Quem não gosta de um bom filme de tribunal? Daqueles profundos, reflexivos, que nos fazem acompanhar com um grande ar de curiosidade as evoluções das surpresas que vemos pelo caminho. Culpado? Inocente? Dúvidas? Tem drama, tem comédia, tem assuntos polêmicos, tudo isso e muito mais debatidos de alguma forma dentro de um tribunal.
Sendo assim, resolvi criar essa humilde lista, que vão ter várias partes lançadas sempre que possível. Nessa primeira lista dos Ótimos Filmes de Tribunal, tem filme da Holanda, da Bélgica, da França, da Coreia do Sul, dos Eua. Espero que gostem!
A Acusada (Holanda, 2014)
Dirigido pela cineasta holandesa Paula van der Oest, A Acusada é um daqueles impactantes filmes de tribunal onde a cada sequência vamos tendo novas argumentações, e, segredos são revelados. Com uma atuação beirando ao espetacular da experiente atriz Ariane Schluter, o longa-metragem (indicado pela Holanda ao Oscar na categoria Melhor Filme Estrangeiro no ano de seu lançamento) cria um clima de tensão profundo ao longo desses seus objetivos minutos de projeção.
Na trama, somos convidados a explorar a história da enfermeira Lucia de Berk (Ariane Schluter) uma mulher condenada à prisão perpétua em 2003 pela morte de sete pacientes. Ao longo da trama, vamos descobrindo segredos sobre o controverso processo de acusação feito pela promotoria, apenas baseado em dados estatísticos contra a réu. Sempre alegando ser inocente e sendo tratada como uma das maiores assassinas da história da Holanda, Lucia de Berk precisou enfrentar a desconfiança de quase todos para poder provar sua inocência.
O filme muda sua perspectiva a cada instante, consegue ser dinâmico e muito denso ao mesmo tempo. É extremamente fiel a seu intuito e revelador na arte de apresentar seus segredos ao espectador. Após a apresentação dos personagens, um enorme dilema jurídico é instaurado no filme. Nessa parte é que a fita cresce bastante, deixando até leigos em direito com enorme interesse em saber as conclusões desta forte história.
A atuação da atriz Ariane Schluter é avultada, compõe sua personagem de maneira cravejada, buscando o tempo todo transmitir suas angústias, medos e incertezas ao público. Ao longo dessa singular jornada, tiramos muitas conclusões da enfermeira Lucia de Berk. Ficamos com raiva e de repente estamos indignados. O roteiro, escrito por Moniek Kramer e Tijs van Marle merecem todos os méritos por esse conflito de conclusões.
Juror 8 – (Coreia do Sul, 2019)
A grande dúvida entre a condenação e a absolvição pelos olhos de quem vive em uma sociedade. Lançado em novembro do ano passado no Japão e com remotíssimas chances de chegar até o circuito exibidor brasileiro (talvez pela falta de faro de pequenas e medias distribuidoras), Jurado 8, (Juror 8, no original), baseado em fatos reais, conta um pouco do início do júri popular na Coreia do Sul, abordando um julgamento complicado e mesclando drama profundo com pitadas cômicas. A fórmula dá certo e somos testemunhas de um apanhado de argumentos em volta de um grande júri. Interessante fita dirigida pelo cineasta Seung-wan Hong debutando na função.
Na trama, somos colocados no ano de 2008 onde acontecem os preparativos para o primeiro julgamento no país com a participação de um júri popular formado por oito pessoas completamente diferentes. Após essa seleção, o julgamento de um homem com problemas psicológicos acusado de matar sua mãe é o caso. Assim, argumentos de defesa e acusação se entrelaçam nas dúvidas simples desse corpo de jurados. Quase terminando em um resultado rápido e na visão deles óbvio, o jurado 8 levanta uma questão importante e o julgamento se prolonga com todos os recursos dessas oito pessoas em busca da verdade sobre o caso.
O filme possui várias óticas para analisarmos. A juíza do caso busca a todo instante ser paciente com os inusitados pedidos dos jurados e no fundo compreende que é necessário para o mais próximo do acerto do resultado do julgamento. A ótica dos jurados é liderada pelo jurado número 8, um jovem que acabara de tentar patentear um produto, maior pensador das dúvidas do processo que estão. O filme mostra também o enrolado início desse modelo jurídico com o júri popular, momentos que são transformados em sutis pitadas cômicas e até certo ponto bastante críticas representadas principalmente pelos que estão ao redor da juíza.
Jurado 8 deve agradar não só quem estuda direito mas também a todos que curtem bons filmes com inúmeros argumentos que nos fazem pensar muito sobre o que acontece nos jurídicos pelo mundo.
