‘Stardust – O Mistério da Estrela’ ainda é e sempre será uma das melhores adaptações da incrível e distorcida mitologia criada por Neil Gaiman. O que poderia se tornar mais um fracasso qualquer da extensa vertente das ficções fantásticas e suas respectivas adaptações para o cinema na verdade nos deu uma centelha de esperança que as coisas realmente poderiam funcionar, mantendo-se original ao teor da obra e criando um cosmos audiovisual totalmente único e emocionante. Não é surpresa que, apesar dos efeitos especiais que não eram tão sofisticados à época, a narrativa ambientada em Stronghold é memorável e encanta pessoas de qualquer idade.
A história começa um prólogo muito bem orquestrado pelo diretor Matthew Vaughn (sim, o mesmo responsável por ‘Kickass’, ‘X-Men: Primeira Classe’ e a franquia ‘Kingsman’), no qual, seguindo um padrão mais ritmado que o entroncado detalhismo excessivo do autor original, mostra o encontro de dois mundos muito distintos, separados pelo Muro: a partir dessa fusão que não deveria existir, nasceu o protagonista Tristan Thorn (Charlie Cox), um jovem qualquer que deseja de qualquer modo conquistar o coração de sua amada Victoria (Sienna Miller), a qual não faz nada além de desprezá-lo constantemente e colocá-lo em situações constrangedoras. Entretanto, o coração quer o que quer, e Tristan submete-se a resgatar a estrela cadente que cai para além da divisória entre a cidadela e a floresta e trazê-la para ela, em troca de sua mão.
Ao mesmo tempo em que tal trama mundana se desenrola em uma parte do filme, outras começam a despontar no mágico mundo supracitado, incluindo o levantar sombrio de três irmãs bruxas lideradas pela cruel e impiedosa Lamia (Michelle Pfeiffer) e a busca dos últimos herdeiros de sangue do trono pelo rubi perdido. Como podemos imaginar, fragmentos tão separados assim poderiam cair nas ruínas de serem pouco estruturados e não receberem o tratamento necessário para configurarem-se em pequenos arcos com começo, meio, fim, mas Vaughn, também responsável pelo roteiro ao lado de Jane Goldman, faz questão de uni-las em uma convergência única e natural, afastando-se das forçosas fórmulas vistas constantemente em outras obras do gênero.
Tristan é o primeiro a encontrar a cratera formada pela estrela, e descobre que o astro na verdade é uma linda mulher de nome Yvaine (Claire Danes), a qual caiu do céu ao ser atingida pela mesma pedra preciosa que deve ser encontrada pelos príncipes-irmãos. Tudo corrobora para inúmeros conflitos internos que logo tomam conta de grande parte de Stronghold, permitindo a introdução de personagens necessários tanto para respaldo dos protagonistas quanto para aumentas a complexidade das camadas dramáticas e cômicas. Aqui, já posso a aparição muito bem-vinda de Robert De Niro como Capitão Shakespeare, um caçador de raios que viaja com sua nau e tripulação através dos céus e acaba raptando Yvaine e Tristan, ameaçando matá-los, mas depois mostrando-se sua verdadeira face amigável e protetora.
Sem dúvida alguma, De Niro, Danes e Cox criam mágica em cena. O duo principal, que se envolve numa obrigatória estratégia romântica, mudando o curso natural das coisas, por si só traz uma química espetacular para as cenas, e o veterano mostra suas versáteis habilidades ao sair de sua zona de conforto e mergulhar sem quaisquer pré-conceitos em um dos melhores e mais divertidos papéis de sua carreira. Aqui, Vaughn faz bom uso de todas as criações de Gaiman sem esquecê-los e fazendo questão que cada um tenha o seu momento de glória – nem mesmo que seja por alguns segundos. Os desperdícios quase não existem e, se estão lá, são ofuscados por atuações brilhantes e cenários de tirar o fôlego.
Eventualmente, Tristan e Yvaine passam a enfrentar perigo a cada esquina que viram. O nosso herói deseja apenas levar à sua suposta amada a estrela, e depois devolvê-la para os céus através da mística vela da Babilônia. Entretanto, com Lamia no encalço de Yvaine para devorar o seu coração ao lado das irmãs e recuperar dezenas de anos perdidos para as Trevas, e com Septimus (Mark Strong) insurgindo como o último irmão vivo e dilacerando qualquer um que se coloque em seu caminho, eles devem ser mais cuidadosos. Mesmo com alguns aliados importantes que conhecem, incluindo em última instância a mãe perdida de Tristan, Una (Kate Magowan), a jornada do herói segue firme no longa-metragem e, mais cedo ou mais tarde, é óbvio pensar que a dupla principal irá enfrentar um desafio de vida ou morte.
Ben Davis faz um incrível trabalho também como diretor de fotografia: ao invés de forçar-se aos convencionalismos de gênero, ele se recusa até mesmo a tangenciar construções cênicas panfletárias, optando, ao lado de Vaughn, por enquadramentos próprios a cada sequência, dando preferência ora para as expressões dos personagens em momentos mais dramáticos ou intimistas, ou mostrando de forma proposital os magníficos cenários, fazendo bom uso de uma iluminação correspondente a cada ambiência. Em outras palavras, espere sim a fusão de várias esferas diferentes entre si mergulhadas em um escopo coeso e nem um pouco saturado.
O filme não apenas é original, como também aproveita as brechas para realizar homenagens bem claras a diversas iterações predecessoras – incluindo as várias animações clássicas do universo Disney. Entretanto, as emulações aparecem com mais força na trilha sonora construída por Ilan Eshkeri, que opta por instrumentos de corda suaves e pesados possibilitando uma composição fabulesca e mística em grande parte do tempo. Vez ou outra, o pedantismo fala mais alto; porém, o crescendo do clímax final é delineado com tanta cautela e emoção, que quaisquer clichês são logo jogados no lixo.
De fato, não há uma obra que seja igual a ‘Stardust’. Desde a genial mente que criou a narrativa até a competente equipe artística e técnica que deu vida às páginas, tudo parece se encaixar como um fácil, porém profundo, quebra-cabeça que ainda será lembrado por anos e mais anos.