quinta-feira, maio 2, 2024

Crítica | ‘The Tortured Poets Department’ apresenta uma Taylor Swift estagnada no tempo e sem muita originalidade

Taylor Swift sempre foi um acontecimento.

Desde sua estreia no mundo da música com seu álbum homônimo, Swift demonstrou uma habilidosa versatilidade lírica que a eternizaria como uma das maiores compositoras da atualidade. Não é surpresa que, ao completar seus trinta anos, ela tenha entrado em, quiçá, a melhor fase de sua carreira com o complexo e intrincado ‘folklore’, que lhe rendeu mais uma estatueta de Álbum do Ano no Grammy Awards, e com a igualmente bela sequência intitulada ‘evermore’. Todavia, após lançar dois álbuns em um mesmo ano, Swift parece ter perdido a mão no quesito “originalidade”, focando nos relançamentos de seus discos anteriores após conquistar a plenitude das masters e mergulhando em um conceitualismo pré-fabricado com ‘Midnights’.

Após ganhar o gramofone de Melhor Álbum Pop Vocal por sua décima incursão de inéditas, ela anunciou que estava pronta para seguir em frente com o ambicioso ‘The Tortured Poets Department’ – uma espécie de testamento em que exploraria as cinco fases do luto e uma “imperativa criação poética” que é bastante característica de sua persona. Através de vários materiais promocionais, ela nos preparou para um compilado que tinha todos os elementos para ser profundo e condizente com aquilo que de melhor nos entregara anos atrás. Infelizmente, o resultado não é esse: com breves exceções, a obra é uma massa amorfa de progressões repetidas e faixas que soam descartadas de inflexões predecessoras, além de versos sem qualquer sentido que são manchados por um exaurível platô criativo.

Ao longo de dezesseis faixas, Taylor dá o máximo de si para fugir de convencionalismos poéticos – algo que fizera com esmero em mergulhos críticos sobre a própria vida e sobre seu modo de enxergar o cosmos ao seu redor (uma reflexão à la Emily Dickinson que garantiu laços inquebráveis entre ela e sua legião de fãs). A track de abertura, ‘Fortnight’, puxa colaboração com Post Malone em uma sólida narrativa sonora movida por uma amálgama do baixo e dos sintetizadores, explodindo em uma melancólica balada. Cada imagem arquitetada é pensada com cautela (com destaque aos versos “todas as minhas manhãs são segundas/ presas em um fevereiro interminável”, em referência ao momento letárgico entre o fim do inverno norte-americano e o começo da primavera) e nos dá um gostinho do que, a priori, poderíamos esperar do restante do projeto.

Enquanto esse potente início configura-se como uma das melhores narrativas assinadas pela artista, a maioria das canções resume-se a um ciclo sem fim de progressões sonoras e instrumentais batidos. É notável como o electro-synth grita a plenos ares como se a urgência fosse o único modo de nos afastar de uma coleção de contos que discorrem sobre o mesmo tema – enredos de empoderamento e de superação que não possuem qualquer grau de maturidade para além de uma predisposta presunção lírica que, no final das contas, sai de lugar nenhum e chega a nenhum lugar. Se Jack Antonoff ficou responsável por algumas das canções mais icônicas não apenas de Taylor, mas também de nomes como Lorde, The Chicks e St. Vincent, aqui ele posa dentro de um vazio existencial que recicla melodias sem inspiração em um liquidificador turbulento.

A faixa-título começa com potencial infinito apenas para se transmutar em um risível enfeixe de metáforas vencidas e ilógicas (afinal, que diabos seria um “golden retriever tatuado”?); “I Can Do It With a Broken Heart” carrega uma das produções mais insuportáveis da memória recente, fadada a uma infantilização dissonante que apenas restringe o que Swift pode entregar – isso sem falar dos versos “porque eu sou uma criança realmente forte/ consigo lidar com toda minha m****”, que simplesmente não conseguimos associar à mesma pessoa que assinou canções como “All Too Well” e “August”; “My Boy Only Breaks His Favorite Toys” peca numa linearidade cansativa e reminiscente de ‘Lover’ e ‘1989’, além de contar com um fraseamento bizarro demais para ser levado a sério; “Down Bad” é tão apoiado na robotização e no pseudo-futurismo dos sintetizadores que mal captar as mensagens promovidas pela pessoalidade declamatória da performer.

A verdade é que os exemplos do parágrafo acima podem se destinar a boa parte das tracks presentes no álbum, desde “So Long, London”, passando por “But Daddy I Love Him” e culminando em um desperdiçado dueto entre Taylor e Florence Welch com o indie-pop-rock de “Florida!!!” – cuja bateria é um dos elementos que mais nos causa desconforto. Porém, não posso deixar de mencionar os breves ápices do disco, que afloram as centelhas de inspiração artística da cantora e compositora.

Além da música de abertura, temos a instigante melancolia de “Who’s Afraid Of Little Old Me”, que preza mais pela rendição vocal do que pela profundidade sonora e que, pouco antes do refrão, se converte em uma power-ballad aos moldes da impecável “Out of the Woods”; “Loml” é derradeira desde os primeiros toques do piano clássico, reiterando a mágica que Swift tem a habilidade de criar com o instrumento, projetando uma tristeza teatral e confessional em cada uma das palavras proferidas; “The Black Dog”, que faz parte de uma das versões deluxe da obra, é uma tocante e envolvente balada que merecia a chance de se tornar single por todos os sentimentos que evocam e pela universalidade promovida aos ouvintes – bem como de um crescendo apaixonante e dilacerante.

Apesar dos pontuais ápices, ‘The Tortured Poets Department’ é uma roda de Samsara – uma falsa sensação de originalidade que, na verdade, demonstra a inevitabilidade de uma fadiga criativa. Nesse álbum, Taylor parece estagnada em um tempo que não mais lhe pertence, procurando alimentar um microcosmos do qual não consegue escapar e recusando-se a explorar algo afora obviedades clichês e circunspecções em demasia.

Não deixe de assistir:

Nota por faixa:

1. Fortnight, feat. Post Malone – 5/5
2. The Tortured Poets Department – 3/5
3. My Boy Only Breaks His Favorite Toys – 2,5/5
4. Down Bad – 3/5
5. So Long, London – 2/5
6. But Daddy I Love Him – 1/5
7. Fresh Out the Slammer – 2,5/5
8. Florida!!!, feat. Florence and the Machine – 2/5
9. Guilty as Sin? – 2/5
10. Who’s Afraid of Little Old Me – 4,5/5
11. I Can Fix Him (No Really I Can) – 1,5/5
12. Loml – 5/5
13. I Can Do It With a Broken Heart – 1/5
14. The Smallest Man Who Ever Lived – 2,5/5
15. The Alchemy – 3/5
16. Clara Bow – 4/5
FAIXA-BÔNUS
The Black Dog – 5/5

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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