Felicidade não existe, o que existe na vida são momentos felizes. Vem chegando mais um dia dos namorados e isso nos faz refletir sobre as inúmeras histórias de amor que lembramos de ter conferido na tela do cinema (ou na televisão de casa). Mas nem sempre essas histórias possuem finais felizes, há drama, preconceito, obstáculos ligados à tradições, muitas vezes somos testemunhas de uma não aceitação de um sentimento tão puro e bonito como o amor, isso dilacera nossos corações mas nunca deixamos de refletir.
Buscando fugir um pouco de filmes lógicos e já contidos em listas parecidas por aí na imensidão da internet, abaixo temos oito filmes completamente diferentes que de alguma forma circulam na questão dos amores proibidos.
A Amante (2016) – (Tunísia)
Não há prazer em fazer aquilo que você não gosta. Escrito e dirigido pelo cineasta tunisiano Mohamed Ben Attia, estreou no circuito brasileiro anos atrás o ótimo Inhebek Hedi que aqui veio a tradução de A Amante. Ao longo dos cerca de 90 minutos de projeção, acompanhamos uma certa jornada pela solidão, percorrida pelo infeliz protagonista que acaba ganhando a chance de voltar a sorrir por conta de um verdadeiro amor. Fugindo dos clichês sobre cultura e tradição, o foco do roteiro é inteiramente na construção profundo de um impactante personagem principal. Um belo trabalho que foi exibido no Festival de Berlim em 2016.
Na trama, conhecemos Hedi (Majd Mastoura) um representante de vendas da Peugeot que vai se casar (em um casamento arranjado) com uma mulher que fala várias noites em seu carro, escondido de todos. Filho não favorito, se sente abandonado em seus desprazeres por uma vida toda comandada pelos objetivos da família, como marionete de sua mãe. Certo dia, após ser enviado a uma região onde precisa ficar hospedado em um hotel, acaba conhecendo Rym (Rym Ben Messaoud) uma carismática funcionária do lugar. A partir desse encontro, o protagonista precisará passar por escolhas que envolvem a todos ao seu redor.
O amor interrompe as barreiras não só da timidez mas dos sonhos. É bonito de assistir a forma como isso é mostrado no filme. Triste e perambulando dentro do seu carro, Hedi passa por uma desconstrução até a chegada de seus melhores momentos. No início não tem autonomia para nada em sua vida, as expressões do personagem dizem várias coisas, são entrelinhas óbvias e bastante nítidas. A arte sempre esteve presente em sua vida através dos desenhos que faz, praticamente expressa suas emoções para poucos através das imagens que produz. Quando resolve buscar sua própria história, mesmo ainda preso e em dúvida por conta das tradições, se arrisca e o filme ganha contornos de escolhas onde do lado de cá da telona ficamos torcendo para um final feliz. Mas o que seria um final feliz né?
Há tanto guardado dentro do protagonista que a cena impactante num dos diálogos com sua mãe, já em um dos arcos finais é de uma força impactante, fruto também da atuação primorosa do ator tunisiano Majd Mastoura. Um belo trabalho que merece ser conferido por todos que gostam de boas histórias.
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* Está no catálogo da Amazon prime Video *
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Atlantique (2019) – (Senegal)
Em seu primeiro trabalho como diretora, a cineasta francesa Mati Diop consegue reunir elementos físicos e sobrenaturais para nos contar uma história de amor pouco convencional que acontece em Dakar, no Senegal. Em meio a uma paisagem e arcos que remetem ao grande oceano que banha a parte da cidade onde se passa a trama, Diop e suas lentes conseguem uma incrível conexão com quem assiste do lado de cá da telona. Disponível no catálogo da Netflix, o filme levou o grande prêmio do Júri em 2019 no prestigiado Festival de Cannes.
Na trama, conhecemos a jovem Ada (Mame Bineta Sane), uma mulher que vive seus dias atuais na expectativa do casamento arranjado por um homem que não ama. Ada, esconde outra paixão, se encontra escondida com seu grande amor Souleiman (Ibrahima Traoré) sempre que possível. Quando Souleiman resolve, sem avisá-la, partir pelo oceano atrás de uma vida melhor, a vida de Ada ganha novas e curiosas passagens.
Abordar o sobrenatural de maneira interessante é um trabalho para poucos, e esse fato é a grande reviravolta do filme que caminha lentamente pelos detalhes do ambiente deixando surpresas como migalhas em uma trilha até o seu clímax. Dentro do contexto desse bom projeto, o amor é visto de uma ótica bonita através do sentimento, das afinidades, além claro de ótimas pitadas de críticas sobre a condição social da região, costumes e crenças.