Os 7 de Chicago – (EUA, 2020)
O egocentrismo, a causa, os absurdos em um mundo em constante mudanças, formas de pensar e muita luta. Escrito e dirigido por Aaron Sorkin, Os 7 de Chicago é um filme feito para quem conheceu o epicentro da trama, as linhas do confuso roteiro gera dúvidas no espectador a todo instante principalmente pelo primeiro arco bastante confuso. Mas o elenco é fantástico e faz a diferença, muitas vezes segura as pontas do roteiro bem complicado escrito por Sorkin. Sacha Baron Cohen mereceu concorrer a prêmios por esse papel, baita atuação.
The Trial of the Chicago 7, no original, conta a história de alguns líderes de movimentos sociais dos Estados Unidos que são acusados pelo governo dos Estados Unidos por conta de um grave conflito relacionado à Guerra do Vietnam que resultou em uma batalha sangrenta entre a polícia e os manifestantes. Assim, com a ajuda do advogado William Kunstler (Mark Rylance), o grupo precisará enfrentar um longo julgamento em busca da absolvição total.
A excentricidade para mostrar a luta pelos direitos de mudança. É muito complicado para um filme retratar por completo uma história real de grandes proporções como essa de Os 7 de Chicago. Há muitas maneiras de tentar visualizar tudo, a porta aberta por Sorkin foi tentar criar um grande espetáculo cinematográfico, onde o drama e as pitadas cômicas se misturam de maneira confusa mas que pela força do elenco e o grande carisma visto tentam explicar todo o contexto envolta desse conturbado julgamento que atraiu a atenção de todos na época mas é um assunto ainda bem desconhecido de quem não vive em solo norte-americano. Talvez, para tentar entender por completo e quem sabe até compreender melhor as entrelinhas do que Sorkin quis mostrar, boas leituras sobre o tema deverão ser complementares.
Sem Evidências – (EUA, 2013)
Indicado ao Oscar pelo maravilhoso trabalho no sensacional O Doce Amanhã (1997), o cineasta egípcio Atom Egoyan, bastante conhecido pelos cinéfilos, voltou aos cinemas no ano de 2013 com o misterioso filme de tribunal Sem Evidências. Reunindo dois rostos famosos, ganhadores de Oscar, Colin Firth e Reese Whiterspoon, o drama é baseado em uma história real que aconteceu em 1993 nos Estados Unidos. Por mais que seja um filme com muitas cenas no tribunal, Egoyan consegue com muita habilidade não deixar o longa-metragem maçante. Todos os elementos dessa conturbada história são expostos na tela, deixando o espectador dar seu veredito final.
Na trama, voltamos ao ano de 1993, onde os jovens Damien Echols (James Hamrick), Jason Baldwin (Seth Meriwether) e Jessie Misskelley Jr.(Kristopher Higgins) foram acusados de assassinar três crianças. Durante o julgamento, os advogados de defesa contam com a ajuda de um investigador criminal chamado Lon Rax (Colin Firth) que, totalmente contrário a sentença de morte, começa a juntar peças soltas deste complicado quebra-cabeça.
O grande divisor de águas deste trabalho é a maneira como Egoyan apresenta os fatos, não focando exclusivamente em um possível filme sobre tribunal. O olhar e desconfiança da mãe de uma das vítimas (muito bem interpretada por Reese Whiterspoon), os argumentos inteligentes do investigador criminal, toda a problemática politicagem em torno das ações da polícia neste caso, preenchem lacunas e/ou nos fazem pensar que muitas peças deste famoso caso não se encaixam.
Baseado no livro Devils Knot: The True Story of the West Memphis Three de Mara Leveritt, Sem Evidências teve um modesto lançamento no circuito nacional na época do seu lançamento, principalmente no Rio de Janeiro. Uma grande pena, é um trabalho que, sem dúvidas, merece ser conferido pelos cinéfilos. Egoyan mais uma vez mostra que sabe, como poucos cineastas, retratar com muita verdade os dramas de nossa sociedade.
A Corte – (França, 2015)
Se o amor é fantasia, eu me encontro ultimamente em pleno carnaval. Escrito e dirigido pelo cineasta parisiense Christian Vincent (Os Sabores do Palácio), A Corte fala sobre a rigidez e postura de uma alma tímida e sem coragem para amar. Protagonizado pelo excelente Fabrice Luchini e com uma atuação delicada mas profunda da atriz dinamarquesa Sidse Babett Knudsen (Depois do Casamento) o filme deve conquistar o público cinéfilo facilmente. Um dos fatores mais intrigantes deste trabalho é o fato de ser difícil definir um gênero para o filme. Alguns vão falar que é um drama leve, outros vão dizer que é uma quase comédia romântica. O roteiro flutua em diversos gêneros e isso, sem dúvidas, é um dos méritos deste belo trabalho que compôs a seleção do Festival Varilux de Cinema Francês de 2015.
