Talvez o termo que mais faça os cinéfilos rangerem os dentes seja remake. As infames refilmagens chegaram para ficar e, em sua grande maioria com toda certeza são, digamos, no mínimo desnecessárias. Mas é claro que para toda regra existe a exceção. E assim, para cada 10 obras refilmadas, ganhamos ao menos uma para salvar o dia.
Esses bons exemplares servem, acima de tudo, para mostrar que se desenvolvidos da maneira certa, os remakes pode acrescentar muito ao material original, expandindo sua mitologia e modernizando o conceito para os novos tempos e novos públicos – sem que precisemos esquecer do clássico. Um bom exemplo disso é o que a série Westworld criou, em especial em sua primeira temporada, em relação ao que havia sido trabalhado no filme homônimo de 1973.
Pensando nisso, o CinePOP cria uma nova matéria colocando nos holofotes algumas ótimas refilmagens que, além de funcionarem muito bem por conta própria, ainda conseguem ser tão boas (ou quem sabe até melhores) que os filmes originais. Vem conhecer.
A Mosca (1986)
Baseado no conto homônimo de George Langelaan, A Mosca da Cabeça Branca (1958) é uma produção B da FOX que ganhou status de cult – e foi lançada numa época áurea para este tipo de filme, ficções científicas e histórias fantásticas. Quase trinta anos depois do original, a mesma FOX lançava o remake, e não poderia ter escalado diretor melhor, já que David Cronenberg fez carreira em cima do horror corpóreo e do grotesco – encaixes perfeitos para a natureza desta trama.
Nas duas versões, o protagonista brinca de Deus ao criar uma nova tecnologia que transporta matéria de um receptáculo ao outro. Ambos são obcecados com seu trabalho e têm seus laboratórios em sua própria casa. A diferença é que no original, Andre (David Hedison) é um pai de família e sua mulher (Patricia Owens) é a verdadeira protagonista. A história também começa pelo fim, e o que vemos é inteiramente um flashback contado pela esposa. A experiência, por sua vez, termina por dividir Andre em dois seres. O remake ganha ares de superprodução, com um orçamento de US$15 milhões – o que eleva os efeitos práticos criados aqui a outro patamar, ainda hoje alguns dos mais memoráveis da década e vencedor do Oscar de melhor maquiagem.
Bravura Indômita (2010)
Essa é páreo duro. O filme original conta com uma grande atuação do eterno cowboy John Wayne, que inclusive conquistou o único Oscar de sua carreira pelo trabalho, e está no panteão de seus melhores filmes do gênero. Lançado em 1969, o longa é baseado no livro de Charles Portis e também recebeu indicação no Oscar por sua canção original. Quarenta e um anos depois foi a vez dos irmãos Coen, celebrados cineastas, adaptarem o clássico faroeste para a Paramount.
Se formos comparar unicamente os prestígios das produções, a versão dos Coen sai na frente, com 10 indicações ao Oscar – entre elas melhor filme, diretor, roteiro, fotografia, ator principal e atriz coadjuvante -, mesmo que não tenha levado nenhuma. O veterano Jeff Bridges faz um trabalho tão bom quanto Wayne na pele do caolho Rooster Cogburn, e Matt Damon e Josh Brolin são adições de luxo a qualquer elenco. Se tem outro ponto no qual o remake sai vitorioso novamente é na escalação da menina Hailee Steinfeld no papel de Mattie Ross. A começar que Steinfeld tinha mesmo 16 anos na época, ao contrário dos vinte e poucos de Kim Darby no filme original. Uma das principais diferenças é a inclusão de um epílogo com Mattie já adulta e sem braço, ausente no clássico.
Sob o Domínio do Mal (2004)
Outra disputa duríssima. Paranoia é a palavra central desta trama escrita pelo autor Richard Condon, que teve o seu livro adaptado ao cinema pelo diretor John Frankenheimer em 1962. Aqui, a Guerra-Fria e o pânico norte-americano do comunismo servem como tema na história sobre um grupo de militares dos EUA sequestrado por forças soviéticas durante uma operação em terras estrangeiras, sofrendo lavagem cerebral a fim de cometerem atos terríveis. Tudo canalizado por uma família política ambiciosa e sem escrúpulos.
No remake de Jonathan Demme (O Silêncio dos Inocentes), lançado 42 anos depois do original, sai a paranoia da Guerra Fria, dos coreanos, soviéticos e comunistas, e entra a da Guerra do Golfo, a dos atentados terroristas, e de grandes empresas farmacêuticas e militares. Sai também Frank Sinatra como o protagonista Marco e entra Denzel Washington, servindo a narrativa de maior representatividade. Outros membros do batalhão ganham mais destaque no remake também, além de qualquer filme lucrar com a presença de Meryl Streep. Aliás, o remake ganha muitos pontos somente pela dobradinha Washington/Streep.