Atlantique é um trabalho para ser apreciado. Um pequeno tesouro perdido nos milhares de lançamentos dos streamings. É um filme que cinéfilo tende a gostar, os contornos narrativos transbordam emoções puras que viram paralelos à nossa realidade.
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* Está no catálogo da Netflix *
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A Linha Vermelha do Destino (2019) – (Argentina)
A paciência dos acasos na hora errada. Envolvendo lendas, encontros e desencontros, o romance argentino A Linha Vermelha do Destino, El Hilo Rojo, no original, escrito e dirigido pela cineasta Daniela Goggi baseado na obra homônima de Erika Halvorsen, é um filme com arcos que cansam na melosidade mas provocam raciocínios profundos por conta de uma maturidade para falar de um assunto que gera dor e sofrimento para aqueles que gostam de finais felizes. Os protagonistas, interpretados por Eugenia Suárez e Benjamín Vicuña possuem uma grande harmonia em cena, não beira ao imaginário, muito perto do real. Está disponível no catálogo da Netflix.
Na trama, conhecemos a aeromoça Abril (Eugenia Suárez) que durante um voo acaba se apaixonando pelo sonhador e empreendedor do ramo dos vinhos Manuel (Benjamín Vicuña). Após um desencontro no desembarque, um longo hiato se passa mas o destino quis que eles voltassem a se encontrar, agora, em outras condições, os dois casados e assim, escolhas precisarão serem tomadas por essas duas almas gêmeas.
A questão da maturidade que os dois amantes tentam lidar dentro da situação que estão é um ponto muito interessante a ser analisado. Fugindo dos clichês eminentes, A Linha Vermelha do Destino mostra muitas facetas de um amor quase proibido, ou melhor, impedido, mas que não deixa de acontecer. Há uma delicadeza na condução das sequências, uma lapidada nos arcos (as vezes até demais, deixando chato em alguns momentos) e boas atuações. Os contrapontos existentes viram fábulas do próprio imaginário das duas almas. Qual o destino deles? Finais abertos sempre deixam conclusões para o lado de cá da telona e isso é sempre muito legal.
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* Está no catálogo da Netflix *
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Grand Central (2013) – (França/Áustria)
Quando o amor não basta, o medo consome. Para falar sobre as problemáticas nucleares, uma pincelada crítica dos abalos energéticos de muitos países, a diretora Rebecca Zlotowski (em seu segundo longa-metragem) utiliza uma cobertura romântica protagonizada pela musa do cinema francês, Léa Seydoux. Grand Central pode ser definido também como a história de homens e seu traiçoeiro trabalho que geram conflitos emocionais, físicos e familiares muito bem reproduzidos na telona.
Na trama, conhecemos Gary Manda (Tahar Rahim), um homem sem objetivos que vive pulando de trabalho em trabalho em diversas cidades. Quando os ventos do destino mudam outra vez sua direção, consegue um emprego em uma usina nuclear na França. Por lá faz novos amigos e conhece um grande amor, Karole (Léa Seydoux), namorada de Toni (Denis Ménochet) um dos que o melhor o recebe na nova cidade. Lutando contra um desejo reprimido, tenta sobreviver a um trabalho perigoso e a um amor proibido.
A conflituosa relação que o destino cravou gira quase que exclusivamente em torno do protagonista, um homem que nunca esteve apaixonado e que vive de maneira intensa sua vida. Nas mesas de sinuca ou na estrada andando como nômade à procura de uma razão para sua existência, encontra no amor seus conflitos mais profundos. Um jogo de paixão, desejo e razão vão se misturando, deixando o personagem à deriva de ações inconsequentes.
Obviamente, a intenção da fita era transmitir e criar uma discussão em cima da problemática e os perigos das usinas nucleares. Só que a história que a princípio viria em segundo plano, o amor singelo e bruto entre dois personagens, acaba tomando o papel de protagonista no processo de interação com o espectador muito por conta da intensidade e competência da atriz Léa Seydoux, iluminada (mais uma vez) em cena.
Longe de ser o melhor filme da coadjuvante principal de Azul é a Cor Mais Quente (nem tão pouco seu filme mais polêmico), Grand Central merece ser conferido por todos os cinéfilos pois consegue encontrar em suas subtramas uma inteligente razão de existência.
Desobediência (2017) – (EUA/Reino Unido)
O luto e o amor. Depois de excelentes e elogiados trabalhos nos inesquecíveis, Gloria e Uma Mulher Fantástica, o cineasta chileno Sebastián Lelio enfim chegou ao epicentro das produções mundiais com delicado e interessante projeto Desobediência. Baseado no livro homônimo, de Naomi Alderman, o filme gira em torno de algumas situações que ligam a morte ao amor. Nos papéis principais, as duas melhores Rachels do cinema atualmente, McAdams e Weisz, essa última também assina a produção do longa.
