quinta-feira , 21 novembro , 2024

Artigo | ‘Birdman’, a “mea culpa” metaficcional de Alejandro González Iñárritu

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Conhecer o outro é uma dádiva, mas e conhecer a si mesmo? A resposta pode parecer simples, mas às vezes o mínimo prospecto sobre o que isso significa é assustador. Afinal, ninguém deseja mergulhar em um conformismo compulsório quando passa a ter noção dos limites de suas habilidades e capacitações e é “obrigado” a aceitar-se. É claro que isso parte de um conceito determinista um tanto quanto pessimista, mas é a partir dessa premissa que Alejandro G. Iñárritu se vale para construir um ilusório e angustiante tour-de-force em Birdman’. O longa poderia apenas se conter com um simples título; porém, essa sutileza teria o problema de se transformar num horrendo simplismo, o que preconizou a existência de um contraditório subtítulo, ‘A Inesperada Virtude da Ignorância’, já preparando o público desde os momentos iniciais para algo muito maior do que podemos ver.

Até mesmo o pano de fundo dramático e com ares novelescos que são propositalmente exteriorizados pelos personagens premedita uma metalinguagem construída com exímia cautela. Trazendo Michael Keaton como protagonista, a história gira em torno de uma ex-celebridade cinematográfica, o ator Riggan Thomson, que procura se desvencilhar de seus tempos de glória e firmar seu nome como um sério realizador da indústria teatral, migrando para os palcos da Broadway em uma investida arriscada, porém gratificante – ou ao menos é o que parece. Riggan sofre com os fantasmas de seu passado, sendo atormentado pela voz do super-herói-título que o coloca em sequências imaginativas de levitação ou telecinese – talvez para lembrá-lo de como ele era adorado e agora caiu nas garras do esquecimento.



Movido por um falso desejo de recuperar a arte clássica, o qual na verdade serve como barreira para se salvar e salvar sua reputação, ele decide adaptar o conto Do que Estamos Falando quando Falamos de Amor?’, do romancista Raymond Carver, crente de que será aclamado pelo público e pela crítica. É claro que, durante a escrita do roteiro, Iñárritu e seus colaboradores não escolheram essa obra ao acaso. Movendo seus holofotes para um homem desiludido no amor e que parece inexistir mesmo aos olhos de todos, a trama levada pela persona de Keaton ao teatro é uma extensão de seus problemas e obstáculos internos. É aí que a genialidade do filme começa a dar mais indícios: ele parte de uma perspectiva subjetiva que, mesmo quando não traz o protagonista para a cena, é embebida por julgamentos de moral que alteram, inconscientemente, a nossa percepção acerca da peça e do longa, e contribuem para a manipulação cênica.

Riggan não permanece sozinho nesse looping intimista. Ele também é acompanhado pela rebelde e irreverente filha, Sam (Emma Stone), a qual se mantém ao seu lado tanto como funcionária quanto como consciência. Não é nenhuma surpresa que algumas das melhores sequência alcancem um pico catártico gigante quando a tensão se acumula e encontra um escape dialógico maravilhoso. Tanto Keaton quanto Stone também procuram sair da zona de conforto de seus trabalhos anteriores e fazem isso com enorme sucesso, entregando-se a performances dilacerantes que aprofundam personagens complexos e paradoxais praticamente o filme inteiro.

A volta ao estrelato almejada pelo ator e diretor é ameaçada com a chegada de Mike (Edward Norton), contratado pela produção após um dos participantes sofrer um trágico acidente devido à queda de um holofote. Mike é o que podemos encarar como a “celebridade do nariz em pé”, cujas atitudes insolentes vão de encontro à sua construção inexplicavelmente insuportável. Ele é muito afável a dar palpites não bem-vindos, a fazer o que bem entender em cena e a procurar tomar controle do que estiver à sua frente. Apesar de ser um boa adição ao elenco, ele leva Riggan aos limites mais de uma vez, colocando-o inclusive numa construção física que abandona por alguns momentos para uma respirada necessária com os convencionalismos de uma briga tragicômica. Entretanto, diferente do que poderíamos esperar, esses momentos pontuais são de suma importância para a progressão narrativa e para uma irretocável conclusão.

É claro que não é apenas a história tem seu potencial explorado ao máximo. Iñárritu orquestra as desilusões das personas em uma desilusão técnica que transforma seu trabalho em um enorme plano-sequência. É claro que a ideia de passagem de tempo quebra, teoricamente, a magia, mas ao mesmo tempo é construída com tamanha fluidez que a retoma com a mesma intensidade. As reflexões externas são reafirmadas pela paleta de cores e pela fotografia, combinadas e convergidas nas habilidosas mãos de Emmanuel Lubezki. O trabalho de câmera transforma os extensos corredores em minúsculos cubículos aterradores, e traveste os palcos e o teatro, a priori gigantescos, em uma bolha claustrofóbica que nos coloca cada vez mais em contato com a loucura.

Eventualmente, entre pré-estreias escandalosas e permeadas de erros e ameaças críticas que visam ao extermínio de sua peça, ele resolve existir não existindo e troca sua arma cenográfica por uma de verdade, levando-o ao topo do mundo com uma atuação impecável e trazendo, ao mesmo tempo, seu fim, quando resolve atirar no próprio nariz. Logo depois, entende exatamente o que tentou fazer e como fracassou, e como deixar de se conhecer talvez fosse uma benção muito maior do que se encontrar.

