É muito comum produções de baixo orçamento optarem por um gênero bastante conhecido da indústria cinematográfica – o found footage. Surgido na década de 1980 com ‘Holocausto Canibal’ e imortalizado com ‘A Bruxa de Blair’ quase vinte anos depois, a técnica era simples: câmera na mão, poucos atores, seguindo o estilo de um falso documentário (ou mockumentary) que deixasse toda a narrativa a mais verdadeira possível. O impacto foi tão grande que até mesmo teorias conspirativas começaram a pipocar de todos os lados acerca da veracidade ou da ficção acerca das obras. Entretanto, assim como diversos outros estilos, este caiu em um abuso desmedido e acabou perdendo força conforme mais e mais diretores saturavam o mercado do entretenimento com tramas vazias e formulaicas.
Apesar de pouquíssimos longas conseguirem se salvar dessa ruína iminente (‘Atividade Paranormal’ e ‘Cloverfield – Monstro’ são alguns que ainda buscam pelo novo, sem o sucesso que prometeram), grande parte apenas reciclava premissas já utilizadas, normalmente embebidas na ficção sobrenatural, para tentar preencher uma espécie de vazio existencial. Qual foi nossa surpresa quando, em 2014, o desconhecido cineasta Leo Gabriadze resolveu usar os clichês a seu favor em uma roupagem nova e modernizada – e foi assim que ‘Amizade Desfeita’ nasceu. Na história, a utilização das câmeras é substituída pela tela compartilhada de um computador e pela webcam, além de aproveitar a viralização exponencial das redes sociais para criar um escopo competente, satisfatório em quase sua completude, e sem abrir mãos dos jumpscares e dos clímaces do além-vida.
A trama principal gira em torno de cinco amigos que resolvem se reunir através do Skype e percebem que aquele dia marca o aniversário de morte de Laura Barns (Heather Sossaman), uma jovem estudante que cometeu suicídio após um trágico vídeo circular pela internet e manchar sua reputação e sua vida social. Entretanto, o que parecia ser um simples encontro virtual para jogar conversa fora se torna uma corrida pela sobrevivência quando o espírito vingativo de Laura entra no grupo e resolve expor os podres segredos de cada personagem, colocando-os um contra o outro até que não sobre nenhum. A simples aparição da garota já faz bom uso do foreshadowing e induz o público a pensar que ela sabe quem publicou o vídeo e que fará de tudo para punir o responsável do jeito mais cruel possível.
Entretanto, o obstáculo principal recai nas mãos de Gabriadze; afinal, sua obra parte do princípio da imobilidade imagética. Um bom roteiro é imprescindível para fornecer dinamismo e ritmo – e é justamente nesse ponto que ele pretende focar mais. Os diálogos são fluidos e partem de um simples chat até entrar numa progressão catártica e melodramática bem estruturadas e respaldadas pela ótima performance do elenco. Cada um dos protagonistas se torna refém de um usuário fantasma, cujos poderes vão muito além do que podem imaginar. A princípio, pensamos que tudo não passa de uma brincadeira, até a virada para os segundo ato, no qual a primeira vítima é feita.
Não há como negar que várias coisas acontecem ao mesmo tempo. Blaire (Shelley Hennig) e Mitch (Moses Storm), representando o casal do filme, além de serem obrigados a participar dos doentios jogos de Laura, tentam a todo custo manter seu relacionamento, mesmo com todas as mentiras e as frustrantes revelações que colocam em xeque a integridade de cada um. Não é surpresa que o roteirista Nelson Greaves orquestra um arco destrutivo, dentro do qual nossa empatia pelas personas deixa de existir conforme cada uma mostra quem realmente é. No final das contas, a vingativa jovem apenas desejava mostrar algo que já sabia há muito tempo: a confiança é intangível e não deve ser entregue a qualquer um.
Entretanto, não se engane: a história não tem como objetivo, em momento algum, trazer críticas construtivas acerca do uso indiscriminado das redes sociais. A atmosfera de terror é a única coisa que a move, sem mensagens subliminares ou sutilezas narrativas – afinal, se este fosse um filme socialmente engajado, provavelmente teria cedido às ruínas da presunção e se transformado em um drama desnecessário. A complexidade jaz de modo justo e acíclico na relação das personagens: eles existem naquele momento, naquele espaço, e não abrem margem para tramas muito mais profundas – e nem precisam.
Gabriadze consegue se entregar a uma renovação do gênero, isso é inegável. Mas o caminho não é trilhado às mil maravilhas e ainda há muito a ser lapidado. Mais de uma vez, a narrativa perde seu ritmo e seu foco, e a mudança brusca de telas – do Skype para o navegador, do Facebook para o Google, e assim por diante – corta nossa interação com o que realmente acontece. As tentativas da multiplicidade de perspectivas não funcionam do jeito que poderiam e, apesar de buscarem uma catarse mordaz e angustiante do público, confundem-no, infelizmente. Além disso, a conclusão da jornada parece uma sequência geométrica, recortada de um lugar-comum e costurada às pressas, não fazendo jus a tudo que víramos.
‘Amizade Desfeita’ pode não ser perfeito, mas definitivamente trouxe algo novo e interessante ao já martirizado found footage. Desde a modernização até as referências compulsórias e funcionais, o resultado final é positivo, satisfatório, provando-se como uma aventura sobrenatural que ajudou a abrir portas diferentes para o gênero – ainda que títulos posteriores o tenham superado.