quinta-feira, abril 25, 2024

Dossiê 007 | ‘Cassino Royale’ (1967) – Uma Comédia Obscura com MUITOS James Bond

007 – Sem Tempo para Morrer, o vigésimo quinto filme oficial da franquia mais duradora do cinema, tem estreia programada para o dia 7 de outubro de 2021 – após ser adiado do ano passado devido à pandemia. Como forma de irmos aquecendo os motores para esta nova superprodução que, como dito, faz parte de uma das maiores, mais tradicionais e queridas franquias cinematográficas da história da sétima arte, resolvemos criar uma nova série de matérias dissecando um pouco todos os filmes anteriores, trazendo a você inúmeras curiosidades e muita informação.

Você já imaginou como seria um filme de 007 James Bond se fosse uma comédia? E mais ainda, se contasse com não apenas um, mas diversos atores, incluindo mulheres, interpretando James Bond? Pois bem, não pense mais, porque este filme existe e se chama Cassino Royale! Não, não é a superprodução com Daniel Craig lançada em 2006. Esta é uma obra lançada no auge da popularidade da franquia 007 no cinema ainda na década de 60, quando era estrelada por Sean Connery. Confira abaixo e conheça todos os detalhes desta curiosa e estranha história envolvendo o maior espião do cinema.

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Produção

O classudo David Niven era a primeira escolha de Ian Fleming e tem a chance de viver James Bond aqui.

Vamos começar pelo começo. Você conhece aquela história de como a Marvel vendeu os direitos de alguns de seus personagens para estúdios como a Sony (Homem-Aranha), a Fox (X-Men) e a Universal (Hulk) no passado? Pois bem, o autor Ian Fleming, criador de 007, havia feito o mesmo muito tempo antes, vendendo os direitos de alguns de seus livros para produtores de Hollywood diferentes, até fechar acordo exclusivo com a EON Pictures, regida pelos executivos Albert R. Broccoli e Harry Saltzman – considerada a franquia canônica oficial do personagem. Dentre os livros dos quais a EON não possuía os direitos estavam Cassiono Royale, o primeiro escrito pelo autor, e Thunderball (A Chantagem Atômica), o nono livro.

Este segundo, A Chantagem Atômica (sobre o qual escrevi na coluna passada desta série de matérias), foi comprado pelo produtor Kevin McClory, que fechou um acordo com a EON para produzir em parceria o filme estrelado por Sean Connery. O filme se tornou o maior sucesso da franquia até então, e um dos maiores de forma geral, mas viria a dar certa dor de cabeça para os produtores oficiais mais para frente – tópico que iremos adereçar em outra matéria vindoura da série. Por outro lado, Cassino Royale foi comprado pelo produtor Charles Feldman, que iria produzi-lo através da Columbia Pictures / hoje Sony. E por um tempo chegou-se a cogitar fazer um filme sério, como o resto da franquia, e inclusive ter Sean Connery protagonizando fora da EON / MGM.

Tendo em vista o número cada vez mais crescente de clones de 007 na TV e em especial no cinema, alguns inclusive gerando suas próprias franquias, como o agente americano Matt Helm (Dean Martin), e percebendo que o salário pedido por Connery de US$1 milhão estava fora de cogitação, os realizadores tiveram a sacada (até boa para a época) de realizar uma grande paródia dos filmes de 007. E para tal contaram com um dos melhores elencos da época no cinema e definitivamente o melhor dos filmes de James Bond; nada menos que cinco diretores diferentes; e pelo menos dez roteiristas dando pitaco no texto. No hall de cineastas no comando da obra: Val Guest, Ken Hughes, Joseph McGrath, Robert Parrish e o mais renomado do lote, John Huston, vencedor de dois Oscar.

A produção de Cassino Royale rende um documentário por si só, e em partes se mostrou um pesadelo. O filme é episódico e acontece por partes, sem que alguns dos grandes atores que fazem parte do elenco sequer se encontrem. Portanto, irei tentar adereçar da melhor forma possível o que é Cassino Royale abaixo nos próximos itens da matéria.