‘Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância)’ brinca com o trágico e o cômico de forma aplaudível e mergulha em temas complexos com ludicidade e irreverência, mostrando que, no final das contas, a inimaginável alienação do desconhecer torna-se, sem sombra de dúvida, uma virtude.

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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Até mesmo o pano de fundo dramático e com ares novelescos que são propositalmente exteriorizados pelos personagens premedita uma metalinguagem construída com exímia cautela. Trazendo Michael Keaton como protagonista, a história gira em torno de uma ex-celebridade cinematográfica, o ator Riggan Thomson, que procura se desvencilhar de seus tempos de glória e firmar seu nome como um sério realizador da indústria teatral, migrando para os palcos da Broadway em uma investida arriscada, porém gratificante – ou ao menos é o que parece. Riggan sofre com os fantasmas de seu passado, sendo atormentado pela voz do super-herói-título que o coloca em sequências imaginativas de levitação ou telecinese – talvez para lembrá-lo de como ele era adorado e agora caiu nas garras do esquecimento.

Movido por um falso desejo de recuperar a arte clássica, o qual na verdade serve como barreira para se salvar e salvar sua reputação, ele decide adaptar o conto Do que Estamos Falando quando Falamos de Amor?’, do romancista Raymond Carver, crente de que será aclamado pelo público e pela crítica. É claro que, durante a escrita do roteiro, Iñárritu e seus colaboradores não escolheram essa obra ao acaso. Movendo seus holofotes para um homem desiludido no amor e que parece inexistir mesmo aos olhos de todos, a trama levada pela persona de Keaton ao teatro é uma extensão de seus problemas e obstáculos internos. É aí que a genialidade do filme começa a dar mais indícios: ele parte de uma perspectiva subjetiva que, mesmo quando não traz o protagonista para a cena, é embebida por julgamentos de moral que alteram, inconscientemente, a nossa percepção acerca da peça e do longa, e contribuem para a manipulação cênica.

Riggan não permanece sozinho nesse looping intimista. Ele também é acompanhado pela rebelde e irreverente filha, Sam (Emma Stone), a qual se mantém ao seu lado tanto como funcionária quanto como consciência. Não é nenhuma surpresa que algumas das melhores sequência alcancem um pico catártico gigante quando a tensão se acumula e encontra um escape dialógico maravilhoso. Tanto Keaton quanto Stone também procuram sair da zona de conforto de seus trabalhos anteriores e fazem isso com enorme sucesso, entregando-se a performances dilacerantes que aprofundam personagens complexos e paradoxais praticamente o filme inteiro.

A volta ao estrelato almejada pelo ator e diretor é ameaçada com a chegada de Mike (Edward Norton), contratado pela produção após um dos participantes sofrer um trágico acidente devido à queda de um holofote. Mike é o que podemos encarar como a “celebridade do nariz em pé”, cujas atitudes insolentes vão de encontro à sua construção inexplicavelmente insuportável. Ele é muito afável a dar palpites não bem-vindos, a fazer o que bem entender em cena e a procurar tomar controle do que estiver à sua frente. Apesar de ser um boa adição ao elenco, ele leva Riggan aos limites mais de uma vez, colocando-o inclusive numa construção física que abandona por alguns momentos para uma respirada necessária com os convencionalismos de uma briga tragicômica. Entretanto, diferente do que poderíamos esperar, esses momentos pontuais são de suma importância para a progressão narrativa e para uma irretocável conclusão.

É claro que não é apenas a história tem seu potencial explorado ao máximo. Iñárritu orquestra as desilusões das personas em uma desilusão técnica que transforma seu trabalho em um enorme plano-sequência. É claro que a ideia de passagem de tempo quebra, teoricamente, a magia, mas ao mesmo tempo é construída com tamanha fluidez que a retoma com a mesma intensidade. As reflexões externas são reafirmadas pela paleta de cores e pela fotografia, combinadas e convergidas nas habilidosas mãos de Emmanuel Lubezki. O trabalho de câmera transforma os extensos corredores em minúsculos cubículos aterradores, e traveste os palcos e o teatro, a priori gigantescos, em uma bolha claustrofóbica que nos coloca cada vez mais em contato com a loucura.

Eventualmente, entre pré-estreias escandalosas e permeadas de erros e ameaças críticas que visam ao extermínio de sua peça, ele resolve existir não existindo e troca sua arma cenográfica por uma de verdade, levando-o ao topo do mundo com uma atuação impecável e trazendo, ao mesmo tempo, seu fim, quando resolve atirar no próprio nariz. Logo depois, entende exatamente o que tentou fazer e como fracassou, e como deixar de se conhecer talvez fosse uma benção muito maior do que se encontrar.

‘Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância)’ brinca com o trágico e o cômico de forma aplaudível e mergulha em temas complexos com ludicidade e irreverência, mostrando que, no final das contas, a inimaginável alienação do desconhecer torna-se, sem sombra de dúvida, uma virtude.

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