domingo , 22 dezembro , 2024

A Pequena Sereia | Os 35 anos da animação que deu início ao Renascimento da Disney

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É quase impossível determinar a quantidade de produções memoráveis da Walt Disney Studios. Afinal, desde seu estabelecimento em 1937, a Casa Mouse apresentou uma revolução estética e narrativa com o lançamento de ‘Branca de Neve e os Sete Anões’, não levando muito tempo até que obras subsequentes – como ‘Pinóquio’ e ‘A Bela Adormecida’, por exemplo -, continuassem a explorar o legado dessa lendária companhia. Todavia, no período que se sucedeu à II Guerra Mundial, a Disney passou por uma espécie de estagnação que parecia prenunciar uma fadiga criativa e comercial que, dentro da estrutura capitalista que conhecemos do show business, é inevitável.

Enquanto as primeiras décadas da Casa Mouse focaram principalmente em animações musicais, como as mencionadas no parágrafo acima, o escopo foi aos poucos de alterando: de um lado, a existência de curtas propagandísticos que reiteravam a importância estadunidense em meio ao crescente embate contra a União Soviética; de outro, incursões em live-action que se mostravam mais prolíficas e bem-sucedidas que suas conterrâneas – é só lembrarmos, por exemplo, do impacto causado por ‘Mary Poppins’ em 1964. E, apesar de títulos que foram recebidos com solidez pelo público, como ‘101 Dálmatas’ e ‘A Dama e o Vagabundo’, o sucesso não era o mesmo de antes e precisava ser corrigido com rapidez.



A Pequena Sereia

Em 1988, membros da equipe criativa da Disney uniram forças para a produção de ‘Oliver e Sua Turma’ – que, apesar de não ter uma popularidade considerável, deu os primeiros indícios de uma revitalização artística para a Casa Mouse. Apesar das críticas mistas, a produção se sagrou um sucesso financeiro ao arrecadar mais de US$120 milhões ao redor do mundo e apostar em uma fórmula que seria repetida nos anos consecutivos (a emulação das produções musicais da Broadway). Mas essas inflexões primárias seriam reformuladas e amadurecidas um ano depois, com o lançamento de A Pequena Sereia.

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Baseado no conto homônimo do escritor dinamarquês Hans Christian Andersen, os direitos de produção da obra estavam sob as mãos da Disney desde o início dos anos 1940 – mas, à época, a narrativa seria transcrita através da sombria ótica do material original e como parte de uma antologia. Arquivada em 1943, o projeto seria remodelado décadas mais tarde como um filme de princesas (o primeiro do estúdio desde ‘A Bela Adormecida’) comandado por John Musker e Ron Clements. Aqui, acompanhamos Ariel (Jodi Benson), uma sereia de dezesseis anos que se sente descontente em viver no oceano ao lado do pai, o Rei Tritão (Kenneth Mars), e das irmãs – almejando conhecer o mundo dos humanos por seu fascínio impiedoso. Seus sonhos ganham ainda mais força quando, após um naufrágio, ela se apaixona por um dos sobreviventes e resolve fazer de tudo para se aproximar dele.

A Pequena Sereia

Porém, as coisas não são tão fáceis quanto parecem: ela pertence aos reinos subaquáticos e é observada de perto pela superproteção do pai, que a alerta com constância assustadora sobre os perigos que existem no mundo humano; o homem por quem se apaixona, por sua vez, é um príncipe chamado Eric (Christopher Daniel Barnes). Conforme Ariel se mostra decidida e prenuncia o encontro de dois universos totalmente diferentes entre si, ela desafia as imposições do Rei e cruza caminho com a poderosa bruxa Úrsula (Pat Carroll), que lhe oferece a oportunidade de virar humana por três dias para se reunir com Eric – em troca de sua cauda e de sua voz. Caso ela não consiga dar o beijo de amor verdadeiro no príncipe, ela se tornará uma de suas escravas para a eternidade.

