Podemos olhar o caso por dois ângulos. Por um lado, a Netflix é a plataforma de streaming ainda número 1 do mundo, tão popular que virou sinônimo de se ficar em casa relaxando – o bordão “Netflix and chill”. Assim, podemos imaginar que tudo o que a plataforma toque vira ouro, mesmo que certos produtos não sejam assim, digamos, de muita qualidade. Mas há ainda uma outra forma de ver o cenário geral. A cada década que se passa, uma nova geração é formada (ou talvez em menos tempo até). E essa é definitivamente a geração Netflix. Ou seja, crianças e adolescentes que já crescem em um mundo onde as plataformas de streaming, em especial a citada, são uma realidade e fazem parte do seu dia a dia. Do seu acesso a filmes, série e programas. Na minha época, se quiséssemos assistir a um filme tínhamos que ir até a locadora, ou esperar a exibição da TV aberta. Hoje todos simplesmente assistem. E isso inclui nós também, os adultos.
Seguindo esse raciocínio, é claro que gostamos quando qualquer filme recebe uma segunda ou até terceira chance de encontrar seu público. Muitas vezes acontece de assistirmos um filme no cinema, gostarmos muito, mas percebermos que ele não fez sucesso algum e foi logo varrido para debaixo do tapete. Na nossa época, ele ainda tinha chance de fazer sucesso em vídeo. Agora, ele tem a chance de encontrar sua audiência na Netflix e streamings afins. Nesta nova matéria resolvi separar mais um lote de dez filmes que passaram despercebidos pelos cinemas, ou fracassaram em sua estreia, mas que terminaram figurando no Top 10 dos mais assistidos na Netflix. Confira abaixo.
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Projeto Gemini
Antes de ser “cancelado” após o surto de violência no último Oscar, o astro Will Smith já havia passado por maus bocados em sua carreira no que diz respeito ao resultado de alguns de seus filmes. Afinal, quem pode esquecer bombas como As Loucas Aventuras de James West, Depois da Terra, Esquadrão Suicida e Beleza Oculta? O mais recente fiasco de sua carreira atende pelo título Projeto Gemini. A ideia parecia boa, trazendo um Will Smith atual e calejado para duelar com um Will Smith jovem (através de um efeito visual impressionante) da época de Um Maluco no Pedaço. Na direção, o prestigiado Ang Lee. A crítica apedrejou o longa de 2019, tascando uma aprovação de 26%, e nas bilheterias, com um orçamento de US$138 milhões, o filme recuperou para a Paramount Pictures apenas US$48 milhões nos EUA, e US$173 milhões mundiais numa época pré-pandemia. Mas na Netflix, uma nova geração descobriu o filme e garantiu sua entrada no top 10 da plataforma.
Cópias – De Volta à Vida
Keanu Reeves foi redescoberto pelas novas gerações de fãs do cinema e foi abraçado por eles como o novo muso da internet. Tudo bem, isso já faz alguns anos. O ator parece realmente ser boa-praça, porém, isso não o impede de se envolver em alguns projetos bem duvidosos. Na primeira matéria que fiz sobre os fracassos que se tornam ouro na Netflix, tratei de incluir logo duas produções do muso Reeves. E o astro não passará ileso desta nova matéria. Cópias é uma ficção científica de 2018, aspirante a blockbuster, que morreu na praia em sua passagem pelos cinemas mundiais – com muitos sequer tomando conhecimento de sua existência. Justamente por isso, ao cair nas mãos da Netflix e figurar em seu top 10, chamou nossa atenção. Na história de Frankenstein moderno, Reeves interpreta um cientista obcecado em trazer de volta à vida, na forma de seres artificiais, sua família morta em um acidente de carro. Os críticos que assistiram riram do filme, com 11% de aprovação, e com um orçamento de US$30 milhões, Cópias fez menos de US$10 milhões nas bilheterias mundiais.
Warcraft – O Primeiro Encontro Entre Dois Mundos
Essa superprodução da Universal Pictures de 2016 era para ser o representante de um bom filme baseado num vídeo game. Bem, não foi bem assim. Uma mitologia enorme que é motivo de grande culto por parte dos fãs, os games Warcraft eram tidos como “intransponíveis” para o cinema. Mesmo assim o diretor talentoso Duncan Jones, filho de David Bowie, topou o desafio. E repito mais uma vez que a qualidade das produções aqui não tem nada a ver com seu sucesso de crítica ou público. Às vezes, como é o caso com este filme, a venda é simplesmente muito difícil. A investida foi no estilo de O Senhor dos Anéis, mas em 2016 o hype de uma aventura medieval neste formato talvez já tivesse se esvaído. Com a crítica, Warcraft foi bem mal, com 28% de aprovação. E nas bilheterias a coisa não melhorou muito, já que com um orçamento de US$160 milhões, fez apenas US$47 milhões nos EUA, e de forma mundial melhorou um pouco com US$439 milhões em caixa. Mas na Netflix, o filme conseguiu figurar no top 10 dos mais vistos.
