segunda-feira , 18 novembro , 2024

Porque ‘Marighella’ incomodou tanto os brasileiros após o sucesso no Festival de Berlim?

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            A produção do filme sobre a vida do ativista ‘Marighella’ (revolucionário para alguns, terrorista para outros) foi anunciada no início de 2018, e chamou a atenção da crítica por ser a primeira incursão de Wagner Moura na direção de um longa. Só isso já era suficiente para deixar todo mundo ansioso pelo resultado final, e ainda foram anunciados Seu Jorge no papel principal e um elenco que contava com Humberto Carrão, Bruno Gagliasso e Adriana Esteves. A grande estreia mundial ocorreu essa semana, no Festival de Berlim, e os resultados refletem o cenário dicotômico e reacionário que o nosso país está enfrentando.

            Durante o tapete vermelho, Wagner Moura fez questão de levantar uma placa que continha o nome da deputada Marielle Franco, assassinada em 2018. O crime, ainda sem solução, repercutiu mundialmente.

            A primeira exibição do filme no Berlinale teve o ex-deputado federal Jean Willys na plateia, e ele ganhou um estalado beijo de Wagner Moura nos bastidores. O filme foi relativamente bem recebido e arrancou aplausos de parte da plateia – apesar de ter sido reportado também que dividiu opiniões em seu resultado. A polêmica mesmo começou na coletiva de imprensa, seguida à exibição do longa. Perguntado por jornalistas, o diretor respondeu que “nosso filme é maior que Bolsonaro. […] É um filme que vai em contraste com o grupo que está no poder no Brasil.” 



            Em vídeo postado pelo festival de Berlim em seu canal no Youtube, Wagner Moura explica que a obra é provavelmente o primeiro filme da resistência que está acontecendo no Brasil. Ele compara a resistência ocorrida em 1964, na época de Marighella, com a que os cidadãos estão tendo que realizar nos últimos tempos, especialmente as comunidades LGTB, indígena e negra. O diretor também disse que o longa não é uma resposta ao atual presidente, embora seja um filme político com um viés contrário. Além disso, afirmou que não apoia que as pessoas peguem em armas para defender seu ponto de vista, mas que eram tempos diferentes.

O ator Humberto Carrão lembrou que a maioria dos brasileiros sequer sabe quem foi Marighella, e que isso não é por acaso: “esta ignorância é, na verdade, produto de um projeto muito bem sucedido no Brasil que engloba não falar da própria História, especialmente em escolas particulares; falamos muito sobre a Revolução Francesa, mas não falamos nada sobre os revolucionários negros do Brasil”, disse o ator. Neste ponto, Carrão foi aplaudido pelos membros da imprensa.

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            Para Carrão, não saber quem foi Marighella é algo proposital. E que as escolas e a comunidade negra estão resgatando essas histórias do Brasil e trazendo-as para as salas de aula, mas que justamente essas pessoas já estão sendo perseguidas e assassinadas por estas razões. O filme, a seu ver, é um convite para ter um olhar mais crítico e complexo da história de nosso país. Wagner Moura confessa estar ciente de que terá muitas dificuldades de lançar esse filme no Brasil, ressaltando que já está havendo uma mudança semântica na forma interpretativa sobre o que aconteceu em 1964, e que o que acontece hoje é justamente da mesma forma como aconteceu no passado: criminalização das pessoas, censura das artes e mudança semântica dos acontecimentos, criando um ambiente em que tudo parece ser natural. E afirma: o Brasil é um país racista.

            O diretor compara as história de Marighella e de Marielle, ambos negros e ativistas, assassinados, e comenta que a polícia não é treinada para proteger os cidadãos, mas sim para proteger o Estado, que é quem escolhe quem é o inimigo. Wagner Moura levanta a questão do genocídio negro que ocorre nas favelas. Emocionado, Bruno Gagliasso, que vive um policial, confessou a dificuldade que teve para construir seu personagem, que precisava bater e odiar o Marighella – para ele, a dificuldade era ainda maior por causa da sua filha adotiva, que é negra, e que já passou por situações de ódio racial no Brasil. Bruno encerra dizendo que só conseguiu fazer o filme porque via a importância do longa para sua filha no futuro.

            Após a coletiva de imprensa, o discurso de ódio invadiu as redes sociais, tanto dos atores envolvidos no filme quanto nos canais do próprio Festival de Berlim. Os comentários acusatórios – em sua maioria, em português – foram tantos e tão pesados, que levaram o site a bloquear e tirar os comentários do ar. O IMBD – site de avaliação crítica de filmes feitas pelos próprios usuários – foi obrigado a apagar as avaliações ao filme, após uma ação coordenada que chegou a levar a nota do filme a 2,8. Ao todo foram mais de 30 mil votos negativos ao filme e mais de mil comentários de ódio. O próprio vídeo da coletiva no Youtube contém centenas de comentários denegridores. Os votantes acusam, inclusive, o IMBD de estar censurando a avaliação deles. Vale lembrar que o filme teve apenas quatro exibições no Festival de Berlim, e que juntando todos na plateia não daria 30 mil pessoas.

            Ao que parece, será realmente difícil realizar a estreia do filme sobre o ‘Marighella’ no Brasil nesses tempos e, caso aconteça, será com muitos protestos a favor e contra. E, se um filme consegue mobilizar tantas pessoas a se posicionarem sobre ele, então, ele cumpriu o seu papel.