Um Crime Perfeito (1998)
Esta remake orquestrado por Andrew Davis (O Fugitivo) consegue um feito impensável: melhorar Alfred Hitchcock. Baseado na peça de Frederick Knott, Hitchcock cria Disque M para Matar (1954) bem no estilo de uma montagem teatral – com poucos cenários (basicamente o apartamento do casal protagonista) e a ação toda baseada em diálogos. O fato faz deste longa uma bela companhia para Festim Diabólico (1948), outra obra do icônico diretor confeccionada em tais moldes.
O remake, mais arrojado e chamativo, acerta ao mesclar os personagens do assassino e do amante num só, eliminando assim a existência de um “mocinho”. Na nova versão, não existem santos, e sim pecadores – o que torna tudo mais crível. Outro ponto a favor é a concentração de uma linha investigativa, ao contrário da “volta ao mundo” que a polícia precisa realizar para conseguir concluir o caso no original. E o que dizer do “passeio” que uma condenada à morte é permitida fazer bem na véspera de sua execução – bem, hoje em dia tais momentos podem não descer tão redondos assim, e o remake fez bem em elimina-los. Fora isso, na refilmagem não existe espaço para a comicidade, incluída no original através do Inspetor Hubbard (John Williams), quase um Poirot. Talvez por isso, no remake tenha sido escalado para o mesmo personagem o ator David Suchet, que viveu o detetive criado por Agatha Christie na série homônima, de 1989 a 2013.
A Pequena Loja de Horrores (1986)
Dirigido pelo rei do cinema B Roger Corman, esta produção de baixo orçamento lançada em 1960 pode se gabar de sua ideia original e alucinada, e de ser um dos primeiros projetos a contar com a participação do astro Jack Nicholson num papel coadjuvante. A trama mostra um tímido funcionário de uma floricultura descobrindo uma planta carnívora como nenhuma outra. O filme, que mistura comédia e terror, se tornou cult e virou um musical nos palcos no início da década de 1980.
Em 1986, tal peça era adaptada ao cinema na forma de uma grande produção dirigida por Frank Oz. Igualmente um musical, o filme manteve alguns atores dos palcos e adicionou grandes nomes da comédia de Hollywood dos anos 1980 ao elenco – gente como Rick Moranis, Steve Martin, Bill Murray e John Candy desfilam em tela. O remake ganhou ainda mais tintas de item cult, se tornando unanimemente preferida em relação ao original. A surpresa é que uma nova versão da história está sendo desenvolvida pelo diretor de Com Amor, Simon (2018), e com Scarlett Johansson, Chris Evans e Taron Egerton no elenco.
Scarface (1983)
Por falar em remakes da década de 1980 que ganharão novos remakes, aqui temos o inesquecível neoclássico de Brian De Palma, com uma das mais chamativas atuações do mestre Al Pacino. Scarface: A Vergonha de uma Nação (1932) é um dos filmes responsáveis por cimentar o cinema de máfia e suas alegorias como conhecemos hoje. A influência do longa sobre um bandido chamado Tony que escala até o topo do submundo do crime ecoa até hoje.
Cinquenta e um (uma boa ideia) anos depois, o diretor De Palma reimaginaria o clássico, com roteiro assinado por Oliver Stone. A ideia é tirar a história de Chicago e a levar até Miami, onde um imigrante ilegal foragido de Cuba faz a trama ganhar novos contextos políticos. Pacino vive o Tony da vez, e assim como no original sobe na cadeia alimentar da contravenção, assassinatos e todo tipo de crime até o topo. Mesmo tido como exagerado hoje, o remake de Scarface é um dos filmes mais adorados do gênero, e conta com coadjuvantes de luxo como Michelle Pfeiffer e Mary Elizabeth Mastrantonio. Outra semelhança entre os longas é a frase “The World is Yours”, mostrada em momentos específicos de ambos.
O Professor Aloprado (1996)
O saudoso Jerry Lewis ficou imortalizado como um dos maiores nomes do humor no cinema mundial. E foi justamente de sua cabeça que saiu a ideia para O Professor Aloprado – a história sobre um gênio da ciência muito tímido e atrapalhado (o típico nerd), cuja maior vontade é ser popular com as mulheres. Bem, não se pode ter tudo. Ou será que sim? Escrito e dirigido pelo próprio ator, esta espécie de O Médico e o Monstro cômico foi lançado em 1963, e mostra um sujeito retraído criando uma fórmula que o torna um “ás” com as mulheres – hoje, leia-se um “macho tóxico”.
O Professor Aloprado, de Jerry Lewis, foi um sucesso e se tornou seu filme mais famoso. Trinta e três anos depois, outro humorista sensação se apropriou do material, elevando ainda mais o jogo. Eddie Murphy foi sucesso no humorístico Saturday Night Live, e em seu início de carreira no cinema marcou um golaço com Um Tira da Pesada (1984). Depois disso, ficou entre altos e baixos, e foi com sua versão de O Professor Aloprado que o ator recuperaria seu status de outrora. Então, mais do que um filme, para Murphy a obra significou o resgate de sua carreira. A boa sacada do roteiro é fazer do protagonista um homem com baixa autoestima devido ao sobrepeso. A lição final, no entanto, é o oposto da gordofobia, é a de aceitarmos quem somos de verdade. Outro ponto positivo é a atuação de Murphy como vários membros da família Klump, referência a Um Príncipe em Nova York (1988), outro grande acerto de sua filmografia.
