quarta-feira, abril 24, 2024

Crítica | Chacrinha: Eu vim para Confundir… é um documentário à altura de um grande artista

Lenda da televisão brasileira, Abelardo Barbosa é revivido por meio de imagens de arquivos e depoimentos de familiares e amigos no documentário Chacrinha: Eu Vim Para Confundir e Não Para Explicar, lançado nos cinemas em 28 de janeiro. Em sua quarta imersão como documentarista, Claudio Manoel (comediante do Casseta & Planeta), ao lado de Micael Langer – com quem codirigiu Simonal: Ninguém Sabe o Duro que Dei (2009) -, aposta na narrativa através de acervo documental para recontar o percurso de um dos ícones da cultura nacional, desde o seu nascimento em Surubim (PE) até a sua partida no Theatro Municipal do Rio de Janeiro em 1988

Em narrativa linear, o documentário busca descortinar a vida do mito televisivo ao mesmo tempo que conta a história da TV brasileira. Com Pedro Bial como narrador quase dominante, ao lado dos herdeiros Leleco e Jorge Barbosa, além da viúva Dona Florinda – os dois últimos falecidos em 2020 -, o enredo busca compreender a genialidade ou a loucura de Abelardo Barbosa e o fascínio dos brasileiros pelos seus programas. Em tempo, é possível questionar também o limiar entre a esperteza e o oportunismo do rapaz recém-chegado ao Rio de Janeiro no final dos anos de 1940. 

Nas palavras de Pedro Bial, Chacrinha era um anti-locutor. Responsável por colocar ao ar uma produção de som digna de manter os ouvintes entretidos à sua parafernália sonora. Suas ideias eram irreverentes e contra indicativas, alguns exemplos são relatados por José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, entre outros relatos sobre suas rixas e desavenças. A fim de ilustrar todas essas histórias, o trabalho de curadoria de arquivos é notável, o projeto contempla frases ilustres do Velho Guerreiro, como “Maluco fui, maluco sou, maluco vou morrer”, além de uma entrevista em que a repórter pergunta: “Freud te explica?”, o deboche do artista impede a jornalista de segurar o riso e o bordão do título é reiterado. 

Para engrossar o caldo do feijão, as ex-chacretes Rita Cadillac e Marlene Morbeck, a Loura Sinistra, lembram dos momentos de flerte com os artistas e o auge da fama como símbolos sexuais da nação. Por outro lado, os cantores Tony Bellotto, Sylvinho Blau Blau e Evandro Mesquita refletem sobre o grande holofote que o programa do Chacrinha trouxe para os produtores da música nacional, com direito ao lançamento do movimento Tropicália e o famoso Quadro dos Calouros, composto pela buzina e o abacaxi.

Para aqueles – como eu – que nasceram após a morte do Chacrinha, em 1988, o documentário é um reencontro com a juventude dos nossos pais, afinal o homem da cartola e roupas coloridas era um fenômeno de audiência. Se na década de 1990 até o início dos anos 2000, os finais de semana eram comandados entre a rivalidade de Faustão e Gugu Liberato (1959-2019), o mesmo ocorria nos anos de 1970, com Abelardo e Flávio Cavalcanti (1923-1986). O mérito da direção de Cláudio Manoel é conceber uma obra discursiva e questionadora, isto é, não é uma produção de láureas e flores a um homem, mas direciona também reflexões sobre o papel do Chacrinha na cultura brasileira. 

Gênio ou palhaço? O documentário levanta a bola da discussão entre “alta cultura” e “cultura popular”, e a mudança de perspectivas da elite brasileira a partir da declaração do sociólogo francês Edgar Morin sobre Chacrinha: “Um fenômeno de comunicação de massas só comparável a [John F.] Kennedy e [Charles] De Gaulle”. O que nos conduz igualmente ao questionamento do que é aceitável aos olhos do público. Chacrinha, por exemplo, jogava bacalhau para a plateia, entre outros alimentos. Hoje, o roteiro seria diferente. 

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Vale ressaltar que essa discussão sobre o limite do humor e da brincadeira esteve presente nos dois documentários anteriores de Cláudio Manoel, Tá Rindo de Quê? (2018) e Rindo à Toa – Humor Sem Limites (2019). Por outro lado, já vimos com Bingo: O Rei das Manhãs (2017), e dezenas de outros programas, que a popularidade da TV brasileira manteve uma performance circense nos anos 1980. Nos depoimentos, João Kleber, Gugu Liberto e Luciano Huck tentam explicar a responsabilidade de comandar uma audiência. O último faz uma analogia de mercado: “A gente é CEO dos nossos horários. A gente chega no sábado à tarde sabendo o que vender”. A conversa joga luz ao fato de não existir comunicação sem patrocínio ou publicidade e como Chacrinha não era apenas líder de audiência, mas de vendas. 

Com depoimentos ainda de Stepan Nercessian, responsável pela performance do showman no longa Chacrinha, o Velho Guerreiro (2018), de Andrucha Waddington, Wanderléa, Angélica, Chico Anysio, Agnaldo Timóteo, o diretor televisivo Helmar Sérgio e o produtor musical Michael Sullivan, Chacrinha: Eu Vim Para Confundir e Não Para Explicar é uma aula sobre a construção da TV brasileira. Com informação objetiva e gracejos do artista, os diretores ainda conseguem emocionar. Os momentos mais difíceis da vida de Abelardo Barbosa e seus momentos de introspecção são expostos nas vozes dos seus filhos e amigos queridos de maneira íntima e tocante. 

Eterna jurada do programa, Elke Maravilha (1945-2016) é fascinante ao transpor em palavras a sua relação e a felicidade ao lado do amigo Velho Guerreiro. Os arquivos em vídeo das lágrimas de dor de Abelardo após a perda da sua mãe é um golpe no coração, assim como os relatos dos seus últimos momentos no palco. Um documentário é uma representação do real, mas também é cinema, e a edição consegue criar um cenário lapidado para o encerramento da trajetória do pernambucano arretado, cômico, mas acima de tudo, “louco” e cativante. 

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Letícia Alassë
Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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