sexta-feira, março 29, 2024

Crítica | Duna – Denis Villeneuve corresponde às expectativas?

Existem dois tipos de espectadores ansiosos para a chegada de Duna (Dune: Part One) aos cinemas, os quais o título deste texto se refere. Os primeiros são os leitores da epopeia em seis livros de Frank Herbert, publicados entre os anos de 1960 e 80, além de duas continuações póstumas. Os outros são os fãs de ficção-científica e Denis Villeneuve, o qual já realizou os bem sucedidos A Chegada (2016) e Blade Runner 2049 (2017). Para ambos grupos, o diretor franco-canadenses não decepciona, mas também não nos inebria como em suas obras anteriores, por exemplo, Incêndios (2010). 

Vale ressaltar que Duna já é planejado como uma primeira parte de uma sequência e abrange apenas o primeiro livro da saga literária, o qual dá protagonismo a Paul Atreides (Timothée Chalamet). Com tentativas anteriores malfadadas, como Duna (1984, de David Lynch) e as minisséries Duna (2000) e Os Filhos de Duna (2003), esta versão promete um melhor desenvolvimento da trama, efeitos especiais de primeira linha e uma arrebatadora luta galáctica em 10.000 anos no futuro. 

Assim como clássicos modernos do sci-fi Star Wars e Star-Trek e mesmo medievais, como Game of Thrones, Duna é uma história sobre jogos de poder, exploração, luta e sobrevivência. Em linhas gerais, a trama segue, por um lado, o campo pragmático da política e guerra; por outro, um ambiente místico de poderes mentais, sobrenaturais e de fé. Assim, Paul tem sonhos com uma misteriosa jovem (Zendaya) e diversos outros personagens habitantes do deserto. Seu caminho é percorrido entre acreditar nessas visões ou usá-las para abrir novos percursos. Não existe um suspense, mas uma dinâmica de seguir a história pelos olhos do misterioso Paul. 

No planeta Arrakis, vários nobres disputam o controle da sua principal riqueza, o “spice”, que a gente poderia traduzir como “especiaria”, mas significa-la também como “ouro”, ou qualquer material de exploração, tal como o petróleo. Essa substância é produzida pelos vermes da areia, isto é, criatura carnívoras gigantescas habitantes do subsolo do deserto, onde o povo Fremens (talvez tenha um dica no nome, free = livre, men = homens) vive. Quando consumida, a especiaria tem propriedade entorpecentes e são cruciais para viagens espaciais, ou seja, ela permite aos navegadores se guiarem através do espaço. 

Como toda essa riqueza, mas escassez de água e temperaturas altíssimas, o povo local sofre com a perpétua exploração, enquanto tem apenas ao seu lado as artimanhas de sobrevivência nesta zona. Desse modo, a extração estrangeira da substância torna-se ponto de conflito político-econômico interestelar. Semelhanças com as colônias de exploração na América Latina e na África não são mera coincidência, assim como os atuais conflitos no Oriente Médio, onde pessoas são apenas um empecilho ao extrativismo de barris de petróleo. 

Seguindo o desenrolar dos fatos, a ação começa quando a corte imperial indica os nobres de Atreides para assumir a administração de extração do “spice” em Arrakis. É de conhecimento geral que os atuais gerentes, o povo de Harkonnen, são os mais ricos do império por conta do lucrativo negócio e vivem em guerra com a população da região. Explosões, tiros e mortes são planos de abertura para pavimentar a apresentação do poder bélico das tropas de Beast Rabban Harkonnen (Dave Bautista), o qual contrariado deixa o local segundo às ordens do Barão Vladimir Harkonnen (Stellan Skarsgård), uma criatura repulsiva e flutuante. Os Harkonnen, claro, terão um plano para recuperar sua riqueza e poder. A parte política da história guarda poucos mistérios, o que nos prende atenção é a parte mística, ainda pouco desenvolvida nesta primeira parte. 

Para os espectadores da primeira versão cinematográfica e, principalmente, os leitores, a falta de alguns personagens será sentida. Por outro lado, Denis Villeneuve concentra o espectador no percurso de Paul (Chalamet), nas escolhas dos seus pais Duke Leto (Oscar Isaac) e Lady Jessica (Rebecca Ferguson), além do legado de Atreides. O futuro da família está ligado às visões de Paul no deserto e ao seu povo de olhos azuis, os Fremens. Após o esperado ataque do potente inimigo e as baixas de metade do elenco, Duna perde fôlego e se alonga na espera do encontro entre Paul e a mulher de seus sonhos e visões (Zendaya). 

Com a tensão em baixa depois de uma batalha extensa e jogos de traição (a nossa geração fará ponte com Game of Thrones), Duna atinge o ápice da trajetória de forma morna. O grande encontro entre “colonizadores” e “colonizados” ocorre rápido e sem grande espetáculo, ou seja, não possui o efeito devido de um momento decisivo. Assim, nessa primeira parte Zendaya e Javier Bardem são mal aproveitados em seus personagens. Ao passo que Jason Momoa, como Duncan Idaho, e Josh Brolin, como Gurney Halleck, têm os seus momentos, mas ainda singelos frente a uma produção de 2h45. 

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O final é um anticlímax, algo diferente de produções com sequências já planejadas como O Senhor dos Anéis (2001). Como superprodução, Duna encanta os olhos, apresenta locações belíssimas, personagens curiosos, além de ótimas cenas de batalha, contudo, seus ganchos narrativos são desarmoniosos. Já Timothée Chalamet encara bem o personagem misterioso e confuso. Simplificar uma história complexa, talvez seja o motivo do desacerto entre o espetáculo visual e o impacto emocional. 

 

** Duna estreia dia 21 de outubro nos cinemas. Este filme foi visto em Paris, lançado nos cinemas em 15 de setembro. 

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Letícia Alassë
Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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