sábado, abril 20, 2024

Crítica | Vazante – Construção do Brasil no novo trabalho de Daniela Thomas

A evocação de um passado para tentar ilustrar circunstâncias atuais não é um caminho incomum, talvez o passo inicial natural quando se procura – através dos rastros – coletar informações capazes de ao menos esboçar um arco.

Passado em 1821, Vazante inicia com um parto que ocasiona a morte da esposa e rebento de Antonio (Adriano Carvalho). O protagonista se desespera com a não continuidade imediata de sua linhagem. Em um descontrole Antonio rasga as vestes que com extrema cautela havia trazido para o filho vindouro, esse ato é o único instante no qual o personagem demonstra alguma dor pela morte, muito mais centrada na frustração oriunda da não continuidade de sua estirpe do que na perda da esposa. O personagem não demora para desposar, dessa vez a jovem sobrinha de sua falecida esposa Beatriz (Luana Nastas), jovem ao ponto de sequer ter tido seu primeiro sangramento quando ocorre o casamento.

Antonio é um português dono de terras e escravos, um personagem criado para explicitar a grave e violenta relação de Portugal com suas colônias, não à toa o longa se passa um ano antes da independência do Brasil. O longa em muito se dá por meio da perspectiva de Beatriz, porém, ele insinua um movimento descentralizador através do personagem Virgilio (Vinicius dos Anjos), um jovem escravo da mesma idade de Beatriz.  Ao ser colocada em uma casa que nada lhe abriga ou conforta, Beatriz, ao lado de Virgilio, passam a encontrar na infância um comum, algo que compartilham dentro das opressões e medos que ambos viviam – em suas doses e formas distintas- mas que de alguma maneira os aproxima.

Em sua primeira direção solo, Daniela Thomas escolhe falar sobre uma formação nacional caótica, violenta, das diversas formas de submissão e silenciamento. Em sua primeira cena há uma morte durante um parto, a criança morta em seu nascimento é uma imagem contundente sobre os resultados da exploração que se deu naquele período e seguiu se transformando e mutando mazelas. O filme, que foi bastante debatido durante o 50º Festival de Brasília, se debruça em sua personagem em uma espécie de encantamento que a mesma tem pelo bucólico e nessa ingenuidade está o principal problema, de cunho narrativo, pois o que há é um roteiro – realizado em conjunto com Beto Amaral – que perde sua força em um desdobramento pouco inspirado.

Vazante expõe seus personagens sendo devorados, sem exceção, por forças das quais não conseguem se desvencilhar, e a necessidade de uma resignação é mais de uma vez mencionado, seja na cena que os pais de Beatriz – interpretados por Sandra Corveloni  e Roberto Audio – conversam sobre o que lhes caberia por direito após a morte da tia de Beatriz ou quando Feliciana (Jai Baptista) aconselha o líder africano (Toumany Kouyaté) a não continuar se rebelando. Na última cena citada é necessário apontar algo que ocorre durante o filme: a não tradução do dialeto africano falado entre alguns escravos. Essa escolha corrobora com a incomunicabilidade presente, pois explicita que existem abismos, complexidades para além de dicotomias.

Tal como havia em Linha de Passe, está em Vazante a tentativa de uma construção que se costura pelos personagens, aparentando estarem aprisionados pelo seu meio e seu modo, limitações e fronteiras nítidas  e intermináveis em sua densidade. É palpável em sua fotografia, realizada por Inti Briones, essa austeridade fosca e seca. Não é um equivoco construir paralelos entre Vazante e Joaquim (longa de Marcelo Gomes, também desse ano), mas sobretudo no que diz respeito ao tom descrente que os longas entoam.

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