domingo , 22 dezembro , 2024

Artigo | A evolução da Final Girl – A SÍNDROME da sobrevivente em voga de novo no terror

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Resgates recentes de franquias tem abordado as antigas protagonistas com nova ótica

Dentre os gêneros do cinema, o terror se sobressai como um que tem as regras mais consolidadas dentre todos, isso é, mesmo que uma obra não seja visual ou narrativamente semelhante a outra, ambas podem vir a compartilhar de algumas peças em específico. Dentre essas peças destaca-se a da Final Girl, principalmente nos slashers.



O conceito, em geral, é simples: após uma sequência de mortes que podem consumir pouco menos (ou mais) de uma hora da película, o antagonista confronta a personagem estabelecida como o principal (por ter um pouco mais de aprofundamento em relação ao resto do elenco) e após o embate essa heroína (às vezes também um herói) sobrevive ao assassino, seja matando-o ou apenas conseguindo escapar.

Algo que une esses sobreviventes de diferentes obras é o fato de que normalmente são interpretados por atrizes, esta sendo uma tradição que pode remontar à Tortura do Medo (filme de 1960, considerado como um protótipo do slasher em conceito) ou O Massacre da Serra Elétrica, já comumente tido como o primeiro do subgênero por trabalhar abertamente suas “regras” que se popularizaram uma década depois.

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Sally Hardesty foi uma das primeiras final girls

A partir da década de 80 essas propriedades ganharam maior atenção por parte de quaisquer produtores que detivessem, na ocasião, os direitos da franquia; com isso em mente houve uma enxurrada de continuações das obras mais famosas, bem como a estreia de novos filmes postulantes a começo de outras longas franquias também.

Inevitavelmente isso levou a um esgotamento do estilo que, a partir de 1996 com Pânico, teve um renascimento potente o suficiente para gerar algumas outras produções como Lenda Urbana e Eu Sei o que Vocês Fizeram no Verão Passado e, só então, voltou a dormir. Por volta de 2018 o cinema presenciou uma nova tentativa de resgate dessas marcas famosas, com uma diferença.

Liderados sobretudo pelo estúdio Blumhouse, a iniciativa começou a partir da retomada da saga Halloween pelas mãos do diretor David Gordon Green, fã assumido, de esquecer as incontáveis continuações do filme de 1978 e produzir aquela que é tida como a “verdadeira”, principalmente do ponto de vista da continuidade.

Em 2018, “Halloween” iniciou uma nova forma de se abordar o terror

Sua premissa traz de volta a eterna Final Girl da franquia, Laurie Strode, agora vivendo de maneira reclusa e tendo se preparado por anos para o inevitável retorno de Michael Myers. Nesse meio tempo, ela precisou sacrificar muito do relacionamento com a filha e neta para que, ao menos a primeira, não passasse pela mesma sensação de impotência que ela experimentara no dia das bruxas de 1978.

O sucesso estrondoso da estratégia abriu margem para uma nova fase do terror mainstream, o revival de franquias. Em 2022 o objetivo permanece para muitos projetos cuja intenção é continuar um clássico do terror, como ocorreu com o novo Massacre da Serra Elétrica. A premissa segue a mesma fórmula ao descartar tudo que foi feito após o clássico de 1974 e fornecer a tal continuação definitiva.

Outro elemento emprestado de Halloween 2018 é o retorno da primeira Final Girl da saga, Sally Hardesty, agora bem mais velha porém não tendo superado os traumas de seu último embate com Leatherface, o que a fez se preparar para um futuro reencontro. Ao contrário de Laurie, que sempre foi uma presença importante na franquia criada por John Carpenter, Sally nunca recebeu a mesma representatividade em sua própria série, sendo por vezes lembrada apenas como a única sobrevivente do clássico primeiro filme.

A primeira protagonista da franquia “Massacre da Serra Elétrica” não esqueceu os crimes de Leatherface

Um terceiro caso, porém anterior ao projeto de David Gordon Green, é o dos três capítulos que vieram após Pânico de 1996, no caso suas três sequências assinadas por Wes Craven. Algo que as sequências mantém em constância é o senso de continuidade, principalmente por constantemente terem na imagem de Sidney Prescott a protagonista consolidada da franquia. 

Ainda que a cada filme haja menos e menos perigo em relação à sua segurança, por outro lado sua permanência no enredo colabora tanto para o mencionado senso de continuidade quanto para uma progressão de desenvolvimento contínuo da personagem. O que começa como uma adolescente que se aterroriza com as ligações ameaçadoras de Ghostface vai se tornando um indivíduo que está preparada permanentemente, que entende o modus operandi desse assassino e sabe como revidar, ainda que ela vá acumulando cicatrizes.