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James Bond

O “garoto problema” Peter Sellers queria ser 007 de verdade e contracenou com Ursula Andress.

Como dito, aqui temos não um, mas diversos atores interpretando o maior espião do cinema, James Bond. Comecemos com o icônico humorista Peter Sellers, eternizado pela figura de outro homem da lei, o inspetor Jacques Closeau nos filmes da Pantera Cor de Rosa. Como a maioria dos comediantes, Sellers queria ser levado a sério e reconhecido por seus talentos como ator dramático. Ele chegou a fazer filmes sérios em sua carreira, e aqui seu desejo era por interpretar James Bond na linha do que Sean Connery vinha fazendo. Sua decepção foi tão grande ao descobrir se tratar de uma paródia que aos poucos foi boicotando a produção com seu comportamento errático, se tornando um verdadeiro problema nos bastidores.

Não deixe de assistir:

No filme, Sellers sequer interpreta o James Bond verdadeiro. Ele é Evelyn Tremble, contratado para se passar por James Bond devido a seu talento com as cartas, e derrotar o vilão Le Chiffre no jogo de bacará. Como podemos ver, muito do texto original (também encontrado no filme de 2006) foi mantido aqui. Sellers feriu a colega de cena Jacqueline Bisset devido a uma brincadeira idiota com uma arma de festim, agrediu um de seus diretores e criou uma rivalidade insuportável com Orson Welles nos bastidores ao ponto de suas cenas precisarem ser gravadas separadamente. Ah sim, Welles, grande artista por trás de Cidadão Kane, também está no filme e interpreta Le Chiffre. Demorou, mas o esquema de autossabotagem de Peter Sellers fez efeito, e o ator terminou devidamente demitido da produção antes de completar todas as suas cenas. O ocorrido, obviamente, é percebido no resultado final, com sua subtrama terminando de forma incoerente.

Assim, entram em cena outros James Bond. O original do filme é o classudo David Niven, igualmente um veterano da franquia A Pantera Cor de Rosa. Niven era a escolha original do autor Ian Fleming para viver James Bond no cinema. Fleming inclusive ficou muito decepcionado e lutou contra a escolha do então desconhecido Sean Connery. Seja como for, Niven teve a oportunidade de interpretar um Bond mais maduro nesta sátira. Aqui ainda rola uma brincadeira com o personagem não adepto da violência desmascarando um falsário que se passa por ele e causa muita destruição – esse falsário seria Connery.

Basicamente todos os agentes secretos do filme são chamados 007 – James Bond, uma gag repetidamente usada ao longo da projeção. Uma curiosidade é que a bela britânica Joanna Pettet interpreta a filha de James Bond (o vivido por Niven) com a espiã da vida real Mata Hari, chamada Mata Bond. Ela ganha bastante destaque e comanda uma das subtramas, demonstrando um pouco como seria um filme de 007 protagonizado por uma mulher – este é o filme que dá um gostinho do que o fato poderia ser.

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Missão Secreta

Orson Welles usou todo o seu charme no papel de Le Chiffre e travou um duelo real com Peter Sellers.

Como dito, o objetivo aqui é pela paródia, simplesmente para tentar algo novo que as dúzias de clones de 007 ainda não haviam tentado. No entanto, a narrativa é fragmentada em episódios que não se conectam. O que chega mais perto da história contida no livro é o segmento com o demitido Peter Sellers no duelo de cartas com Le Chiffre. O trecho com Mata Bond demonstra o que poderia ser um filme com uma 007 mulher, com a agente secreta pegando para si traços de personalidade de ambos seu pai e sua mãe (inclusive usando vestimentas tipicamente indianas para seu disfarce). Já o verdadeiro James Bond de David Niven se vê às voltas com o plano cômico e estapafúrdio de seu sobrinho Jimmy Bond, transformado no vilão Dr. Noah (tirada de sarro com Dr. No) e se envolve amorosamente com a viúva de seu chefe morto, o clássico M.

