Mesmo com pouco tempo de atividade estúdio se consagra no cinema
Dentre os indicados à categoria de Melhor Filme no Oscar 2021 encontra-se Minari, um drama protagonizado por Steven Yeun sobre uma família de descendência coreana que investe todas as economias na compra de um largo terreno com o objetivo de torná-lo uma fazenda. Como esperado as coisas não se mostram tão fáceis quanto o desejado e os desafios que vão surgir desse sonho vão colocar à prova o laço de afeto entre os personagens.
A obra compete não só nas categorias principais (direção e filme) mas também melhor ator atriz coadjuvante, composição e roteiro original; muito por causa do tom tranquilo e intimista que o diretor Lee Isaac Chung imprime para trazer o espectador para dentro daquela realidade familiar, tornando esse núcleo o que realmente importa para o filme e qualquer coisa relacionada a outras pessoas ou mundo exterior é deixado propositalmente de lado.
É notável para todo espectador a liberdade que o cineasta teve na produção, em entregar o filme que ele realmente queria realizar. Essa é uma situação que tem se tornado rara em Hollywood nos últimos anos pois os estúdios têm demonstrado maior controle sobre os cineastas e processos de edição, de modo que assim seus filmes possam se enquadrar em um perfil agradável para o público e render bom desempenho nas bilheterias.
Os exemplos mais conhecidos residem justamente no gênero mais popular e lucrativo da atualidade: as adaptações de quadrinhos. A Marvel Studios já é famosa pela rigidez com que guia todas as etapas de produção de seus filmes para assim manter intacta a coesão em seu universo compartilhado. Já a Warner, à seu próprio jeito mais caótico, já interferiu diversas vezes em suas produções na tentativa de torná-las mais “aceitáveis” para todos os públicos.
Algumas décadas antes, mais especificamente nos anos 80, era comum alguns produtores terem choques de opiniões com os diretores e dessa forma interferir diretamente no desenvolvimento de um filme para que ele se adequasse a seus gostos; algo que ocorreu durante a produção de Superman II entre os Salkind e o cineasta Richard Donner que veio a abandonar o projeto e ser substituído por Richard Lester.
Fato é que historicamente a liberdade criativa em Hollywood sempre foi limitada e raros eram os cineastas que atingiam tamanho grau de importância que acabavam por receber carta branca para quaisquer iniciativas (claro que sempre respeitando um teto de gastos). É indo contra essa corrente que o nascimento do estúdio A24 em 2012 se torna tão significativo pois esse empreendimento nasce com a proposta de conceder toda a liberdade possível aos cineastas.
O nome teria sido inspirado na autostrada 24 na Itália, que liga Roma à Téramo com a seguinte filosofia proposta por seus fundadores: a de que o público estava disposto a pagar por filmes com pontos de vista distintos. Cada um dos fundadores trouxe então experiências importantes do ramo de distribuição, produção e financiamento de projetos que teriam papéis essenciais no início da empresa. Isso acabou levando a 2013 quando foi lançada sua primeira obra: A Glimpse Inside the Mind of Charles Swan III, no Brasil intitulado As Locuras de Charlie.
O primeiro longa não só da A24 mas também do diretor Roman Coppola (que até então tinha tido experiências apenas com videoclipes) possui avaliações não tão boas nos agregadores de notas porém à época ele serviu para mostrar que a produtora tinha um modelo de gerenciamento de diretores mais brando do que o usual de mercado. O filme que de fato chamaria a atenção do público, no entanto, viria a ser Spring Breakers: Garotas Perigosas lançado em 2013.
De cara a obra já causou polêmica pela a escalação das estrelas teen Vanessa Hudgens e Selena Gomez em um filme que teria classificação para maiores de idade. O choque posterior não decepcionou ao trazer uma história sobre crimes e consumo de drogas, bem como uma polêmica sobre uma representação problemática de mulheres pelo diretor Harmony Korine. Ainda assim a obra figurou em vários festivais independentes, sendo o principal deles o Festival de Cinema de Veneza.
As discussões ao redor da produção inevitavelmente acabaram atraindo a atenção para o estúdio novato; nos anos subsequentes o estúdio focou suas estratégias em se destacar nos pequenos festivais e adquirir obras independentes para que elas possam ganhar uma chance real de serem distribuídas no grande circuito. Assim permaneceu até 2016 quando a distribuidora gravaria seu nome no gênero do terror com A Bruxa.
O filme de estreia de Robert Eggers sobre uma família puritana que se isola do resto do mundo e acaba lidando com acidentes sobrenaturais relacionados a uma bruxa chamou a atenção ainda em seu período de pós-produção e eventualmente quando os primeiros comentários saíram, em especial de Stephen King que ressaltou o terror efetivo gerado pela película.
Não tardou após seu lançamento para que os primeiros elogios surgissem, ressaltando que o tom de terror psicológico fora executado plenamente junto à trama e o filme em si representava uma alternativa bem vinda para o gênero que vinha se viciando desde anos anteriores em fórmulas apelativas de jump scare. Em parte a quebra de um ritmo que já estava estabelecido como padrão do terror comercial (isso é, para o grande público) foi uma das razões de A Bruxa ter enfrentado certa dose de resistência nas primeiras semanas de lançamento.
Entretanto, as intempéries de parte do público não fecharam as portas que o filme de Eggers havia aberto, não só para o próprio cineasta como para outros também. Tendo hoje uma legião de fãs, Ari Aster só teve a chance real de dirigir seu primeiro longa em 2018 com Hereditário. Até então o diretor tinha sua filmografia marcada por curtas-metragens desde 2008 e seu estilo de terror psicológico com amplo foco nos personagens casou com o movimento iniciado em 2016 e, dessa maneira, teve uma recepção muito mais amistosa e que estava preparada para o que estava para assistir. Com Midsommar no ano seguinte, Aster se consolidou como nome forte do estúdio.
Mesmo com o resgate do terror, a A24 se manteve sempre como um estúdio plural e manteve a estratégia de priorizar produções independentes. Dessa maneira, desde sua fundação, o estúdio recebeu 25 nomeações ao Oscar e com Moonlight (co-produzido e distribuído pela A24) venceu os prêmios de Melhor Filme, Ator Coadjuvante e Roteiro Adaptado.
Com produções confirmadas para um futuro próximo, o leque de gêneros vai se manter. Ao mesmo tempo que Green Knight promete ser um épico medieval, o próximo filme de Aster (Disappointment Blvd.) promete ser um drama sobre a vida de um personagem em específico a ser interpretado por Joaquin Phoenix.