Se tem algo que os três filmes de terror mencionados anteriormente compartilham é uma reavaliação do que é ser uma Final Girl, abandonando uma possível linha de glamourização ou esquecimento da personagem e, ao retorna-la para uma nova empreitada tendo mais experiência, expô-la como alguém marcado por traumas profundos e não cicatrizados.

Sidney é um exemplo de protagonista que evoluiu com o passar do tempo

Dentre os quadros psicológicos, a chamada Síndrome do Sobrevivente encontra maior identificação com as reinterpretações das Final Girls, não só agora como no passado; além de mídias fora dos filmes. A definição do quadro segundo a ART International Training and Research é bastante direta.

“Após experimentar ou presenciar um evento traumático, sobreviventes podem questionar porque eles escaparam da morte enquanto outros perderam suas vidas, ou até se havia alguma maneira em que eles poderiam ter prevenido o evento traumático ou preservado vidas…”.

É possível traçar um paralelo entre tal descrição e muito de como as heroínas clássicas do terror têm sido revisitadas. Laurie, sendo o exemplo mais evidente, constantemente demonstra a raiva contínua por Michael Myers bem como um medo crescente quando a notícia de sua fuga se espalha. Como já dito, sua relação com a filha foi bastante prejudicada por esse trauma e, em segundo plano, seu casamento tendeu a desmoronar também.

Laurie sacrificou muito de sua vida graças ao trauma causado por Michael

Segundo a ART, a Síndrome do Sobrevivente carrega certos sintomas como “as emoções de tristeza, fúria, negação, medo e vergonha; pesadelos; dificuldade em se relacionar; explosões emocionais…”, alguns deles sendo identificados tanto em Laurie quanto, mais recentemente, em Sally; evidentemente em sua constante lembrança do falecido grupo de amigos que a acompanhava na fatídica viagem ao Texas.

Tal abordagem é um elemento positivo para as novas produções por aproximar mais as Final Girls do público, além de lhes conceder mais traços de personalidade que ultrapassam a problemática tradicionalmente levantada de todas seguirem um determinado padrão estético. Não só isso, como representar esse quadro em filmes de grande público pode dialogar com um número considerável de pessoas.

Durante o artigo Survivor Guilt in a Posttraumatic Stress Disorder Clinic Sample, a autora e psicóloga clínica Hannah L. Murray estabelece: “uma amostra de uma clínica de estresse traumático no Reino Unido que foi sistematicamente avaliada por Síndrome do Sobrevivente durante 18 meses. Mais de um terço (38,5%) dos participantes sobreviveram a um evento em que outros morreram e 90% dos sobreviventes reportaram sentimentos de Síndrome do Sobrevivente.”

A atenção para o assunto também é recorrente em outras mídias fora do cinema, mais especificamente no tratamento de personagens. Batman, típico símbolo dos quadrinhos e com uma interpretação constante em produtos voltados para a ação, tem na essência de sua motivação um indivíduo que presenciou um ato de violência e desde então remói o fato de não ter conseguido impedir o episódio. 

A formação do Batman carrega muitos desses elementos

O game The Last of Us Part II oferece um quadro similar para a protagonista Ellie, uma vez que a mesma presencia o assassinato à sangue frio de seu pai adotivo e então embarca em uma jornada de autodestruição atrás dos assassinos. Ao longo do gameplay o jogo intencionalmente expõe ao jogador situações em que Ellie relembra o evento traumático, se distancia emocionalmente das pessoas próximas e explode em acessos de fúria.

Representação que serve também para o jogo indie intitulado What Remains of Edith Finch, no qual o personagem Walter Finch vive por décadas em um bunker abaixo da casa de sua família após ter testemunhado o sequestro de sua irmã dentro de casa e, por boa parte da vida, sendo exposto à suposta maldição que ronda sua família. Com isso ele demonstra constante medo em abandonar o abrigo e morrer por essa sina sobrenatural.

O trauma vivido por Ellie deixou cicatrizes extremamente profundas

Por fim, já há muito que roteiristas perceberam que podem incrementar mais nuances em personagens sobreviventes de traumas, tornando-os mais tridimensionais ao passo que o final da sua jornada de superação, caso reserve isso de fato, se torne um evento muito mais recompensador do que se imagina de início. 

