domingo , 22 dezembro , 2024

Artigo | ‘Colette’ é um dos melhores filmes de Keira Knightley que você provavelmente não conhece

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Keira Knightley é conhecida por seus inúmeros papéis em dramas e aventuras de época. Apenas ao ouvir seu nome, conseguimos associá-la a uma das franquias mais rentáveis do cinema contemporâneo, Piratas do Caribe’, além de nos recordarmos de suas performances aplaudíveis em Orgulho e Preconceito’ e Anna Karenina’. Além de sua sedutora versatilidade, a atriz é dotada de um carisma instantâneo em cena, o qual é um dos grandes responsáveis por transformá-la na queridinha de grande parte do público. E após ter feito uma aparição em O Quebra-Nozes e os Quatro Reinos’, adaptação em live-action da Disney massacrado pela crítica, ela retornou ao seu patamar artístico com a cinebiografia Colette, baseada na vida de uma das escritoras francesas mais controversas do início do século XX. 

O filme gira em torno da personagem-título, uma jovem campesina cuja família não é dotada de grandes riquezas materiais. Ainda que seja protegida pela ama Sido (Fiona Shaw), a qual acredita que ela deve se casar por amor e com alguém de respeito, ela sabe que deve encontrar alguém que eleve seu nível social, mas acaba por se envolver com o crítico e escritor Willy (Dominic West), um dos solteiros mais cobiçados de toda a Paris. A união indesejada faz com que ele perca sua herança e que Gabrielle (Knightley), seu nome de batismo, seja malvista nos lugares que passa a frequentar – festas, eventos beneficentes e óperas -, sendo considerada uma oportunista. Além disso, as coisas não vão financeiramente muito bem, visto que Willy não tem uma publicação com boas vendas há algum tempo e Gabrielle só consegue ajudá-lo na transcrição de cartas. 



Acontece que o autor na verdade não é responsável pela criação das suas narrativas, contratando escritores-fantasmas que poderão terminar em tempo recorde suas brutas ideias. Eventualmente, ele descobre que pode usar as incríveis habilidades imaginativas de sua agora esposa para aumentar a renda e recuperar sua reputação nos inúmeros círculos sociais do qual faz parte. E assim, Gabrielle cria inúmeras aventuras envolvendo a personagem Claudine, que na verdade é uma extensão de si própria e de suas memórias de infância. Ainda que saiba que não terá seu nome publicado – afinal, mulheres no mercado literário não eram bem-vistas na Europa da belle époque -, ela adota o pseudônimo de Colette, desejando assim ser chamada por todos os seus amigos e inclusive por seu marido. 

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O drama familiar na verdade é bem mais complexo do que aparenta. Apesar da frágil e conhecida premissa, o diretor Wash Westmoreland é capaz de criar uma ambientação sólida e segura para o desenvolvimento de cada um dos personagens – e sim, eles são vários. Entretanto, diferente do que poderíamos pensar, a saturação excessiva dá lugar a escolhas bem feitas de presença e protagonismo, sempre convergindo as múltiplas subtramas para o casal principal. É claro que, além de uma habilidosa mão na cadeira principal, Westmoreland é auxiliado por um roteiro competente supervisionado por Richard Glatzer, com o qual colabora novamente três anos após o tour-de-force Para Sempre Alice. 

A dupla, como já nos provado no longa protagonizado por Julianne Moore, é capaz de extrair o melhor de seu elenco através de diálogos eximiamente estruturados e uma composição técnica hábil. A história de Colette passa por altos e baixos, culminando em uma autoaceitação desafiadora para os padrões da época, incluindo acerca de sua orientação sexual. Após o inesperado sucesso de seus livros, ela percebe que o marido não a ama mais, e sim se apaixonou por Claudine e por todos os benefícios que ela trouxera à sua vida. Apesar de se manterem casados, evitando assim quaisquer escândalos destrutivos, Colette e Willy se afastam e passam a viver em segredo seus mais íntimos desejos: a protagonista, em dado momento, se apaixona pela nobre Mathilde “Missy” de Morny (Denise Gough), um nome visto com depreciação pelo modo masculinizado de se vestir e por representar uma das primeiras figuras a abertamente falar sobre transexualidade (cujo tema só ganharia nome décadas depois). 

