Quando pensamos no cenário da comédia norte-americana, inúmeros nomes vêm à nossa mente – e um deles é o de Melissa McCarthy. A indicada ao Oscar e vencedora de duas estatuetas do Emmy já participou de inúmeras produções cômicas que a colocaram no centro dos holofotes, como ‘Mike & Molly’, ‘Missão Madrinha de Casamento’ e ‘Caça-Fantasmas’. E, em meio à sua prolífica carreira, ‘A Espiã que Sabia de Menos’ desponta como não apenas um de seus melhores projetos, mais uma de suas atuações mais memoráveis.
Inspirado majoritariamente na popularização dos filmes de espionagem com a franquia ‘007’ e similares, o longa-metragem dirigido por Paul Feig acompanha Susan Cooper (McCarthy), uma funcionária da CIA que trabalha como auxiliar e assistente de um superespião de campo chamado Bradley Fine (Jude Law). Ficando nos bastidores e acompanhando cada movimento de seu colega, ela se mostra contente com seu trabalho e até sonha com o dia em que Bradley irá notá-la para além de uma amiga de trabalho – mas as coisas mudam quando ele é assassinado pela perigosa Rayna (Rose Byrne), filha de um mafioso russo que está planejando vender uma arma mortal para um terrorista italiano. Reunindo-se com a diretora da CIA, Elaine Crocker (Allison Janney), ela consegue uma “promoção” como agente de campo e resolve se infiltrar no submundo do crime para prender Rayna e seus associados.
Feig, também responsável pelo roteiro, constrói uma ótima história que aproveita o recente lançamento de títulos como ‘007: Operação Skyfall’ e ‘007 contra Spectre’ para nos manter instigados em um misto de ação e comédia que funciona do começo ao fim em uma espirituosa e despojada narrativa. Susan é a encarnação máxima dos icônicos tropos dos personagens espiões da cultura pop, mas transmuta-se em uma montanha-russa de quebras de expectativa que a tornam imediatamente amável – e que fornece todo o ritmo necessário para acompanharmos o enredo. E, é claro, McCarthy diverte-se como nunca ao encarnar a protagonista e entrega nuances poderosas em uma performance aplaudível.
A atriz, entretanto, não está sozinha nessa empreitada, dividindo os holofotes com desconstruções de arquétipos delineados com cautela meticulosa por Feig. Byrne faz um trabalho fabuloso como a irrefreável e impiedosa Rayna Boyanov, trazendo a atemporalidade de vilões dos anos 1990 para construir uma Femme fatale às avessas, enquanto Jason Statham nos agracia com uma das melhores atuações de sua carreira como Rick Ford, uma proposital caricatura dos mocinhos ultra-machos de filmes do gênero que entra em sintonia exemplar com Susan. Law, Janney, Bobby Cannavale e Miranda Hart também emprestam suas habilidades irrefreáveis para dar ainda mais camadas ao andamento da obra.
Um dos aspectos mais notáveis da produção é seu grandioso escopo que não deve em nada a produções do gênero que pendem mais para o drama e para o suspense. A trilha sonora assinada por Theodore Shapiro é uma mistura de incursões à la Danny Elfman em ‘Missão: Impossível’ com acordes mais ásperos e retumbantes – e funciona de maneira bastante prática em momentos de maior risco enfrentado pela protagonista e pelos coadjuvantes, além de reiterar a atmosfera burlesca e quase non-sense do projeto. A montagem assinada por Brent White e Melissa Bretherton presta homenagem a títulos similares, enquanto a fotografia de Robert Yeoman é apoiada em aparatos tecnológicos e cenas panorâmicas que nos engajam cena após cena.
O longa também encontra sucesso ao garantir que cada uma das engrenagens esteja em conciliação – e faz isso com leveza invejável. É notável como os atores, o diretor e todos os membros da equipe garantem que o teor propositalmente descompensado exista sem esbarrar em inflexões escrachadas e que ultrapassem a barreira entre a paródia e a cópia. E, abraçando o “livrinho de regras” da comédia, há uma beleza em enxergar esses emblemas em uma clara homenagem a títulos como ‘Agente 86’ e ‘Johnny English’, mas nunca deixando sua identidade de lado.
‘A Espiã que Sabia de Menos’ completa dez anos em 2025 e, mesmo uma década depois de seu lançamento oficial nos cinemas, permanece como uma das melhores comédias das últimas décadas por saber exatamente o tipo de história que quer contar e de que forma deseja fazer isso.