Na trama, conhecemos a fotógrafa Ronit (Rachel Weisz), uma mulher de meia idade, bem sucedida que mora em nova Iorque. Ronit é de família judia, e brigou com sua comunidade tempos atrás. Quando retorna para casa, após um telefonema avisando sobre a morte do pai, acaba reencontrando a melhor amiga de adolescência, Esti (Rachel McAdams) que está casada com Dovid (Alessandro Nivola). A questão é que Esti e Ronit já viveram uma história de amor no passado e com a volta da fotógrafa, as memórias se acendem, gerando um grande conflito na comunidade onde foram criadas.
Com muita delicadeza e atuações maravilhosas, o filme navega em um tom até certo ponto lento mas com um tipo de ritmo envolvente, utilizando a premissa de que ‘uma cena vale mais que mil palavras’. Falando sobre personagens fortes, a direção de Lelio, já acostumado com mulheres guerreiras em conflito, é uma pequena aula de como dirigir um filme sobre as tensões das emoções. Dividido em arcos bem definidos, com subtramas impactantes, o longa navega nas águas do luto e de uma paixão proibida.
Sobre o luto, vemos a dificuldade da protagonista em voltar para enterrar o pai, rabino, esse, totalmente protegido pela comunidade e crença que sempre acreditou. Mesmo como filha, parece não ter direitos, praticamente como se não existisse para aquele grupo de pessoas. Sobre a paixão proibida, envolve três personagens, o amor entre as duas amigas e um marido que segue lemas e crenças. Passando sobre as liberdades do amar, do ir e vir, do casamento, são muitas as questões que o roteiro traz a tona para pensarmos.
Muito se falou sobre cenas fortes, picantes, que o filme possa ter. Mas Desobediência é simplesmente um bonito filme sobre amor e respeito. Além de tudo, sua cena mais linda e emocionante é uma cena de um abraço simbólico que diz muito sobre a vida e as escolhas dos bem escritos personagens.
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* Está no catálogo do Telecineplay *
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Black – Amor em Tempos de Ódio (2015) – (Bélgica)
Os chocantes tempos onde a inconsequência beira ao caos violento de vidas perdidas. Um filme forte, impactante, que mostra a falta de limites do ser humano que só conhece a violência como resposta a qualquer pergunta, Black – Amor em Tempos de Ódio traz para a ficção ações de vândalos, ladrões, traficantes de gangues de jovens em Bruxelas. Há um paralelo com a realidade conforme entendemos nos créditos finais. O filme busca também uma crítica para a ineficácia da polícia nas tentativas de mudanças de comportamentos, em leis não eficientes para o controle de uma situação que está completamente descontrolada. Um explosivo e dramático trabalho da dupla de cineastas Adil El Arbi e Bilall Fallah. Disponível no catálogo do streaming Reserva Imovision.
Na trama, conhecemos Marwan (Aboubakr Bensaihi), um jovem descendente de marroquinos que faz parte de uma gangue que rouba por toda Bruxelas. Em paralelo, conhecemos a também jovem negra Mavela (Martha Canga Antonio) que acaba de iniciar em uma outra gangue, rival da do primeiro. Eles acabam se conhecendo e se apaixonando. Encaram diariamente o certo e o errado bem na frente deles com escolhas podendo serem feitas mas consumidos por razões e emoções que vão desde suas origens até mesmo o eterno conflito do ser humano em ter status, ser o maioral, não importando as formas como se chegam até os objetivos. Mas com a polícia no pé das gangues deles (respectivas) e um eminente confronto violento entre as duas facções, o casal de apaixonados precisará encontrar saídas para se manterem juntos e vivos nessa história.
O subtítulo não poderia ser melhor: O amor em tempos de ódio. Somando a isso, rebeldia, guerras movidas a raça, preconceito, o longa-metragem ao longo de uma hora e meia, mostra a visão de homens e mulheres perdidos na inconsequência, no ganho fácil com um olhar para a violência como algo comum. Dentro dessa ótica, refletimos sobre a tão comentada cultura da violência com exemplos negativos a cada frame. Pelo chocar, Arbi e Fallah buscam o refletir. Até quando jovens, não só na Bélgica, mas pelo mundo, vão perder suas vidas para a banalidade de influências ruins? Onde a sociedade e as forças policiais, que devem proteger, podem se inserir para ajudar nessa situação? Leis mais rígidas? Acompanhamento com psicólogos? Mais tempo no xadrez? Há exemplos de redenção em meio a esse caos? Pra se refletir!