A trama fabulesca é reminiscente das primeiras investidas cinematográficas da Disney e já premedita seu sucesso por uma inebriante nostalgia. Mas, para além do comprometimento de Musker e Clements, são inúmeros os elementos que transformam A Pequena Sereia em uma obra-prima da sétima arte. De um lado, temos uma estética que diferencia claramente a vibrante profusão colorida do fundo do mar, em contraste com o misterioso e mortal covil de Úrsula (regado a uma monocromática paleta de cores que é pincelada com tons de neon) e com a unilateralidade do mundo humano; de outro, a construção arquetípica dos personagens (cujo maniqueísmo veio a calhar para a reestruturação da companhia após contínuos fracassos) é força-motriz para garantir nosso envolvimento com o enredo.

a pequena sereia

Mas isso não é tudo: a disposição emuladora das peças da Broadway permitiu um enlace diferente entre obra e espectador – fosse pelas ótimas sequências musicais arquitetadas ou pela clara divisão dos atos. Alan Menken e Howard Ashman, responsáveis pelas canções originais do filme, permitiram que esse cosmos nova-iorquino de enorme respeito fosse transmutado às animações em um paradigma que seria repetido inúmeras vezes. Para além disso, a canção-chave da história, “Part of Your World”, precedeu o mote de diversos protagonistas que se sagrariam muito populares no panteão Disney – por vocalizar os anseios do herói ou da heroína. Ora, é notável a similaridade antêmica entre essa faixa e músicas como “Belle”, “One Jump Ahead”, “Almost There”, “Let It Go” e tantas outras.

A própria caracterização da icônica vilã Úrsula emergiu sem precedentes: afinal, a personagem foi inspirada na drag queen Divine e veio acompanhada de discursos dúbios, considerando sua conspiratória e vingativa natureza por ter sido renegada por Tritão e pelos outros seres marinhos. É possível traçar paralelos, inclusive, sobre a questão do gênero como construto social mascarada pela ideia de que Ariel pode ser o que quiser – desejando, assim, ter pernas e submeter-se às imposições de um patriarcalismo que, ironicamente, representa aquilo a que Úrsula se impõe desde o início do filme. Ora, em um âmbito parassocial, podemos compreender a derrota da bruxa do mar através de um instrumento claramente fálico (o mastro de um navio) como representação da vitória patriarcal frente a uma personagem que remava de encontro ao que deveria representar.

a pequena sereia

Por fim, não podemos deixar de comentar sobre o fato de A Pequena Sereia ter dado início à Renascença da Disney: a aclamação crítica veio assistida de um sucesso de público que rendeu ao longa US$235 milhões – e que permitiu à Casa Mouse a produção de obras como ‘Aladdin’, ‘O Rei Leão’, ‘A Bela e a Fera’ e tantos outras, estendendo seu legado para um período mais recente que inclui ‘A Princesa e o Sapo’, ‘Enrolados’ e ‘Frozen’.

Lembrando que a animação está disponível no Disney+.

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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É quase impossível determinar a quantidade de produções memoráveis da Walt Disney Studios. Afinal, desde seu estabelecimento em 1937, a Casa Mouse apresentou uma revolução estética e narrativa com o lançamento de ‘Branca de Neve e os Sete Anões’, não levando muito tempo até que obras subsequentes – como ‘Pinóquio’ e ‘A Bela Adormecida’, por exemplo -, continuassem a explorar o legado dessa lendária companhia. Todavia, no período que se sucedeu à II Guerra Mundial, a Disney passou por uma espécie de estagnação que parecia prenunciar uma fadiga criativa e comercial que, dentro da estrutura capitalista que conhecemos do show business, é inevitável.

Enquanto as primeiras décadas da Casa Mouse focaram principalmente em animações musicais, como as mencionadas no parágrafo acima, o escopo foi aos poucos de alterando: de um lado, a existência de curtas propagandísticos que reiteravam a importância estadunidense em meio ao crescente embate contra a União Soviética; de outro, incursões em live-action que se mostravam mais prolíficas e bem-sucedidas que suas conterrâneas – é só lembrarmos, por exemplo, do impacto causado por ‘Mary Poppins’ em 1964. E, apesar de títulos que foram recebidos com solidez pelo público, como ‘101 Dálmatas’ e ‘A Dama e o Vagabundo’, o sucesso não era o mesmo de antes e precisava ser corrigido com rapidez.

A Pequena Sereia

Em 1988, membros da equipe criativa da Disney uniram forças para a produção de ‘Oliver e Sua Turma’ – que, apesar de não ter uma popularidade considerável, deu os primeiros indícios de uma revitalização artística para a Casa Mouse. Apesar das críticas mistas, a produção se sagrou um sucesso financeiro ao arrecadar mais de US$120 milhões ao redor do mundo e apostar em uma fórmula que seria repetida nos anos consecutivos (a emulação das produções musicais da Broadway). Mas essas inflexões primárias seriam reformuladas e amadurecidas um ano depois, com o lançamento de A Pequena Sereia.

