quinta-feira, abril 25, 2024

Crítica | Em Chamas – Suspense entrega trama inteligente e cheia de metáforas

Com ausência sentida por muitos na categoria de Melhor Filme Estrangeiro no Oscar deste ano, Em Chamas já chegou em vídeo para ser conferido por quem não teve a oportunidade de vê-lo nos cinemas. Dirigido por Lee Chang-dong, o longa coreano é inspirado em um dos contos do livro Barn Burning de Haruki Murakami e foca nos personagens Jong-soo (Yoo Ah-In), Hae-mi (Jeon Jong-Seo) e Ben (Steven Yeun) durante suas mais de duas horas de duração. A princípio, os mais desavisados podem achar que ele trata apenas sobre um complicado triângulo amoroso do pacato protagonista; no entanto, da metade para a frente, o filme vai além e se revela um suspense cheio de nuances e metáforas.

A história começa quando Jong-soo reencontra Hae-mi, uma antiga amiga, ao acaso na rua. A aproximação é imediata e não demora para que o contato dos dois velhos conhecidos evolua para uma atração mútua que termina em sexo – que é apresentado aqui de forma bem realista pelo diretor; com direito a pausa para o casal procurar e colocar a camisinha, por exemplo. A tensão começa a surgir quando, ao voltar de uma viagem à África, Hae-mi aparece acompanhada por um novo affair – Ben -, para a nossa surpresa e, principalmente, de Jong-soo, que já começava a se envolver emocionalmente com ela. A partir daí, o filme se dedica a focar na estranha aproximação dos três (sim, porque Hae-mi não abre mão da amizade de Jong-soo e o mantém sempre por perto) – até que uma certa revelação sobre “queima de estufas” e o sumiço da personagem vivida pela atriz Jeon Jong-Seo fazem a trama caminhar para um novo rumo (mais interessante e sombrio, diga-se de passagem).

Com ritmo lento, cenas contemplativas e pontas que não se encaixam facilmente, Em Chamas não é o tipo de produção que vai agradar a todo o público. A princípio, pode causar até desinteresse por não deixar claro em seu primeiro ato para onde está conduzindo seus personagens e o que de fato pretende abordar, além de também se apoiar muito na mise-en-scène ao apresentar longas sequências sem nenhum diálogo. Porém, ao pensar nas sutilezas que ajudam a compor o quebra-cabeça deste suspense – como pistas sutis em momentos inesperados (a cena em que Ben pede para Hae-mi perguntar a Jong-soo o que é uma metáfora diz muito sobre toda a estrutura do filme) -, difícil não ver Beoning (título original) como uma obra-prima do gênero. Confiando no espectador e em nenhum momento subestimando sua inteligência, ele não se preocupa em deixar toda a trama mastigada; prefere usar seu tempo para focar na construção dos personagens e a elaborar peças que, quando percebidas, conseguem dar forma ao todo da história.

Outro detalhe que chama atenção no filme de Lee Chang-dong é a fotografia, com destaque para a cena em que Hae-mi dança seminua na contraluz e para o momento em que Jong-soo e Ben conversam sobre as tais estufas queimadas na varanda. Uma curiosidade sobre esta última – além de ser uma das mais importantes do longa – é o fato de ter demorado cerca de um mês para ser finalizada, já que a produção só podia filmar alguns minutos por dia para que conseguisse capturar a luz perfeita para a montagem. O resultado, como não poderia ser diferente, é uma estética que só ajuda a tornar o longa ainda mais interessante (e não seria injusto ou exagero uma indicação na categoria de Melhor Fotografia no Oscar, vale dizer).

O roteiro, assinado pelo próprio diretor Lee Chang-Dong e por Jungmi Oh, também ganha pontos por conseguir criar uma tensão crescente que prende a atenção do espectador durante todo o tempo. Mesmo nos momentos em que a trama caminha de forma mais lenta, sempre fica a sensação de que há algo não-dito pairando no ar – e isso faz com que o interesse pelo enredo fique ainda maior. Além disso, não se limitando apenas ao suspense central, o longa também consegue levantar críticas contra o capitalismo e sobre como é difícil ser mulher na sociedade em que vivemos – seja através de elementos de seu trio central (o escritor idealista versus o ricaço, com uma mulher solitária e deprimida entre os dois) ou de detalhes e diálogos inseridos ao longo do filme (como a imagem de Trump na televisão e a cena em que uma personagem aleatória fala sobre como as mulheres são julgadas por tudo). E não para por aí: o que também evolui durante toda a trama é a performance dos atores, com destaque para o excelente Yoo Ah-in – que começa contido e termina explosivo, como o título indica e como o clímax da produção pede.

Com tudo isso, no fim da longa jornada, Em Chamas aparece como um filme que tem elementos suficientes – tanto técnicos quanto de roteiro – para permanecer na cabeça do público por dias. A última cena, acompanhada por uma trilha sonora que consegue transmitir bem toda a tensão vivida pelo protagonista, é estranhamente libertadora e o desfecho perfeito para o que foi construído durante todo o enredo – embora, como foi feito no decorrer da trama, deixe pontas soltas e questionamentos de certo/errado para que os espectadores tirem suas próprias conclusões. Ponto para o cinema coreano – que aqui, certamente, aparece em uma de suas melhores formas.

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