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Henry James voltou às telonas seis décadas depois da última investida cinematográfica com ‘Os Órfãos’. E, por mais que o filme dirigido por Floria Sigismondi seja repleto de falhas, é inegável dizer que a narrativa nos conduziu a um finale incompreensível e cheio de interpretações, optando por desconstruir a conclusão do romance original, ‘A Outra Volta do Parafuso’, e reinventá-la em uma íntima jornada através da loucura.
Cuidado: muitos spoilers à frente.
Primeiramente, devemos nos recordar (ou sermos apresentados) ao livro assinado por James em 1898. A trama é delineada por um narrador não identificado que ouve atentamente ao seu amigo Douglas ler o manuscrito de uma antiga governanta e sua já falecida amiga que trabalhou numa antiga e arrepiante mansão.
À medida que os eventos vão se desenrolando, percebemos que o gigantesco casarão é palco de diversas experiências sobrenaturais que levam a jovem tutora a se perguntar se está à beira de um colapso de insanidade ou se realmente todos ali estão cientes das aparições do além-mundo e aprenderam a conviver em paz com isso. Mais do que isso, ela descobre que um antigo cavalariço havia cometido um assassinato brutal na propriedade e que, depois de sua morte, havia possuído o corpo de Miles, um dos órfãos.
Não demora muito para que a governanta passe a protegê-lo e a tentar salvá-lo de uma espécie de pacto demoníaco; porém, todas as suas investidas foram em vão, visto que o espírito maligno acaba deixando o corpo de Miles, que falece em seus braços – e, assim, as últimas palavras do livro são escritas.
Um marco no romance gótico do final do século XIX, ‘A Outra Volta do Parafuso’ sempre serviu de inspiração para filmes e séries televisivas – até chegar às mãos de Sigismondi, que acreditou profundamente que uma repaginação psicológica seria uma boa pedida para o longa-metragem. Logo, é notável a aproximação de sua obra com os escritos originais, que logo se transformam em um frenesi de reviravoltas acerca da própria protagonista, Kate (interpretada por Mackenzie Davis).
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Apesar da construção formulaica, que se inicia com a chegada da personagem à mansão dos Fairchild e seu exponencial contato com o sobrenatural, a transição do segundo para o terceiro ato do filme acontece, na verdade, dentro da mente de Kate. Após noites sem dormir (e a constante preocupação de que um dos seus pupilos irá atacá-la a qualquer momento), ela recebe um pacote com vários desenhos feitos pela mãe – rabiscos a princípio inteligíveis que revelam ser uma espécia de “profecia”.
Logo depois, Kate descobre os obscuros segredos daquela casa, incluindo a morte da tutora predecessora e a ameaça que Quint, o cavalariço, inflige não apenas nela, mas em cada pessoa que reside naquele lugar. Em um mergulho no complexo de salvadora, ela resgata as duas crianças e consegue passar pelos portões dos Fairchild, seguindo noite adentro até estarem são e salvos.
Ou ao menos Kate pensa que fez isso.
Na verdade, a dinâmica sequência se passa o tempo todo dentro da mente da protagonista, que ficou todo esse tempo fitando os desenhos da mãe. E, quando volta a si, ela já está mais danificada do que antes, obrigando as crianças a lhe contar sobre Quint e os fantasmas que se escondem nos quartos.
A reviravolta final vem em um singelo take, no qual Kate derruba a boneca de porcelana de Flora (Brooklynn Prince). Miles (Finn Wolfhard), então, diz que o brinquedo está quebrado assim como ela – e é nesse momento que talvez compreendamos o que realmente esteve acontecendo desde o princípio.
Em uma viagem para dentro da psique humana, Kate se vê enclausurada em seus próprios pensamentos, levada a uma versão assustadora do manicômio em que sua mãe está trancafiada. Entretanto, quando tenta olhar para seu rosto, solta um grito gutural – que nunca é explicado. De fato, os espectadores são levados a um entendimento ambíguo do que ocorreu: Kate provavelmente viu a si mesma e percebeu que a realidade em que vivia foi criada por uma mente deturpada e traumatizada; ou viu sua mãe e se deu conta que havia sido engolfada pela mesma loucura genética premeditada durante todo o longa.
A própria diretora confirmou esse duplo final, dizendo que “é uma questão de encontrar a essência da cena, o sentimento. Eu queria que os espectadores tivessem uma experiência diferente dos outros filmes – uma experiência em uma nível mais interno. Eu não queria mastigar a história para a audiência. Eu queria que as pessoas interpretassem o filme de formas diferentes. O diálogo geral é o que me anima.”
“O final é uma ideia temática de estar preso com esse trauma com o qual está tentando lidar”, ela acrescentou. “O desfecho é diferente do livro, pois eu queria que o filme fosse diferente e surpreendente. Eu queria que a Kate se redimisse e queria contar uma história mais pessoal.”
Davis, por sua vez, conversou com o CinePOP em uma entrevista exclusiva e também falou sobre a personalidade traumatizada da personagem principal – o que também explica o final alternativo imprimido no filme.
Confira:
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