Baseado no conto homônimo do escritor dinamarquês Hans Christian Andersen, os direitos de produção da obra estavam sob as mãos da Disney desde o início dos anos 1940 – mas, à época, a narrativa seria transcrita através da sombria ótica do material original e como parte de uma antologia. Arquivada em 1943, o projeto seria remodelado décadas mais tarde como um filme de princesas (o primeiro do estúdio desde ‘A Bela Adormecida’) comandado por John Musker e Ron Clements. Aqui, acompanhamos Ariel (Jodi Benson), uma sereia de dezesseis anos que se sente descontente em viver no oceano ao lado do pai, o Rei Tritão (Kenneth Mars), e das irmãs – almejando conhecer o mundo dos humanos por seu fascínio impiedoso. Seus sonhos ganham ainda mais força quando, após um naufrágio, ela se apaixona por um dos sobreviventes e resolve fazer de tudo para se aproximar dele.

A Pequena Sereia

Porém, as coisas não são tão fáceis quanto parecem: ela pertence aos reinos subaquáticos e é observada de perto pela superproteção do pai, que a alerta com constância assustadora sobre os perigos que existem no mundo humano; o homem por quem se apaixona, por sua vez, é um príncipe chamado Eric (Christopher Daniel Barnes). Conforme Ariel se mostra decidida e prenuncia o encontro de dois universos totalmente diferentes entre si, ela desafia as imposições do Rei e cruza caminho com a poderosa bruxa Úrsula (Pat Carroll), que lhe oferece a oportunidade de virar humana por três dias para se reunir com Eric – em troca de sua cauda e de sua voz. Caso ela não consiga dar o beijo de amor verdadeiro no príncipe, ela se tornará uma de suas escravas para a eternidade.

A trama fabulesca é reminiscente das primeiras investidas cinematográficas da Disney e já premedita seu sucesso por uma inebriante nostalgia. Mas, para além do comprometimento de Musker e Clements, são inúmeros os elementos que transformam A Pequena Sereia em uma obra-prima da sétima arte. De um lado, temos uma estética que diferencia claramente a vibrante profusão colorida do fundo do mar, em contraste com o misterioso e mortal covil de Úrsula (regado a uma monocromática paleta de cores que é pincelada com tons de neon) e com a unilateralidade do mundo humano; de outro, a construção arquetípica dos personagens (cujo maniqueísmo veio a calhar para a reestruturação da companhia após contínuos fracassos) é força-motriz para garantir nosso envolvimento com o enredo.

a pequena sereia

Mas isso não é tudo: a disposição emuladora das peças da Broadway permitiu um enlace diferente entre obra e espectador – fosse pelas ótimas sequências musicais arquitetadas ou pela clara divisão dos atos. Alan Menken e Howard Ashman, responsáveis pelas canções originais do filme, permitiram que esse cosmos nova-iorquino de enorme respeito fosse transmutado às animações em um paradigma que seria repetido inúmeras vezes. Para além disso, a canção-chave da história, “Part of Your World”, precedeu o mote de diversos protagonistas que se sagrariam muito populares no panteão Disney – por vocalizar os anseios do herói ou da heroína. Ora, é notável a similaridade antêmica entre essa faixa e músicas como “Belle”, “One Jump Ahead”, “Almost There”, “Let It Go” e tantas outras.

A própria caracterização da icônica vilã Úrsula emergiu sem precedentes: afinal, a personagem foi inspirada na drag queen Divine e veio acompanhada de discursos dúbios, considerando sua conspiratória e vingativa natureza por ter sido renegada por Tritão e pelos outros seres marinhos. É possível traçar paralelos, inclusive, sobre a questão do gênero como construto social mascarada pela ideia de que Ariel pode ser o que quiser – desejando, assim, ter pernas e submeter-se às imposições de um patriarcalismo que, ironicamente, representa aquilo a que Úrsula se impõe desde o início do filme. Ora, em um âmbito parassocial, podemos compreender a derrota da bruxa do mar através de um instrumento claramente fálico (o mastro de um navio) como representação da vitória patriarcal frente a uma personagem que remava de encontro ao que deveria representar.

a pequena sereia

Por fim, não podemos deixar de comentar sobre o fato de A Pequena Sereia ter dado início à Renascença da Disney: a aclamação crítica veio assistida de um sucesso de público que rendeu ao longa US$235 milhões – e que permitiu à Casa Mouse a produção de obras como ‘Aladdin’, ‘O Rei Leão’, ‘A Bela e a Fera’ e tantos outras, estendendo seu legado para um período mais recente que inclui ‘A Princesa e o Sapo’, ‘Enrolados’ e ‘Frozen’.

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Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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