Onze Homens e um Segredo (2001)
Já tivemos um filme protagonizado por Frank Sinatra na lista, e agora chega o segundo. Tanto Sob o Domínio do Mal (1962) quanto Onze Homens e um Segredo (1960) são ótimos filmes, mas produtos de seu tempo. Aqui mais ainda, o longa parece ter sido feito na famosa circunstância da camaradagem – pense em Adam Sandler e seus amigos saindo de férias para gravar Gente Grande, por exemplo. Na década de 1960, tínhamos o chamado Rat Pack (o “grupo de ratos”), comandado por Sinatra e seus comparsas (Sammy Davis Jr., Dean Martin, entre outros) – um grupo de malandros sedutores, que adoravam beber e fumar, e eram os caras mais descolados da época.
Justamente por isso, quando foi a hora do alternativo Steven Soderbergh regravar o longa 41 anos depois, sua principal motivação foi reunir um elenco tão “legal” quanto e estipular o clima de brincadeira e camaradagem nos bastidores – que se reflete na tela. Assim, George Clooney, Brad Pitt, Matt Damon, Julia Roberts, entre outros, desfilam num dos maiores e melhores elencos de todos os tempos. É claro que para esta modernização a trama fica um pouco mais complexa e repleta de reviravoltas – assim como melhor aprofundamento de personagens. A principal diferença é, claro, o avanço na tecnologia, e o fato de que no original todos eram colegas das forças armadas planejando um grande golpe em Las Vegas.
Guerra dos Mundos (2005)
Tudo começou com a obra literária do autor H.G. Wells, que conta em detalhes como ocorreria uma invasão alienígena na Terra saída de Marte – lançada ainda em 1897. Antes desta primeira adaptação do livro clássico ao cinema, de 1953, no entanto, tivemos a infame transmissão de rádio, na qual Orson Welles relata a chegada de marcianos ao nosso planeta de forma tão precisa que criou uma histeria em massa, em 1938. Produzido por dois anos até seu lançamento, a Paramount criou esta superprodução – que pegava carona no filão da década da ficção científica, com diversos paralelos traçados, o maior deles sendo o medo e a paranoia do “estrangeiro” em meio à Guerra Fria.
E quando pensamos em alienígenas e superproduções, qual cineasta vêm à mente de forma quase instantânea. Acertou quem disse Steven Spielberg. Após os sucessos de Contatos Imediatos do Terceiro Grau (1977) e E.T. – O Extraterrestre (1982), o diretor trata pela primeira vez os visitantes interplanetários como vilões – afinal, esta é toda a essência do material original. Mesmo após Independence Day (1996) – o Guerra dos Mundos dos novos tempos – Spielberg consegue entregar uma obra relevante, em especial por centrar sua trama numa família: um pai fazendo de tudo para proteger seus dois filhos. Pode parecer destoante, mas o que o cineasta faz é algo mais intimista, pessoal e dramático dentro da megalomania que uma situação destas apresenta.
O Enigma de Outro Mundo (1982)
Como dito, os anos 1950 foram o berço da ficção científica no cinema – com diversas produções clássicas desta época ainda lembradas como alguns dos maiores exemplares do gênero na sétima arte. É exatamente onde O Monstro do Ártico (1951) se encaixa. Baseado no conto ‘Who Goes There’, de John W. Campbell Jr., o filme apresenta um grupo de cientistas e militares em uma base americana no Alaska, descobrindo uma criatura alienígena congelada na neve. A criatura, é claro, foge e se torna uma ameaça para a equipe, matando seus membros.
Trinta e um anos depois, o cultuado John Carpenter, então no auge de sua carreira, refilma a obra, dando sua própria abordagem diferenciada. A trama é movida para a Antártida, onde temos desta vez uma equipe inteiramente constituída de homens, ao contrário do original. Além disso, o terror começa em uma base norueguesa vizinha, e o primeiro contato com o monstro é através de um cachorro contaminado. A grande diferença, entretanto, é a maior graça do remake. Enquanto no original, a produção não contava com um orçamento folgado, a criatura era apenas um monstro de macacão no estilo Frankenstein, descrito como um vegetal humanoide. Já na refilmagem, Carpenter pôde brincar bastante com o conceito, fazendo da criatura um ser transmorfo, que podia se parecer com qualquer um, inclusive animais, como cachorros. Ao mesmo tempo em que as mutações grotescas se tornaram o chamariz do longa, com efeitos práticos reverenciados até hoje.