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* Está no catálogo do Reserva Imovision *
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Retrato de uma Jovem em Chamas (2019) – França
Estar livre é estar só? Escrito e dirigido pela ótima cineasta francesa Céline Sciamma (do excelente Tomboy), Portrait de la jeune fille en feu, no original, aborda com sensíveis tons delicados um recorte sobre sentimentos e sensualidade em uma época de muitas limitações para as almas femininas. As memórias e as emoções colocam a iminência de um amor com data de validade marcada mas com uma intensidade para nunca se esquecer. O projeto conta com uma direção impecável com direito a uma arrebatadora sequência final, digna de aplausos. Impressionante filme francês, um dos grandes trabalhos dos últimos anos desse país que volta e meia nos brinda com ótimas produções. Indicado à Palma de Ouro do Festival de Cannes, também ao Bafta e ao Globo de Ouro.
Na trama, conhecemos a jovem pintora Marianne (Noémie Merlant) que é contratada por uma mulher (Valeria Golino) para pintar o retrato de sua filha Héloise (Adèle Haenel). Só que essa última não aceita o futuro casamento que já está entrelaçada com um homem em milão e assim, Marianne precisa disfarçar a princípio seus reais motivos do convívio diário durante algumas semanas com Héloise. Só que após muitas conversas, um interesse mútuo vira algo que transborda, transformando dramas em uma paixão arrebatadora.
O filme, que estreou no Brasil em janeiro (ainda antes da pandemia), possui um certo ar misterioso em seus primeiros arcos, acaba virando um grande pedestal onde diálogos sobre imposições da vida em uma época arcaica, cheia de ações nada progressistas onde a mulher não tinha direitos. Os diálogos sobre cultura e pintura e os paralelos com os dramas de uma sociedade reclusa nas tradições encaixam como uma luva no que vivem ou conhecem da vida as protagonistas. A coadjuvante Sophie (Luàna Bajrami), a empregada da casa de Héloise, tem papel importante com sua subtrama, mais uma vez mostrando o papel das tradições e até mesmo rituais em uma época muito distante da que vivemos.
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* Está no catálogo do Telecineplay *
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Carol (2015) – Reino Unido
Nomeado a muitos prêmios nas principais premiações do cinema mundial, o trabalho do cineasta californiano Todd Haynes (Não Estou Lá) pode ser, desde já, considerado um grande hino ao amor em uma época recheada de preconceito. No papel título, a sensacional atriz australiana Cate Blanchett que mais uma vez realiza um impecável trabalho. Completando o elenco, e em atuações acima da média também, Rooney Mara e Kyle Chandler.
Baseado no livro The Price of Salt (1952), de Patricia Highsmith, Carol é ambientado na década de 50 e conta a história de Carol Aird (Cate Blanchett) uma elegante mulher que vive um casamento de aparências, para os outros diz ainda ser casada mas sua relação com o pai de sua única filha, Harge Aird (Kyle Chandler), já acabou faz tempo. Tendo um histórico de relacionamentos com outras mulheres, Carol se aproxima de encontrar novamente um grande amor quando conhece a vendedora Therese Belivet (Rooney Mara) com quem tem uma linda e inesquecível história de amor.
Uma coisa importante antes de alguns pontos de análise do filme: A personagem principal não é só Carol, Therese Belivet rouba a cena em vários momentos! Descendente de tchecos, Therese é delicada, observadora e que segue seus instintos sem medos. Pelos olhos dessa última, na verdade, que vamos conhecendo as dificuldades da época e grande parte dos ‘clímaxs’ estamos sempre na ótica dessa. Quando as duas estão em cena, o que para nossa sorte são muitas vezes, a troca de olhares entre elas é sempre fulminante, há um interesse forte e recíproco, contido em cada gesto, cada atitude de que vemos ao longo dos 118 minutos de projeção. Blanchett e Mara simplesmente se entregam de corpo e alma em seus papéis.
Carol é uma forte personagem, uma mulher à frente de seu tempo, que causa um verdadeiro e peculiar impacto com sua presença. Quando uma questão jurídica chamada Cláusula da moralidade é presente na trama, vemos um dos maiores absurdos da justiça norte-americana, fruto do preconceito de uma época que não respeitava o amor entre pessoas do mesmo sexo. Mandante desse processo contra Carol, Harge Aird, interpretado pelo ótimo Kyle Chandler, que, entre um drink e outro, não admite perder a esposa, ainda mais para outra mulher, assim, a confronta o tempo inteiro. Pena que o filme não vai muito profundamente nesse briga de emoções, dariam ótimas cenas que deixariam a personagem melhor compreendida.
O longa-metragem concorreu à Palma de Ouro no Festival de Cannes. Além da história muito bonita, uma adaptação muito profunda e interessante, Blanchett e Mara simplesmente valem o ingresso. Belo filme!
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* Está no catálogo da Amazon prime Video *
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