sexta-feira, abril 26, 2024

Crítica | Quiet on Set: The Dark Side of Kids TV vai destruir sua infância com revelações assombrosas sobre a Nickelodeon

Intocável e quase sagrado, adornado por spotlights e por um Star System que garantia que a magia do cinema permanecesse irretocável diante dos olhos do mundo, os anos antigos de Hollywood foram marcados por uma construção meticulosa e melindrosa de como toda uma indústria deveria ser percebida. De astros mirins como Judy Garland a ícones como Joan Crawford, o cinema e a TV norte-americana foram muito bem controlados por grandes estúdios como a MGM até meados de 1948, quando o modelo de exclusividade contratual entre atores e produtoras foi proibido no país. Mas a sólida visão idílica e romântica nutrida em gerações a perder de vista não acabaria ali.

Embora estrelas mirins como Shirley Temple e a própria Judy fossem diária e constantemente vítimas de abuso dos mais diversos nos bastidores de seu sucesso, a imaculada e performática visão de Hollywood se estenderia para os anos recentes, começando a genuinamente ruir diante da ascensão das redes sociais e do nascimento de um tempo onde já não haveria o mesmo distanciamento entre celebridades e audiência. Com camadas de ilusão caindo gradativamente, vivemos para finalmente testemunhar o que há por trás das cortinas ao sinal de “Corta!”. Quiet on Set: The Dark Side Of Kids TV nasce desse rompante de luz em meio às trevas.

E embora Temple e Garland tenham rastejado para que Drake Bell pudesse andar, a verdade é que já era sem tempo. Precisamos ser confrontados pelas nossas próprias memórias afetivas, tão bem aquecidas e seguras, imaculadas de qualquer mancha de sangue. E o que o novo documentário da ID, lançado no streaming MAX nos EUA ( mas que ainda não estreou no Brasil), faz é justamente isso: nos convidar para um tete-a-tete, uma conversa realista sobre o preço por trás das lembranças televisivas das nossas infâncias. Enquanto a emissora infantojuvenil Nickelodeon trilhava quase três décadas de domínio e glória na produção de programas infantis e adolescentes, os bastidores resguardavam histórias macabras sobre assédio moral e abuso sexual.

As diretoras Mary Robertson, Emma Schwartz e uma coletânea de ex-astros mirins se unem para descortinar cada um desses mistérios, ironicamente tão bem conhecidos entre os membros da indústria. E esses segredos tão bem escondidos de nós, audiência, mas tão corriqueiramente comentados entre profissionais em Hollywood, são revelados em entrevistas brutais, dolorosas e extremamente poderosas. E ainda que permaneçam alguns resquícios não desmembrados – como a trágica história de Amanda Bynes -, a verdade é que Quiet on Set é como uma sessão de terapia a céu aberto, espalhada por megafones que circulam grandes cidades. Como um alerta para pais de pequenos atores e um choque para quem cresceu debaixo da idealização hollywoodiana nascida do Star System, a produção esmiuça bem como tantas crianças se tornaram cobaias artísticas nas mãos de adultos que deveriam protegê-las.

E ali, o famoso estereótipo de ex-ator mirim que surta na vida adulta é desmantelado sob a égide de que todos esses pequenos de fato não passaram de vítimas de uma indústria que apenas os enxerga como cifrões. E é assim que somos introduzidos a um antro nojento e macabro escondido nos corredores da Nickelodeon, que empregava abusadores sexuais condenados e os permitia circular livremente perto de crianças – orientando pais e tutores a não permanecer perto demais de seus filhos, não questionar e não reclamar. Sempre sob a pressão de uma demissão e da extinção de uma carreira recém-iniciada.

E assim, ao longo de quatro episódios de embrulhar o estômago, somos novamente vinculados à nossa pueril infância à frente da TV, assistindo séries como Kenan & Kel, The Amanda Show, Drake & Josh e iCarly, mas sem aquela beleza de outrora. Agora somos colocados diante de uma outra realidade. Somos colocados diante de um Drake Bell assombrado por anos infindáveis de abusos sexuais quase diários. E é impossível retroceder perante essa verdade. Conduzidos pelos seus relatos, que começam suavemente com uma espécie de “era uma vez…”, somos subitamente levados para as profundezas de uma dor jamais compartilhada publicamente. Ali também entendemos a dimensão do slogan “hurt people hurt people” (pessoas machucadas machucam outras pessoas) e ficamos à deriva ao testemunharmos suas denúncias, que foram investigadas ainda em 2003, resultando na condenação do abusador Brian Peck.

Não deixe de assistir:

Quiet on Set é exatamente o que esperávamos, mas muito pior. Refletindo sobre a negligência de toda uma indústria em relação à vida de crianças talentosas e sem qualquer maldade, a minissérie documental é um trator que destrói nossas memórias – como de fato deveria fazer. Abrindo nossos olhos para uma Hollywood sem seu brilho californiano, a produção é um debate sincero e honesto sobre décadas de práticas abusivas que jamais haviam sido enfrentadas. Chamando a atenção do público para o que fato está por trás da “magia do cinema”, a original MAX é um soco na boca do estômago, acende um alerta vermelho importante e reacende o debate sobre práticas abusivas dentro da indústria.

Denunciando o produtor Dan Schneider por seu suposto comportamento imoral e abusivo com pequenos e adultos, a produção ainda resgata cenas perturbadoras que exalam conotação sexual em conteúdos voltados para o público infantojuvenil. Quiet on Set: The Dark Side of Kids TV toca naquilo que até então parecia estar guardado a sete chaves e finalmente dá voz à gerações inteiras de atores mirins submetidos a um regime de trabalho que ao invés de alçá-los ao estrelato com segurança, os chafurdou em um poça de depressão, vícios e traumas que talvez jamais sejam superados.

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