A atmosfera paradoxal da vida da heroína predispõe-se de temas contemporâneas, como o supracitado, o feminismo e a renegação de valores sociais tradicionalistas e burocráticos. Tais elementos catárticos ganham uma profunda reflexão na fotografia, a qual se inicia com uma perspectiva mais difusa e onírica, transitando para a penúria de uma composição mais sombria e sóbria, tão realista que chega a ser angustiante, enquanto persegue Colette em seu coming-of-age. Apesar de finalmente se encontrar como artista, ela ainda sente que algo lhe falta, e a comprovação desse buraco existencial vem no momento em que Willy, pensando apenas em si próprio, vende os direitos autorais da série de livros de Claudine a preço de banana. É nesse momento que ela percebe que seu ex-marido não pensaria duas vezes antes de trocá-la por algo material – e então, saindo sem olhar para trás do apartamento, ela finalmente encontra quem realmente é. 

O longa não é desprovido por completo de deslizes. Encontrando uma perfeição narrativo-estética emocionante com a chegada da segunda parte, o primeiro ato move-se numa fragilidade rítmica complicada até mesmo de ser analisada. Por vezes, a câmera de Westmoreland permanece em um só enquadramento, quando na verdade o tom da sequência exigia uma movimentação para manter sua fluidez. Entretanto, conquanto erre nos minutos iniciais, o diretor logo decide por qual caminho decide seguir e orquestra uma jornada de época belíssima. 

Colette mostra mais uma vez que as biopics não saíram de moda. Há muito a ser explorado, e caso o gênero mantenha-se em um nível tão envolvente quanto o deste, talvez nunca caia nas ruínas do preciosismo ou da presunção. E é claro: Knightley rouba cada uma das cenas em mais uma apresentação memorável e aprazível. 

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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Keira Knightley é conhecida por seus inúmeros papéis em dramas e aventuras de época. Apenas ao ouvir seu nome, conseguimos associá-la a uma das franquias mais rentáveis do cinema contemporâneo, Piratas do Caribe’, além de nos recordarmos de suas performances aplaudíveis em Orgulho e Preconceito’ e Anna Karenina’. Além de sua sedutora versatilidade, a atriz é dotada de um carisma instantâneo em cena, o qual é um dos grandes responsáveis por transformá-la na queridinha de grande parte do público. E após ter feito uma aparição em O Quebra-Nozes e os Quatro Reinos’, adaptação em live-action da Disney massacrado pela crítica, ela retornou ao seu patamar artístico com a cinebiografia Colette, baseada na vida de uma das escritoras francesas mais controversas do início do século XX. 

O filme gira em torno da personagem-título, uma jovem campesina cuja família não é dotada de grandes riquezas materiais. Ainda que seja protegida pela ama Sido (Fiona Shaw), a qual acredita que ela deve se casar por amor e com alguém de respeito, ela sabe que deve encontrar alguém que eleve seu nível social, mas acaba por se envolver com o crítico e escritor Willy (Dominic West), um dos solteiros mais cobiçados de toda a Paris. A união indesejada faz com que ele perca sua herança e que Gabrielle (Knightley), seu nome de batismo, seja malvista nos lugares que passa a frequentar – festas, eventos beneficentes e óperas -, sendo considerada uma oportunista. Além disso, as coisas não vão financeiramente muito bem, visto que Willy não tem uma publicação com boas vendas há algum tempo e Gabrielle só consegue ajudá-lo na transcrição de cartas. 

