A TERCEIRA PARTE DE UMA DAS SAGAS MAIS INTERESSANTES DO CINEMA AMERICANO
É impossível entrar em “Antes da Meia-Noite” sem estar familiarizado com o que o diretor Richard Linklater e o casal de atores Ethan Hawke e Julie Delpy confeccionaram para o universo dos personagens Jesse e Celine. Apresentados ao público em 1995, com “Antes do Amanhecer”, e repetindo a dose quase dez anos depois com “Antes do Pôr do Sol”, a série faz parte do subconsciente de todos os verdadeiros cinéfilos como uma das sagas românticas mais interessantes e verdadeiras da história da sétima arte.
Com um roteiro e narrativa europeus, a estrutura de tais filmes é montada com um casal andando pelas ruas de uma cidade específica, realizando de vez em quando paradas estratégicas em restaurantes, bares ou quartos de hotéis (como nesse último filme); e acima de tudo conversando, conversando muito sobre os mais variados assuntos significativos, mas com muitos momentos descontraídos para brincadeiras também. Após o desfecho do segundo filme, tínhamos quase toda a certeza de que os protagonistas haviam dessa vez, ficado juntos.
Mesmo assim nada preparava definitivamente para uma terceira parte. Mais nove anos depois, e Jesse e Celine estão finalmente casados e com duas filhas pequenas. Assim como seus intérpretes, os personagens passaram de jovens, na casa dos vinte e poucos anos, para veteranos em seus quarenta e poucos anos, nessa terceira parte. O filme abre com Jesse deixando seu filho do primeiro casamento (como ficamos sabendo no anterior) no aeroporto, para que volte para a casa da mãe, após as férias com o pai e a madrasta na Grécia.
A mãe do menino é uma mulher atormentada que não aceita o fato de ter sido trocada. Embora nunca apareça de fato, representa grande parte da obra, e o maior problema a ser enfrentado pelos protagonistas. A primeira cena do casal é uma longa sequência onde os dois expõem ao público como estão suas vidas após o casamento, durante uma viagem de carro do aeroporto até a residência de amigos onde estão hospedados. A cena aparenta ser realizada sem cortes, como muitos momentos dos filmes anteriores, com apenas os diálogos dos atores servindo como companhia.
Não deixe de assistir:
Jesse está visitando um grande amigo escritor. Essa é uma das pequenas mudanças em relação aos filmes anteriores, que contavam apenas com a presença do casal. Em sua nova fase da vida, Jesse e Celine estão acompanhados, e durante um almoço dialogam com coadjuvantes para contar um pouco de seu passado. Tal cena é um dos momentos mais interessantes de uma obra recheada deles. “Antes da Meia-Noite”, assim como seus antecedentes, faz questão de se situar numa época, comentando igualmente aonde se encontra a sociedade atual.
E aqui, não poderiam deixar de constar comentários sobre mídias sociais e o mundo informatizado, apesar do contraste com o mundo antigo que os personagens tanto admiram (aqui são as ruínas da Grécia). Outra diferença é a aparente não-urgência de um único dia juntos, como nos filmes anteriores. Aqui, partindo do princípio de que Jesse e Celine já estão juntos há anos, e assim irão continuar, tira-se um pouco da estrutura anterior. O fato é compensado na metade para o final do filme, quando percebemos que esse é um dia divisor como os anteriormente mostrados, e tão importante quanto.
Agora, o assunto principal é a vida de casados, os problemas acarretados com a convivência e o desgaste. Problemas que qualquer relação madura precisa igualmente enfrentar. E não apenas isso, mas como citado, os reflexos do passado, quando o primeiro relacionamento de Jesse entra em jogo para testar o romântico casal. “Antes da Meia-Noite” é, por assim dizer, o mais íntimo da saga de quase vinte anos.
O clímax ocorre durante uma tentativa do casal em ficar a sós num quarto de hotel, longe das filhas. Nesse trecho ganhamos a nudez de Delpy, confortável com sua idade e corpo o suficiente para deixar transparecer na personagem a intimidade de anos com o marido; outra novidade na série. O terceiro filme é igualmente uma obra-prima romântica, que choca por seu realismo, e nos toca pela sinceridade de não desejar ser nada além do que uma fatia da realidade, de personagens que aprendemos a adorar por uma vida.