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            A produção do filme sobre a vida do ativista ‘Marighella’ (revolucionário para alguns, terrorista para outros) foi anunciada no início de 2018, e chamou a atenção da crítica por ser a primeira incursão de Wagner Moura na direção de um longa. Só isso já era suficiente para deixar todo mundo ansioso pelo resultado final, e ainda foram anunciados Seu Jorge no papel principal e um elenco que contava com Humberto Carrão, Bruno Gagliasso e Adriana Esteves. A grande estreia mundial ocorreu essa semana, no Festival de Berlim, e os resultados refletem o cenário dicotômico e reacionário que o nosso país está enfrentando.

            Durante o tapete vermelho, Wagner Moura fez questão de levantar uma placa que continha o nome da deputada Marielle Franco, assassinada em 2018. O crime, ainda sem solução, repercutiu mundialmente.

            A primeira exibição do filme no Berlinale teve o ex-deputado federal Jean Willys na plateia, e ele ganhou um estalado beijo de Wagner Moura nos bastidores. O filme foi relativamente bem recebido e arrancou aplausos de parte da plateia – apesar de ter sido reportado também que dividiu opiniões em seu resultado. A polêmica mesmo começou na coletiva de imprensa, seguida à exibição do longa. Perguntado por jornalistas, o diretor respondeu que “nosso filme é maior que Bolsonaro. […] É um filme que vai em contraste com o grupo que está no poder no Brasil.” 

            Em vídeo postado pelo festival de Berlim em seu canal no Youtube, Wagner Moura explica que a obra é provavelmente o primeiro filme da resistência que está acontecendo no Brasil. Ele compara a resistência ocorrida em 1964, na época de Marighella, com a que os cidadãos estão tendo que realizar nos últimos tempos, especialmente as comunidades LGTB, indígena e negra. O diretor também disse que o longa não é uma resposta ao atual presidente, embora seja um filme político com um viés contrário. Além disso, afirmou que não apoia que as pessoas peguem em armas para defender seu ponto de vista, mas que eram tempos diferentes.

O ator Humberto Carrão lembrou que a maioria dos brasileiros sequer sabe quem foi Marighella, e que isso não é por acaso: “esta ignorância é, na verdade, produto de um projeto muito bem sucedido no Brasil que engloba não falar da própria História, especialmente em escolas particulares; falamos muito sobre a Revolução Francesa, mas não falamos nada sobre os revolucionários negros do Brasil”, disse o ator. Neste ponto, Carrão foi aplaudido pelos membros da imprensa.

            Para Carrão, não saber quem foi Marighella é algo proposital. E que as escolas e a comunidade negra estão resgatando essas histórias do Brasil e trazendo-as para as salas de aula, mas que justamente essas pessoas já estão sendo perseguidas e assassinadas por estas razões. O filme, a seu ver, é um convite para ter um olhar mais crítico e complexo da história de nosso país. Wagner Moura confessa estar ciente de que terá muitas dificuldades de lançar esse filme no Brasil, ressaltando que já está havendo uma mudança semântica na forma interpretativa sobre o que aconteceu em 1964, e que o que acontece hoje é justamente da mesma forma como aconteceu no passado: criminalização das pessoas, censura das artes e mudança semântica dos acontecimentos, criando um ambiente em que tudo parece ser natural. E afirma: o Brasil é um país racista.

            O diretor compara as história de Marighella e de Marielle, ambos negros e ativistas, assassinados, e comenta que a polícia não é treinada para proteger os cidadãos, mas sim para proteger o Estado, que é quem escolhe quem é o inimigo. Wagner Moura levanta a questão do genocídio negro que ocorre nas favelas. Emocionado, Bruno Gagliasso, que vive um policial, confessou a dificuldade que teve para construir seu personagem, que precisava bater e odiar o Marighella – para ele, a dificuldade era ainda maior por causa da sua filha adotiva, que é negra, e que já passou por situações de ódio racial no Brasil. Bruno encerra dizendo que só conseguiu fazer o filme porque via a importância do longa para sua filha no futuro.

            Após a coletiva de imprensa, o discurso de ódio invadiu as redes sociais, tanto dos atores envolvidos no filme quanto nos canais do próprio Festival de Berlim. Os comentários acusatórios – em sua maioria, em português – foram tantos e tão pesados, que levaram o site a bloquear e tirar os comentários do ar. O IMBD – site de avaliação crítica de filmes feitas pelos próprios usuários – foi obrigado a apagar as avaliações ao filme, após uma ação coordenada que chegou a levar a nota do filme a 2,8. Ao todo foram mais de 30 mil votos negativos ao filme e mais de mil comentários de ódio. O próprio vídeo da coletiva no Youtube contém centenas de comentários denegridores. Os votantes acusam, inclusive, o IMBD de estar censurando a avaliação deles. Vale lembrar que o filme teve apenas quatro exibições no Festival de Berlim, e que juntando todos na plateia não daria 30 mil pessoas.

            Ao que parece, será realmente difícil realizar a estreia do filme sobre o ‘Marighella’ no Brasil nesses tempos e, caso aconteça, será com muitos protestos a favor e contra. E, se um filme consegue mobilizar tantas pessoas a se posicionarem sobre ele, então, ele cumpriu o seu papel.

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