Acontece que o autor na verdade não é responsável pela criação das suas narrativas, contratando escritores-fantasmas que poderão terminar em tempo recorde suas brutas ideias. Eventualmente, ele descobre que pode usar as incríveis habilidades imaginativas de sua agora esposa para aumentar a renda e recuperar sua reputação nos inúmeros círculos sociais do qual faz parte. E assim, Gabrielle cria inúmeras aventuras envolvendo a personagem Claudine, que na verdade é uma extensão de si própria e de suas memórias de infância. Ainda que saiba que não terá seu nome publicado – afinal, mulheres no mercado literário não eram bem-vistas na Europa da belle époque -, ela adota o pseudônimo de Colette, desejando assim ser chamada por todos os seus amigos e inclusive por seu marido. 

O drama familiar na verdade é bem mais complexo do que aparenta. Apesar da frágil e conhecida premissa, o diretor Wash Westmoreland é capaz de criar uma ambientação sólida e segura para o desenvolvimento de cada um dos personagens – e sim, eles são vários. Entretanto, diferente do que poderíamos pensar, a saturação excessiva dá lugar a escolhas bem feitas de presença e protagonismo, sempre convergindo as múltiplas subtramas para o casal principal. É claro que, além de uma habilidosa mão na cadeira principal, Westmoreland é auxiliado por um roteiro competente supervisionado por Richard Glatzer, com o qual colabora novamente três anos após o tour-de-force Para Sempre Alice. 

A dupla, como já nos provado no longa protagonizado por Julianne Moore, é capaz de extrair o melhor de seu elenco através de diálogos eximiamente estruturados e uma composição técnica hábil. A história de Colette passa por altos e baixos, culminando em uma autoaceitação desafiadora para os padrões da época, incluindo acerca de sua orientação sexual. Após o inesperado sucesso de seus livros, ela percebe que o marido não a ama mais, e sim se apaixonou por Claudine e por todos os benefícios que ela trouxera à sua vida. Apesar de se manterem casados, evitando assim quaisquer escândalos destrutivos, Colette e Willy se afastam e passam a viver em segredo seus mais íntimos desejos: a protagonista, em dado momento, se apaixona pela nobre Mathilde “Missy” de Morny (Denise Gough), um nome visto com depreciação pelo modo masculinizado de se vestir e por representar uma das primeiras figuras a abertamente falar sobre transexualidade (cujo tema só ganharia nome décadas depois). 

A atmosfera paradoxal da vida da heroína predispõe-se de temas contemporâneas, como o supracitado, o feminismo e a renegação de valores sociais tradicionalistas e burocráticos. Tais elementos catárticos ganham uma profunda reflexão na fotografia, a qual se inicia com uma perspectiva mais difusa e onírica, transitando para a penúria de uma composição mais sombria e sóbria, tão realista que chega a ser angustiante, enquanto persegue Colette em seu coming-of-age. Apesar de finalmente se encontrar como artista, ela ainda sente que algo lhe falta, e a comprovação desse buraco existencial vem no momento em que Willy, pensando apenas em si próprio, vende os direitos autorais da série de livros de Claudine a preço de banana. É nesse momento que ela percebe que seu ex-marido não pensaria duas vezes antes de trocá-la por algo material – e então, saindo sem olhar para trás do apartamento, ela finalmente encontra quem realmente é. 

O longa não é desprovido por completo de deslizes. Encontrando uma perfeição narrativo-estética emocionante com a chegada da segunda parte, o primeiro ato move-se numa fragilidade rítmica complicada até mesmo de ser analisada. Por vezes, a câmera de Westmoreland permanece em um só enquadramento, quando na verdade o tom da sequência exigia uma movimentação para manter sua fluidez. Entretanto, conquanto erre nos minutos iniciais, o diretor logo decide por qual caminho decide seguir e orquestra uma jornada de época belíssima. 

Colette mostra mais uma vez que as biopics não saíram de moda. Há muito a ser explorado, e caso o gênero mantenha-se em um nível tão envolvente quanto o deste, talvez nunca caia nas ruínas do preciosismo ou da presunção. E é claro: Knightley rouba cada uma das cenas em mais uma apresentação memorável e aprazível. 

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