestre, e de sentimentos como a vingança, a raiva e a culpa.
A Cabana – o filme, é uma produção segura e politicamente correta. Faz boa companhia a todos os outros filmes de forte verve pregadora, como Deus Não Está Morto, O Céu é de Verdade e por aí vai, que recebemos nos últimos anos, só para citar os mais recentes. Mas se estes são a entrada, A Cabana pode ser considerado o prato principal. O longa utiliza de todos os elementos implícitos esperados em uma obra do gênero, soando em certos momentos como aquele bom e velho sermão. No entanto, também é estruturado com itens de bom cinema, como atuações eficientes, em especial da Oscarizada Octavia Spencer e de Alice Braga, uma boa direção de arte, fotografia, direção correta do pouco expressivo Stuart Hazeldine, e um roteiro sambando na tênue linha entre o piegas e o satisfatório.
A Cabana cumpre sua missão terrena e promete atingir seu público alvo, além de conquistar novos “fiéis” adeptos. Não irei esconder que meu coração e alma céticos bambearam nos momentos de maior chantagem emocional a que o filme nos faz refém. Justamente por isso, por conter mais momentos genuínos do que os que nos fazem revirar os olhos, A Cabana garante seu aval, se mostrando tão bom e eficiente quanto a melhor das missas dominicais.