sexta-feira, abril 19, 2024

Crítica | Inacreditável – Série da Netflix retrata com empatia o abuso sexual

A primeira hora do seriado Inacreditável (Unbelievable) é focada na jovem Marie Adler (Kaitlyn Dever) e os acontecimentos logo após ser vítima de um abuso sexual. A menina de 16 anos é interrogada duas vezes por policiais, mais uma vez na delegacia, tem o seu corpo escrutinado em busca de evidências, e pedida para dar o depoimento – mais uma vez – por escrito. Por conta da falta de evidências e incongruências em seus relatos, os investigadores agem severamente para que a menina aponte explicações. 

Em um misto de carência e descrença por parte de todos ao seu redor, Marie decide relatar que o seu testemunho foi falso e encerrar o caso. No entanto, ocorre exatamente o contrário e toda situação torna-se um caminho para o abismo. Com a dedicação da diretora Lisa Cholodenko (Minhas Mães e Meu Pai), o gatilho desta série é um angustiante e minucioso retrato de uma das mais dolorosas violências contra mulheres.

Do outro lado dos Estados Unidos, três anos mais tarde, a detetive Karen Durvall (Merritt Wever) é chamada para investigar uma ocorrência semelhante: um estupro sem evidências, homem mascarado, fotografias e o relato de uma jovem universitária assustada com a sua fragilidade perante as imprevisibilidades da vida. A diferença entre os dois casos é apenas uma, Durvall decide acreditar na garota oscilante à sua frente. 

A partir deste ponto, a produção divide-se na investigação de um predador sexual meticulosamente cuidadoso e os desdobramentos da vida de Marie após ser acusada de falso testemunho. Em tempos de diversos seriados investigação criminal, Inacreditável consegue destacar-se ao escolher uma abordagem mais empática às vítimas e ressaltar o encabeçamento de duas mulheres na investigação. 

Vale apontar o esforço do time de roteiristas, liderados pela veterana Susannah Grant (Erin Brockovich, 2000), para criar uma trama de suspense policial, drama e superação. Baseado no artigo jornalístico – posteriormente livro Falsa acusação: Uma história verdadeira , de T. Christian Miller e Ken Armstrong, a série apresenta diversos dados do alto índice de casos no país e uma perspectiva de como os crimes de injúria sexual são normalmente mal conduzidos ou relegados ao segundo plano. 

Com uma condução semelhante aos sucessos Caçador de Mentes (2017-), da Netflix, e True Detective (2014-), da HBO, a produção apresenta um bom equilíbrio entre a vida pessoal e o trabalho das investigadoras Durvall e Grace Rasmussen (Toni Collette) nos envolvendo em seus percursos. Com casos não elucidados parecidos, o caminho das policiais de diferentes distritos se cruza e a relação entre elas torna-se uma mistura de companheirismo e orientação. 

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A conjunção da amabilidade de Durvall com a animosidade Rasmussen resulta em momentos de ótimos diálogos e perspectivas distintas das mesmas questões. A construção de cada personagem é tão bem moldada que é difícil não envolver-se com a busca de cada uma delas. Seja do pontapé inicial de convencer outras forças a concederem importância ao caso, seja das horas dedicadas à pesquisa de detalhes e privação de sono, todas as etapas são destrinchadas a fim de revelar as áreas cinzas de uma investigação. 

Em uma narrativa paralela, está a jovem Marie fugindo de uma vida desastrosa e mergulhada em mágoas e frustrações. Seu desenvolvimento é reforçado pelas vozes de outras vítimas que passaram a lidar com o cotidiano como uma árdua tarefa. Fazer todos esses pontos se conectarem não é uma tarefa simples, mas Inacreditável consegue uni-los a um desfecho satisfatório.

Apesar de oito episódios, o ápice dessa impetuosa história é o sétimo ato, o qual abate o espectador com uma veracidade oposta a de uma possível dramatização exagerada das obras policiais. Se por um lado, causa um ínfimo desapontamento, por outro nos mantém atados à realidade e à lembrança de uma adaptação de fatos. 

Outro ponto forte da série é o desempenho das três protagonistas e suas avalanches de emoções. Vista em Fora de Série (2019), Kaitlyn Dever surpreende em um papel devastador, em que reflete dor e injustiça. A segunda surpresa é a atriz Merritt Wever – vista em participações em New Girl (2013) e Walking Dead (2015-2016) -, com um misto de força e afago. Já Toni Collette (Herediário) dispensa elogios pela sua entrega constante, desde O Sexto Sentido (1999).

Inacreditável é para ser visto de forma crédula e engajada, mesmo que o final soe como uma falácia por conta de toda iluminação ao redor do destino das protagonistas, sendo um precioso momento de gratidão e redenção. O despreparo de policiais e autoridades sobre o tema, entretanto, persiste e a produção retumba como um grito uníssono de socorro contra aqueles que vagam pela ideia de “eu acho que eu posso fazer isso”.  

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Letícia Alassë
Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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