Com os sucessos da nova franquia Halloween e do remake de O Homem Invisível (este que aborda os traumas oriundos de um relacionamento abusivo) espera-se cada vez mais atenção para abordagens mais delicadas e psicológicas dessas antigas propriedades. 

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Dentre os gêneros do cinema, o terror se sobressai como um que tem as regras mais consolidadas dentre todos, isso é, mesmo que uma obra não seja visual ou narrativamente semelhante a outra, ambas podem vir a compartilhar de algumas peças em específico. Dentre essas peças destaca-se a da Final Girl, principalmente nos slashers.

O conceito, em geral, é simples: após uma sequência de mortes que podem consumir pouco menos (ou mais) de uma hora da película, o antagonista confronta a personagem estabelecida como o principal (por ter um pouco mais de aprofundamento em relação ao resto do elenco) e após o embate essa heroína (às vezes também um herói) sobrevive ao assassino, seja matando-o ou apenas conseguindo escapar.

Algo que une esses sobreviventes de diferentes obras é o fato de que normalmente são interpretados por atrizes, esta sendo uma tradição que pode remontar à Tortura do Medo (filme de 1960, considerado como um protótipo do slasher em conceito) ou O Massacre da Serra Elétrica, já comumente tido como o primeiro do subgênero por trabalhar abertamente suas “regras” que se popularizaram uma década depois.

Sally Hardesty foi uma das primeiras final girls

A partir da década de 80 essas propriedades ganharam maior atenção por parte de quaisquer produtores que detivessem, na ocasião, os direitos da franquia; com isso em mente houve uma enxurrada de continuações das obras mais famosas, bem como a estreia de novos filmes postulantes a começo de outras longas franquias também.

Inevitavelmente isso levou a um esgotamento do estilo que, a partir de 1996 com Pânico, teve um renascimento potente o suficiente para gerar algumas outras produções como Lenda Urbana e Eu Sei o que Vocês Fizeram no Verão Passado e, só então, voltou a dormir. Por volta de 2018 o cinema presenciou uma nova tentativa de resgate dessas marcas famosas, com uma diferença.

Liderados sobretudo pelo estúdio Blumhouse, a iniciativa começou a partir da retomada da saga Halloween pelas mãos do diretor David Gordon Green, fã assumido, de esquecer as incontáveis continuações do filme de 1978 e produzir aquela que é tida como a “verdadeira”, principalmente do ponto de vista da continuidade.

Em 2018, “Halloween” iniciou uma nova forma de se abordar o terror

Sua premissa traz de volta a eterna Final Girl da franquia, Laurie Strode, agora vivendo de maneira reclusa e tendo se preparado por anos para o inevitável retorno de Michael Myers. Nesse meio tempo, ela precisou sacrificar muito do relacionamento com a filha e neta para que, ao menos a primeira, não passasse pela mesma sensação de impotência que ela experimentara no dia das bruxas de 1978.

O sucesso estrondoso da estratégia abriu margem para uma nova fase do terror mainstream, o revival de franquias. Em 2022 o objetivo permanece para muitos projetos cuja intenção é continuar um clássico do terror, como ocorreu com o novo Massacre da Serra Elétrica. A premissa segue a mesma fórmula ao descartar tudo que foi feito após o clássico de 1974 e fornecer a tal continuação definitiva.

Outro elemento emprestado de Halloween 2018 é o retorno da primeira Final Girl da saga, Sally Hardesty, agora bem mais velha porém não tendo superado os traumas de seu último embate com Leatherface, o que a fez se preparar para um futuro reencontro. Ao contrário de Laurie, que sempre foi uma presença importante na franquia criada por John Carpenter, Sally nunca recebeu a mesma representatividade em sua própria série, sendo por vezes lembrada apenas como a única sobrevivente do clássico primeiro filme.

A primeira protagonista da franquia “Massacre da Serra Elétrica” não esqueceu os crimes de Leatherface

Um terceiro caso, porém anterior ao projeto de David Gordon Green, é o dos três capítulos que vieram após Pânico de 1996, no caso suas três sequências assinadas por Wes Craven. Algo que as sequências mantém em constância é o senso de continuidade, principalmente por constantemente terem na imagem de Sidney Prescott a protagonista consolidada da franquia. 

Ainda que a cada filme haja menos e menos perigo em relação à sua segurança, por outro lado sua permanência no enredo colabora tanto para o mencionado senso de continuidade quanto para uma progressão de desenvolvimento contínuo da personagem. O que começa como uma adolescente que se aterroriza com as ligações ameaçadoras de Ghostface vai se tornando um indivíduo que está preparada permanentemente, que entende o modus operandi desse assassino e sabe como revidar, ainda que ela vá acumulando cicatrizes.

