Direto do TIFF, Festival de Toronto
John Woo mais comportado
Mesmo antes de chegar a Hollywood no início da década de 1990, levado pelo astro da ação Jean Claude Van Damme (muitos não sabem, mas o ator ajudou a impulsionar a carreira de diversos diretores asiáticos nos EUA) em O Alvo (1993), o cineasta John Woo já era bem estabelecido em seu país de origem, a China, onde era considerado o mestre da ação.
Nos EUA, mostrou o que sabia e conquistou o mercado, em filmes como A Última Ameaça (1996), A Outra Face (1997) e Missão: Impossível 2 (2000). No entanto, a terra dos sonhos dá e tira, e Woo terminou afetado pelo mal que assola a maior meca do cinema mundial há décadas, a falta de criatividade. Seus últimos filmes por lá careceram de boas histórias e bons roteiros, mostrando que só a forma do diretor não fazia milagre.
Com exílio autoimposto desde o início da década passada, Woo só voltaria quase dez anos depois, de forma contida, apostando na reinvenção – no comando do épico dividido em duas partes A Batalha dos Três Reinos (2009) – e bem distante do local que o acolheu e depois o cuspiu. Desde então Woo fez pouquíssimos filmes e todos longe do estilo que o consagrou.
Desta forma, Manhunt é ainda mais importante, por justamente marcar o retorno do mestre da ação, num filme chinês (onde começou sua história) que faz uso de todos os elementos reconhecíveis para os fãs do cineasta. Estão aqui a ultraviolência (agora servida por CGI – ei, é o futuro), as estilosas cenas de ação, nas quais personagens desafiam a gravidade e reagem em câmera lenta (aqui temos um barco passando por cima de outro, que remete à Outra Face), coreografias de luta que mais parecem um balé, faíscas que insistem em banhar a tela durante tiroteios, mesmo quando atingem superfícies que não as causariam, como madeira, e, é claro, as pombas brancas, marca registrada – o que seria de um filme de John Woo sem elas?
Na trama, Hanyu Zhang (A Grande Muralha) é um advogado bem sucedido, incriminado por um assassinato que não cometeu, o de uma bela modelo, papel de Tao Okamoto (Wolverine Imortal e BVS). O crime é mais intrincado do que aparenta e pode envolver uma conspiração de antigos clientes do sujeito, uma grande empresa farmacêutica, que pretende lançar uma nova e perigosíssima droga no mercado, e tem na figura do veterano Jun Kunimura (Kill Bill), sua face. Somado a isso, um detetive, papel de Masaharu Fukuyama (Pais e Filhos), pega o caso e começa a caçar o azarado sujeito, no melhor estilo Tommy Lee Jones e Harrison Ford em O Fugitivo (1993).
Manhunt é na realidade baseado no livro de Jukô Nishimura, com roteiro adaptado pelo próprio Woo. E esse é o grande problema aqui. Woo desempenhando as duas funções deixa o filme descoordenado, com oscilações de ritmo e uma história difícil de ser acompanhada, dona de uma narrativa confusa e desfocada. Sim, John Woo é o responsável por diversos dos roteiros de seus filmes, mas aqui, em seu grande retorno ao gênero, talvez devesse apenas ter se concentrado na forma, que é o chamariz, e deixado o conteúdo para outro roteirista.
A história começa querendo plantar um romance, por exemplo, e em seguida descamba para uma boa reviravolta logo em seus primeiros minutos. Mostrando o quão desconectado é o esforço narrativo aqui, os personagens envolvidos na primeira reviravolta só irão retornar quase no desfecho. Uma das deficiências de Manhunt é justamente não saber muito bem por onde seguir, aonde ou em quem focar. Além disso, o desfecho promete tirar muitas pessoas da proposta, já que muda totalmente seu tom (sem que fosse adereçado antes), transformando-o em uma ficção científica com doses de surrealismo.
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John Woo voltou diferente, como se ainda estivesse um pouco enferrujado. Mais contido, acanhado em novamente deixar sua total extravagância visual tomar conta. Não fique, John Woo, pois é justamente esse diretor “moleque” que queremos de volta.