sexta-feira, março 29, 2024

Crítica | Judy – Renée Zellweger caminha para o seu segundo Oscar em filme emocionante

Filme Assistido durante o Festival de Toronto 2019

Voz doce que reverberava como um trovão entre graves e agudos, Judy Garland fez audiências ao redor do mundo todo sonharem com aquele utópico lugar para além do arco íris. Enjaulada desde muito jovem pelo modelo de contratação star system, ela foi tratada como uma marionete nas mãos do magnata da indústria cinematográfica Louis B. Mayer, sendo submetida a anos de abuso emocional e até mesmo físico. Dona de um talento e carisma imensuráveis, seus dons não bastavam para o estúdio MGM, que a controlou durante a maior parte de sua juventude, entupindo-a de remédios para emagrecimento, longas horas de jejum e uma opressão que lhe custou seu sono, sua saúde mental e – eventualmente – toda sua fortuna. Condensar essa intensa e dolorosa trajetória em um curto hiato de apenas alguns meses até parecia impensável. Mas pelos olhos vibrantes e amargurados de Renée Zellweger, Judy se torna uma cinebiografia valiosa, que relata os últimos meses da atriz mirando em seu retrovisor, nos levando a uma delicada e sofrida epifania.

A inocência de Garland, que a transformou na queridinha da América, não foi o bastante para suportar as aflições que a vida adulta lhe traria. Aliado a todos os complexos nascidos pela insistência de falsos conceitos, a atriz encarou a fase madura sem dominar a arte de sobreviver às circunstâncias. Com algumas tentativas de suicídio na conta e um colapso nervoso em meio às gravações de The Pirate (1947) – que a levou a uma internação no que à época se chamava ‘sanatório’ -, Judy viveu seus poucos anos finais como quem sofreu de tudo um pouco. Do estrelato mirim ela então partira para a falência e para a falta de oportunidades profissionais. E em Judy, esse tumultuado quadro é trazido para as telonas, como se a própria atriz quisesse desabafar com o público – os únicos que realmente foram fieis a ela.

E sob a direção de Rupert Goold, a cinebiografia se transforma em um franco relato dos meses finais de Garland, a partir de uma percepção apurada sobre seu passado, na tentativa de levar ao entendimento da audiência a certeza de que a sentença da atriz já havia sido traçada ainda no auge de O Mágico de Oz. Com a ajuda do roteiro escrito por Tom Edge, o diretor transforma os poucos dias compreendidos no longa em uma espécie de odisseia visual, que permeia momentos clínicos da vida de Judy, como quem visa preencher algumas lacunas da alma da própria artista, que por anos internalizou seus sentimentos em virtude do opressivo e abusivo contrato profissional que tinha. Pontual e categórico, ele dirige o longa a partir da personificação da atriz, em um híbrido temporal que consegue concentrar as circunstâncias mais fundamentais de sua curta trajetória.

Em Judy, passados distintos se colidem, formando o triste retrato de uma mulher que buscou a vida inteira ser amada. Bem quista por seu dom, mas rejeitada por aqueles que usufruíram e fizeram muito dinheiro com ele, ela digladiou até o fim com a terrível sensação de abandono que a perseguia, enlameada pelos vícios em anti-depressivos, cigarro e álcool – todos oriundos de uma vida absolutamente privada de suas próprias escolhas. Esta narrativa se faz completamente presente na cinebiografia, sendo traduzida na hipnotizante atuação de Renée Zellweger, que absorve com maestria a essência de Judy Garland. Do franzir dos lábios ao pescoço espichado que formava uma pequena corcunda, a vencedora do Oscar encanta nossos olhos e ouvidos, como uma fotografia ambulante dos dias finais da artista. Com sua voz autêntica e empoderada, ela reinterpreta alguns dos hinos mais conhecidos de Garland, trazendo naturalidade e uma semelhança admirável ao timbre da emblemática atriz.

Com características performáticas e exuberantes, a atuação de Renée é também a essência principal do filme, com seu roteiro – naturalmente – orbitando ao redor de sua caracterização. E honrando cada linha da trama, ela entrega a personificação mais inesperada de Judy Garland. Diante de sua bela representação, ficamos perplexos pensando que justo ela resgataria a autenticidade e dureza da atriz nos cinemas. Essa surpresa se estende até o fim do drama musical, quando nos deparamos com sua rendição completa ao hino que consagrou a voz de sua persona. Ali, já cansada e desamparada, ela tenta reencontrar em olhos desconhecidos e aficionados o encantamento existente do outro lado do arco-íris, à medida que caminha em direção a sua segunda estatueta do Oscar.

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