Nunca Mais
Agora voltamos um pouco mais no tempo. Vinte anos no passado para ser mais preciso, para o ano de 2002. É curioso, mas este thriller dramático estrelado pela musa Jennifer Lopez voltou a ser “manchete” ao adentrar o top 10 da Netflix. Quem sabe devido à nova popularidade da cantora latina em seu relacionamento de contos de fada com o ex, Ben Affleck. A trama aqui é uma espécie de “o que aconteceria se em Dormindo com o Inimigo, Julia Roberts resolvesse revidar as pancadas no marido”. Lançado quase dez anos depois do filme citado, a proposta aqui era mostrar que a mulher vítima de abuso doméstico não precisa aguentar calada. É o que faz a personagem principal, que, cansada de apanhar do marido, resolve aprender a luta marcial krav maga e surrá-lo também. Soa perigoso e insano? Sim. E talvez por isso os críticos o tenham recebido com 22% de aprovação. Nas bilheterias, o filme da Sony (Columbia) quase não conseguiu se pagar, e com um orçamento de US$38 milhões, arrecadou US$40 milhões nos EUA, e US$51 milhões totais ao redor do mundo.
A Cura
Que filme é esse, você pergunta? Sim, é verdade, a estadia deste terror foi tão rápida nos cinemas no início de 2017 que a maioria sequer o notou. Mas não importa, pois na Netflix o longa (e bota longa nisso, já que possui 2h 26 minutos de projeção) ganhou sobrevida na Netflix adentrando seu top 10 dos mais vistos. Não pense você, no entanto, que esta é uma produção B qualquer. Com o nome da 20th Century Fox produzindo, o filme marcou o retorno de Gore Verbinski (do ótimo remake americano de O Chamado) ao gênero que o consagrou. O resultado, porém, não foi exatamente o planejado por todos. Muito estiloso em sua forma visual, a história mostra um jovem (Dane DeHaan) se aventurando em descobrir o paradeiro de um colega de trabalho que desapareceu num misterioso spa de bem-estar nos Alpes Suíços. O local, é claro, guarda segredos escabrosos. A Cura custou US$40 milhões e fez apenas US$8 milhões nos EUA, e US$26 milhões mundiais em bilheteria. Já com a crítica, A Cura recebeu 42% de aprovação.
O Justiceiro
A Marvel hoje é a maior potência do cinema, considerada irretocável por muitos fãs. Porém, ao voltarmos para o início de sua ascensão, enquanto ainda tinha muitas de suas propriedades espalhadas por outros estúdios, iremos perceber o quanto foi longo o caminho do estúdio para chegar onde chegou. Um dos primeiros passos foi com este O Justiceiro, uma versão em grande escala do anti-herói de seu universo, cuja narrativa não utiliza nenhum elemento fantástico e cujo tema é considerado muito pesado e deprimente até mesmo pelos fãs. Basicamente a história é a seguinte: o policial Frank Castle (Thomas Jane) tem a família assassinada por mafiosos. Deixado para morrer, ele finge sua morte e ressurge como um justiceiro violentíssimo, eliminando não apenas os que o fizeram mal, mas todo criminoso que cruza seu caminho. O personagem já havia ganhado um longa com ares de filme B em 1989, protagonizado por Dolph Lundgren. Mas seguindo o rastro de X-Men (2000), Homem-Aranha (2002) e HULK (2003), era a vez do Justiceiro estrelar um blockbuster em 2004. Com John Travolta como chamariz no elenco no papel do vilão, o filme naufragou e no Brasil não chegou nem a passar nos cinemas. Com um orçamento de US$33 milhões, o filme viu o mesmo valor em bilheteria nos EUA, e ao redor do mundo um pouco mais com US$54 milhões. A crítica também não gostou, com 29% de aprovação.