Integrante dos seletos filmes da edição do Festival de Veneza no ano de seu lançamento, A Corte conta a história de um recluso e competente juiz, Michel Racine (Fabrice Luchini), que as vésperas de mais um júri popular, que deverá julgar um pai acusado de homicídio da filha, reencontra a enfermeira Ditte (Sidse Babett Knudsen), uma mulher com que o senhor juiz tem um passado de amor secreto e unilateral. Assim, ao longo dos intensos dias no tribunal Michel Recine precisará equilibrar toda sua emoção e continuar fazendo justiça.
O que mais chama a atenção em toda a projeção é o desenvolvimento do protagonista feito maravilhosamente bem pelo experiente Fabrice Luchini. O Juiz Recine é odiado por muitos personagens mas com certeza se torna amado por grande parte do público. O fato do amor renascer em sua pacata vida leva o personagem a um curto e instantâneo período de transformação que acaba até melhorando sua vida profissional. Essa questão do amor não correspondido é muita bem inserida dentro da trama e conta com atuações acima da média para que a magia aconteça na tela.
A Corte não é uma história de amor, em muitos momentos é uma história narrada dentro de um tribunal mas onde essa questão jurídica é totalmente deixada em segundo plano. Os diálogos entre Recine e Ditte são esplendorosos, conseguimos sentir angústia, ansiedade e muito carinho que brota entre os dois. A Corte poderia ser um seriado, daqueles que causam uma boa impressão logo de cara, e esse longa-metragem seu piloto. Os recortes de gêneros são feitos com muita harmonia e simpatia. Uma história de amor? Um drama? Um filme de tribunal? Tudo isso e muito mais neste belo trabalho.
O Veredito – (Bélgica, 2013)
Os absurdos dos limites da lei. Lançado no segundo semestre de 2013 na Bélgica, escrito e dirigido pelo cineasta belga Jan Verheyen, O Veredito, Het vonnis no original, é um quase escandaloso jogo de sinuca imposto pelo absurdo, por conta de um erro estúpido dentro do processo coloca-se em cheque as leis, o ministro, o alto gabinete jurídico e a falta de bom senso do sistema na figura de um homem que perdeu a forma mais correta de obter justiça para sua dor e sofrimento. Um prato cheio para quem gosta de filmes de tribunais. Grata surpresa. Infelizmente não está em nenhum streaming disponível no Brasil, deveria.
Na trama, conhecemos Luc (Koen De Bouw), um engenheiro competente que está prestes a ser nomeado CEO da empresa que trabalha a mais de duas décadas. Mas, certa noite, quando estaciona para abastecer o carro com sua filha e esposa, acaba vendo a segunda morrendo assassinada por um bandido que foge correndo. Infelizmente, a primeira acaba morrendo também de uma fatalidade desse mesmo pós momento. Sem chão e tentando reunir os cacos, Luc se distancia do seu emprego e vê seu mundo desmoronar de vez quando o assassino de sua esposa é preso mas solto porque faltou uma assinatura na papelada de prisão o que inclusive livra o bandido das acusações. Assim, Luc assassina o bandido e faz questão de ser julgado pelo crime, o que leva a uma grande confusão nos bastidores do poder judiciário belga.
A premissa é simples: Um homem em busca de justiça lutando curiosamente, de certa forma, contra a lei. Certo? Errado? Um objetivo: vingar de alguma forma, inclusive pelos olhos da lei, o terrível assassinato de sua esposa que também acabou contribuindo para a morte da filha. O filme é muito tenso, vemos a todo instante aqueles corredores percorridos por engravatados contidos dentro do sistema judicial sob enorme pressão da mídia, do povo. Cada detalhe é captado pela ágil lente do diretor. Somos nós, de alguma forma, também, do lado de cá da telona que decidimos se ele é culpado ou inocente tendo em vista tudo que ele passou.
Após curtos arcos construtivos contando alguns porquês, uma enorme batalha chega ao tribunal, advogados defendendo suas estratégias, alguns provocando inclusive o colega, psicólogos com teorias e certezas, psiquiatras buscando explicações sobre o emocional, no caso, que ajudem a defender ou não as estratégias de ambos os lados. Mas engana-se quem pensou que só veríamos os duelos dentro do tribunal, longe dali, no alto escalão do poder, peças são mexidas.
Um filme cheio de tensão que escancara pequenos erros que podem fazer grandes diferentes em alguns sistemas jurídicos mas que também reflete dentro da ótica da emoção do protagonista pois a verdadeira prisão dele, a da dor da solidão é quase perpétua não importa onde esteja.