Leia também: Dossiê 007 | O Satânico Dr. No (1962) – Conheça o primeiro filme da franquia do espião James Bond

Bondgirls e Aliados

Joanna Pettet é Mata Bond, filha de James Bond com Mata Hari.

E se temos muitos atores vivendo James Bond, o número de aliados e Bondgirls não fica atrás. Além dos três Bonds do filme, temos também Vesper Lynd, a mesma personagem interpretada por Eva Green no longa de 2006, que viria a marcar como nunca anteriormente a era Craig do personagem. Demonstrando assim ainda laços maiores com o material original. O curioso aqui é que neste Cassino Royale, Lynd é vivida por ninguém menos que Ursula Andress, a Bondgirl original da franquia, Honey Ryder, que deu origem ao segmento de tais personagens em O Satânico Dr. No (1962). Muitas de suas cenas aqui, no entanto, são incoerentes, graças à demissão de seu colega de cena Peter Sellers. Ao menos ela usou sua voz original desta vez, ao invés de ser dublada como em Dr. No.

A estrela Deborah Kerr, indicada a 6 Oscar, também marca presença em Cassino Royale. Ela é Lady Fiona, viúva de M, chefe de James Bond, vivido pelo diretor John Huston – também participando como ator no filme. A palestina Daliah Lavi é outra agente que usa o nome James Bond no filme, e o longa conta ainda com o vencedor do Oscar William Holden no papel de Ransome.

Vilões

Woody Allen rouba os holofotes na pele do complexado Jimmy Bond.

O vilão principal do Cassino Royale de 1967 é Le Chiffre, assim como no conto original e na adaptação cinematográfica de 2006. Quem interpreta o figurão é o lendário Orson Welles, que empresta todo o seu charme e carisma para o papel, demonstrando que daria um excelente vilão na franquia oficial. Suas cenas precisaram ser gravadas separadamente de Peter Sellers devido a uma rivalidade entre os dois, promovida mais pelo temperamento ególatra de Sellers, um dos astros mais problemáticos a ter passado por Hollywood.

Mas Cassino Royale faz uso de outro vilão em sua trama. O citado Jimmy Bond, sobrinho de James Bond na narrativa com David Niven. E o personagem é interpretado por nenhum outro senão Woody Allen, em seu início de carreira, mas já se destacando no humor. Allen escreveu parte do roteiro e suas cenas são consensualmente as mais engraçadas do filme. Utilizando o nome de vilão Dr. Noah, o personagem de Allen visa eliminar do planeta todos os homens mais altos que ele e transformar as mulheres em beldades. Um vilão complexado em nível máximo, que brinca com megalomania dos inimigos do espião.

Relatório

Cassino Royale deu muita dor de cabeça graças ao problemático Peter Sellers.

Uma das produções mais badaladas da década de 60, com inúmeros talentos envolvidos, Cassino Royale era planejado para ser a resposta da Columbia Pictures para o sucesso da MGM com a franquia oficial. Porém, em especial devido ao comportamento errático de Peter Sellers, um dos maiores nomes do elenco, grande parte da produção terminou saindo dos trilhos, se tornando impossível corrigi-la. Sua subtrama termina de forma desconexa e incoerente. Os realizadores apelam para um teor psicodélico, típico da época, mas o tom alucinógeno tampouco dá jeito.

A culpa pode ter sido em grande parte de Sellers, mas não toda. Já que os outros trechos dos quais o ator não faz parte também não funcionam muito, apesar da investida dos atores e diretores. Um dos maiores pecados que todos os especialistas parecem concordar é que Cassino Royale é acometido pelo pior mal que pode recair sobre comédias: simplesmente não é engraçado. E isso é o beijo da morte para filmes do tipo.

O resultado financeiro ficou bem abaixo do esperado, garantindo um fracasso de bilheteira para o filme, para somar com suas críticas na maioria negativas. Seja como for, Cassino Royale viveu para se tornar um item cult, abraçado pelos que gostam de saber mais da história da sétima arte e de seus bastidores – vivendo para ser considerada uma das produções mais problemáticas de Hollywood.

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