Os Mortos Não Morrem
Esse filme parecia não ter como errar. Isso porque fazia a junção de dois elementos que prometiam agradar a gregos e troianos. Os zumbis são as criaturas monstruosas mais populares da cultura pop hoje e continuam a dar frutos. Tudo quanto é tipo de história segue sendo contada envolvendo os comedores de carne humana em realidades apocalípticas. Se pegarmos essa temática e adicionarmos o estilo do diretor indie Jim Jarmusch, extremamente cultuado pelos cinéfilos amantes de “filmes de arte”, o resultado só poderia ser puro ouro. Bem, era o que se esperava. O resultado de Os Mortos Não Morrem, no entanto, foi bem outro. Tido como uma comédia, o filme comete o maior dos pecados do gênero: simplesmente não tem graça. O timing do humor está completamente desligado e as tentativas de humor caem por terra toda vez. Na descrição também temos o terror, mas o filme tampouco dá medo. Com um elenco de peso, de nomes como Bill Murray, Adam Driver e Tilda Swinton, Os Mortos Não Morrem é uma experiência apática para sua audiência. Por isso, recebeu 54% de aprovação dos críticos e embora seu orçamento não seja divulgado, fez em bilheteria nos EUA US$6 milhões e US$15 milhões mundiais. Mas na Netflix talvez tenha recuperado um pouco de seu prestígio.
Pequena Grande Vida
Um dos filmes mais “What the Fuck?” de anos recentes, este longa estrelado por Matt Damon está completando 5 anos de seu lançamento em 2022. De fato, essa foi a expressão que usei para defini-lo quando o assisti em primeira mão direto do festival de Toronto. O filme do geralmente eficiente Alexander Payne dá uma verdadeira volta ao mundo, seguindo por todos os lados sem muito foco em suas arrastadíssimas 2h 15 minutos de duração – que parecem intermináveis. Na trama, o personagem de Damon passa por um experimento e diminui fisicamente de tamanho, a fim de cortar um pouco suas despesas. Sua esposa, por outro lado, desiste do combinado e o abandona na hora H. O drama não funciona e nem a comédia, e por isso Pequena Grande Vida recebeu apenas 47% de aprovação dos críticos. A Paramount investiu US$68 milhões no filme, mas viu retorno apenas de US$24 milhões nos EUA, e US$55 milhões mundiais. Já na Netflix… bem, você já sabe.
O Último Caçador de Bruxas
Sabe aquela história de ator de um papel só? Ou ator que só funciona em um filme ou franquia? Pois bem, essa é a história que resume o astro Vin Diesel. Ele até que tenta, e investe em outros tipos de personagens dentro de sua alçada, sempre esperando tirar da manga uma nova franquia para chamar de sua. Mas o fato é: ele só dá certo dentro do universo de Velozes e Furiosos. O mais curioso é que de começo, Diesel não queria ficar preso ao papel de Dom Toretto e disse não para a primeira continuação de Velozes e Furiosos, retornando somente para um ponta no terceiro. A esta altura, o ator já havia entendido que seu lugar era como Toretto na franquia, e a partir do quarto filme, em 2009, não se separariam mais. Voltando para 2015, Diesel, que é um aficionado por fantasia e ficção, resolveu estrelar um pseudo filme de terror, no papel de um caçador de bruxas milenar, vivendo através dos tempos como um Highlander para cumprir sua missão. De quebra o ator ainda teve a oportunidade de contracenar com o grande Michael Caine. A superprodução fez uso de US$90 milhões de orçamento e viu de retorno fraquíssimos US$27 milhões em bilheteria nos EUA – sorte que internacionalmente fez mais US$119 milhões. Com os críticos não houve salvação, com 18% de aprovação.
Como se Tornar o Pior Aluno da Escola
Outro filme que está completando cinco anos de seu lançamento é a comédia escrachada nacional, escrita, produzida e estrelada pelo humorista Danilo Gentili. O comediante e ator já havia estado na “boca do sapo” na época do lançamento do filme nos cinemas, e agora o longa voltou a se envolver em polêmica cinco anos depois de sua estreia, ao adentrar no acervo da Netflix. Para o streaming, qualquer publicidade é boa publicidade e a controvérsia acerca do filme o colocou no top 10 dos mais vistos e comentados. É o famoso tiro no pé de quem é a favor de boicotar ou censurar a arte – sendo que a melhor punição para algo que não gostamos é o esquecimento. Assim como a rede Globo e o STF, Danilo Gentili parece não ter como ganhar no meio desta polarização política que o mundo se vê. Devido ao posicionamento político do humorista, mais voltado para a direita, e também pelo teor politicamente incorreto do longa, o filme foi atacado em sua estreia nos cinemas por jornalistas de ideologia voltada a esquerda. Agora, na Netflix, o boicote veio por parte dos apoiadores do governo, ou seja, da própria direita bolsonarista, em especial devido a uma cena envolvendo a participação de Fábio Porchat e a alusão ao abuso de menores.