sexta-feira, março 29, 2024

Crítica | ‘Luca’, nova animação da Pixar, é uma poderosa história sobre amizade e empatia

Se há um tema recorrente nas produções da Pixar, esse tema são as relações humanas. A companhia, que fez sua estreia no cenário mainstream com a irrevocabilidade comovente de ‘Toy Story’, sempre trabalhou com cautela extrema para explorar a complexidade do indivíduo, seja através das metáforas com objetos inanimados e artificiais (visto o filme supracitado ou ‘WALL-E’), seja com uma celebração da própria vida através da música (‘Viva – A Vida é uma Festa’, ‘Soul’) e da mitologia (‘Valente’). Agora, retornamos para o crescente e apaixonante panteão fílmico com o aguardado lançamento ‘Luca’, que traz o melhor dos dois mundos em uma obra que apenas podemos encarar como uma das mais envolventes do ano.

A história é bastante simples e traz reminiscências da fantasia explorada pela Pixar em obras anteriores: aqui, os holofotes são centrados no personagem-titular (dublado por Jacob Tremblay), um jovem monstro marinho de treze anos que passou a vida inteira se escondendo no fundo do mar junto à família, impedindo que os humanos encontrassem sua espécie. Entretanto, a crescente curiosidade adolescente de Luca o leva a ansiar pelo desconhecido e, quando conhece o rebelde e astuto Alberto (Jack Dylan Grazer), outro monstro marinho que constantemente visita a superfície e coleta objetos estranhos, observando de longe pessoas diferentes que habitam a pitoresca e fictícia Portorosso. Não demora muito até que a dupla desenvolva uma profunda amizade que os faz atravessar o limite entre o conforto e o medo e mergulhar em aventuras inesperadas que envolvem a promessa de um futuro diferente.

O longa-metragem traz inúmeras reflexões mascaradas por um visual estonteante e uma nostalgia estilística: para além da obviedade da amizade, que se afasta das costumeiras representações e coloca tribulações de fidelidade – como a presença de Emma Berman como Giulia Marcovaldo. Giulia é uma garota italiana defensora dos menos afortunados e que sonha em vencer uma corrida de bicicletas que acontece em sua cidade. Além disso, ela é tanto uma extensão de Alberto, pelo fato de se sentir sozinha e buscar por amigos e por confidentes, quanto de Luca, na medida em que visa à liberdade e a uma independência própria dos adolescentes. É nesse âmbito que a construção entre as três personagens se funde em um elo sólido e permite que nos conectemos nas mais diversas camadas com o enredo.

Quando pensamos em produções voltadas para o público infantil, é de praxe que encontremos fórmulas incrustadas na estrutura principal. Ainda que o roteiro em si não seja e nem queira ser revolucionário, todas as cenas são bem amarradas e dizem o que precisam ao longo de uma hora e meia. A consistência e técnica é invejável e fruto de uma competência aplaudível que se estende desde a onírica fotografia de David Juan Bianchi e Kim White à simplicidade melancólica da trilha sonora de Dan Romer. As possíveis redundâncias são usadas a favor do próprio filme e aumentam o nível de dialogismo com os espectadores.

Cada personagem tem o seu momento de brilhar, apesar do foco ser direcionado a Luca, a Alberto e a Giulia. Maya Rudolph e Jim Gaffigan criam mágica como Daniela e Lorenzo Paguro, pais de Luca, que sabem dos perigos em sair do fundo do oceano e encontrar outros seres que podem não compreendê-los; Saverio Raimondo interpreta o odioso valentão de Portorosso, Ercole Visconti, que vê seu reino de injustiça e caos ser ameaçado com o aparecimento da dupla de monstros marinhos; Marco Barricelli vive Massimo, pai de Giulia, em uma protetora e carinhosa interpretação de um homem que percebe que seus valores podem sim mudar quando confrontados por acontecimentos espetaculares. E vale ressaltar que, apesar da característica dramática da Pixar, a animação traz referências ao classicismo do lendário Hayao Miyazaki e até mesmo nutre de inspirações da extensa carreira de Federico Fellini.

O aspecto de maior surpresa, sem sombra de dúvida, insurge no nome de Enrico Casarosa. O realizador, que já trabalhara nos bastidores da companhia auxiliando a idealização de ‘Carros’ e ‘Ratatouille’, por exemplo, fez uma estreia diretorial muito bem-vinda e que pode inspirar títulos futuros do cenário cinematográfico. À medida que reúne diversas inspirações e faz várias homenagens à bagagem cultural que carrega, ele, ao mesmo tempo, abre espaço para uma identidade imagética única e que se afasta de percepções presunçosas e vazias. Em outras palavras, o longa não diz mais do que pretende – e tal simplicidade é o que a torna bela.

‘Luca’ vem num momento ainda bastante conturbado das nossas vidas e, por essa razão, configura-se como um sedutor escapismo. Ao apresentar um mundo totalmente diferente, a Pixar consegue criar outro refúgio artístico intocável, movido por mensagens de amizade, empatia e a perseverança dos nossos sonhos.

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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