Mãe Só Há Uma
Já faz tempo que o cinema nacional engatou uma boa fase, entregando a cada nova temporada ao menos uma obra que desperta o mesmo nível de culto entre o cinéfilo mais erudito e o espectador casual. O que chama atenção, no entanto, é que a cada ano uma enxurrada cada vez maior de produções acima da média nos é entregue, enfatizando o lote que, acima de prêmios, nos dá orgulho pelo reconhecimento e prestígio mundial.
O próximo passo é o domínio do cinema de gênero. Só este ano tivemos, por exemplo, os elogiadíssimos As Boas Maneiras e O Animal Cordial – ambos ainda em cartaz. Voltando para um tipo de filme mais abrangente, Benzinho se tornou um dos longas nacionais de maior expectativa, muitos meses antes de sua estreia. O motivo pelo hype em relação ao novo filme de Gustavo Pizzi (Riscado) se deve por sua passagem por diversos festivais de cinema internacionais – nos quais gerou repercussão extremamente positiva.
O começo desta trajetória de sucesso foi no Festival de Sundance (o mais prestigiado do lote do qual fez passagem), casa do cinema independente norte-americano, de onde saem diversos indicados ao Oscar e no qual foi aplaudido. E aqui é onde devemos dizer que tamanha bajulação é justificada. Benzinho coroa a safra positiva dos longas nacionais, desde já se tornando um forte candidato a representar o Brasil por uma chance de indicação no maior prêmio da sétima arte e, quem sabe, estar presente entre os postulantes à estatueta.
Gestado como obra em família, sentimos a afeição dos realizadores pelo projeto. A paixão floresce, exalando da tela o comprometimento dos envolvidos ao espectador. Nascido da complacência de companheiros, a protagonista Karine Teles (Que Horas Ela Volta?) escreveu o roteiro ao lado do diretor Pizzi, transpondo para as telas parte de suas experiências juntos – quando ainda eram casados. Parte desta credibilidade é acrescentada com os filhos do casal, os gêmeos Arthur e Francisco, elencados como parte da prole familiar, filhos da personagem Irene, a protagonista.
Benzinho é um filme simples, cuja força está acima de tudo na mensagem que passa. Nos sentimentos que transparece. Nas sensações que desperta. A identificação é imediata quando nos deparamos com produções que almejam nos conectar, fazendo a ponte perfeita com nossa humanidade. Com o que nos faz humanos. Com problemas do cotidiano com os quais precisamos lidar, ao mesmo tempo em que não paramos de sentir e experimentar.
Benzinho apresenta uma família de classe média baixa da serra carioca. Constituída por pai (Otávio Müller), mãe (Karine Teles), tia (Adriana Esteves), filho mais velho (Konstantinos Sarris), filho do meio (Luan Teles), caçulas (Arthur e Francisco Teles Pizzi) e sobrinho (Vicente Demori). A convivência mundana desta trupe varia de jantares, jogos de handball, problemas financeiros, obras na casa nova, até um caso de violência doméstica envolvendo a irmã da protagonista (Esteves) com o marido, papel do uruguaio César Trancoso.
Tudo muda nesta dinâmica – que em comum com o sucesso citado de Anna Muylaert tem a devoção incontestável de uma mãe por sua cria e a dor da separação, do passado ou futuro, com o único propósito da melhoria de vida – quando Fernando, o primogênito da família recebe a proposta de ir jogar o esporte na Alemanha. Os problemas burocráticos não são nada perto da muito citada “síndrome do ninho vazio”, na qual durante o cerne da projeção, a progenitora precisa se fazer aceitar e lidar com a perda de uma parte sua.
Extremamente emotivo e de aquecer o coração de mães, pais e filhos, Benzinho traduz com perfeição o processo da ausência. Karine Teles é dona do filme, imprimindo um trabalho nunca antes atingido em sua carreira. O domínio de cena em singelos momentos, que transitam entre alegria e tristeza, anunciam um dos grandes desempenhos de 2018. Benzinho é um filme feito com amor, de mãe para filho. Quem recebe o presente somos nós, mas tenho certeza que Teles e Pizzi serão retribuídos.