Se tem algo que os três filmes de terror mencionados anteriormente compartilham é uma reavaliação do que é ser uma Final Girl, abandonando uma possível linha de glamourização ou esquecimento da personagem e, ao retorna-la para uma nova empreitada tendo mais experiência, expô-la como alguém marcado por traumas profundos e não cicatrizados.

Sidney é um exemplo de protagonista que evoluiu com o passar do tempo

Dentre os quadros psicológicos, a chamada Síndrome do Sobrevivente encontra maior identificação com as reinterpretações das Final Girls, não só agora como no passado; além de mídias fora dos filmes. A definição do quadro segundo a ART International Training and Research é bastante direta.

“Após experimentar ou presenciar um evento traumático, sobreviventes podem questionar porque eles escaparam da morte enquanto outros perderam suas vidas, ou até se havia alguma maneira em que eles poderiam ter prevenido o evento traumático ou preservado vidas…”.

É possível traçar um paralelo entre tal descrição e muito de como as heroínas clássicas do terror têm sido revisitadas. Laurie, sendo o exemplo mais evidente, constantemente demonstra a raiva contínua por Michael Myers bem como um medo crescente quando a notícia de sua fuga se espalha. Como já dito, sua relação com a filha foi bastante prejudicada por esse trauma e, em segundo plano, seu casamento tendeu a desmoronar também.

Laurie sacrificou muito de sua vida graças ao trauma causado por Michael

Segundo a ART, a Síndrome do Sobrevivente carrega certos sintomas como “as emoções de tristeza, fúria, negação, medo e vergonha; pesadelos; dificuldade em se relacionar; explosões emocionais…”, alguns deles sendo identificados tanto em Laurie quanto, mais recentemente, em Sally; evidentemente em sua constante lembrança do falecido grupo de amigos que a acompanhava na fatídica viagem ao Texas.

Tal abordagem é um elemento positivo para as novas produções por aproximar mais as Final Girls do público, além de lhes conceder mais traços de personalidade que ultrapassam a problemática tradicionalmente levantada de todas seguirem um determinado padrão estético. Não só isso, como representar esse quadro em filmes de grande público pode dialogar com um número considerável de pessoas.

Durante o artigo Survivor Guilt in a Posttraumatic Stress Disorder Clinic Sample, a autora e psicóloga clínica Hannah L. Murray estabelece: “uma amostra de uma clínica de estresse traumático no Reino Unido que foi sistematicamente avaliada por Síndrome do Sobrevivente durante 18 meses. Mais de um terço (38,5%) dos participantes sobreviveram a um evento em que outros morreram e 90% dos sobreviventes reportaram sentimentos de Síndrome do Sobrevivente.”

A atenção para o assunto também é recorrente em outras mídias fora do cinema, mais especificamente no tratamento de personagens. Batman, típico símbolo dos quadrinhos e com uma interpretação constante em produtos voltados para a ação, tem na essência de sua motivação um indivíduo que presenciou um ato de violência e desde então remói o fato de não ter conseguido impedir o episódio. 

A formação do Batman carrega muitos desses elementos

O game The Last of Us Part II oferece um quadro similar para a protagonista Ellie, uma vez que a mesma presencia o assassinato à sangue frio de seu pai adotivo e então embarca em uma jornada de autodestruição atrás dos assassinos. Ao longo do gameplay o jogo intencionalmente expõe ao jogador situações em que Ellie relembra o evento traumático, se distancia emocionalmente das pessoas próximas e explode em acessos de fúria.

Representação que serve também para o jogo indie intitulado What Remains of Edith Finch, no qual o personagem Walter Finch vive por décadas em um bunker abaixo da casa de sua família após ter testemunhado o sequestro de sua irmã dentro de casa e, por boa parte da vida, sendo exposto à suposta maldição que ronda sua família. Com isso ele demonstra constante medo em abandonar o abrigo e morrer por essa sina sobrenatural.

O trauma vivido por Ellie deixou cicatrizes extremamente profundas

Por fim, já há muito que roteiristas perceberam que podem incrementar mais nuances em personagens sobreviventes de traumas, tornando-os mais tridimensionais ao passo que o final da sua jornada de superação, caso reserve isso de fato, se torne um evento muito mais recompensador do que se imagina de início. 

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