Região já foi palco para diversas histórias exóticas que perpetuam um pensamento incorreto
Em meio a divulgação da vindoura série do Disney Plus, Cavaleiro da Lua, o diretor dos episódios, Mohammed Diab, concedeu um enfoque a como ele fez questão que elementos culturais do Egito, seu país natal, fossem estritamente respeitados na elaboração da trama sobre o novo vigilante da Marvel. No entanto, ele não se limitou apenas a esse ponto.
Para exemplificar seu argumento de que a representação de sua terra era tradicionalmente imprópria, o cineasta mencionou duas obras recentes da DC Comics como exemplos a não serem seguidos: Adão Negro e Mulher Maravilha 1984.
No primeiro caso ele chamou a atenção para a ausência de um ator egípcio para interpretar o protagonista homônimo do país e como isso se distanciava de uma representatividade. Já no segundo caso, ele criticou como a nação foi apresentada no filme de Patty Jenkins, citando que o local é como se fosse um ponto isolado no deserto.
Ao que tange o ponto de vista do cineasta, o Egito normalmente é representado sob uma ótica de estereótipos, sejam eles de hipersexualização ou violência; ou seja, perpetuando o conceito de orientalismo no cinema. Resumidamente o termo data de 1978, proposto inicialmente por Edward Said no livro de mesmo nome, para definir uma forma muito específica com o ocidente retrata o oriente e suas múltiplas culturas nacionais.
Em resumo, tais países acabam sendo representados, primordialmente, por locais que pouco falam sobre como aquele povo se comporta com a modernidade, porém muito mais com seu passado misterioso, para o público ocidental, e acima de tudo exótico; perpetuando conceitos extremamente rasos ou incorretos sobre culturas estrangeiras.
A relação do cinema com o Egito data desde a parte final do século XIX, mais especificamente 1899, quando o cineasta francês George Méliès realizou uma obra acerca da histórica rainha Cleópatra. Entretanto, a abordagem concedida pelo cineasta não foi biográfica, até pela curta duração do filme, mas sim do terror.
No que ficou conhecido como um dos primeiros exemplares do gênero a serem lançados, Cleópatra 1899 contava a história de um explorador que, acidentalmente, quebra um artefato que pertenceu à governante. O incidente desencadeia uma vingança perpetrada pelo espírito furioso. A obra foi a primeira do cineasta, que já tinha em seu currículo Viagem à Lua, a ganhar reconhecimento nos Estados Unidos.
Todavia, tal lançamento solidificou na cultura popular o mencionado pensamento irreal acerca da nação africana e, mais que isso, abriu caminho para uma longa sucessão de projetos do gênero terror que adaptaram o conceito da “maldição da múmia” como The Mummy (filme mudo de 1911) e, verdadeiramente impactante, A Múmia em 1932 produzida pela Universal Studios como parte de sua franquia muito bem sucedida de monstros.
A partir desse ponto o tema “Egito Antigo” seguiu quase como uma exclusividade de filmes de terror de baixo orçamento como em outro projeto de mesmo nome, dessa vez dirigido por Terence Fisher em 1959 e produzido pela Hammer Films e 1940 quando a Universal lançou uma sequência ao filme original intitulada A Mão da Múmia.
Todavia, o ano de 1963 é essencial para se compreender uma outra visão orientalista que Hollywood desenvolvia pelo Egito: a da sensualidade e riquezas imensuráveis. Esse foi o ano que Joseph Mankiewicz lançou seu projeto mais famoso, Cleópatra estrelada por Elizabeth Taylor.
Já na época de lançamento o filme já havia conquistado status diferenciado principalmente pelo seu design de produção, uma recriação vibrante com tecnologia Technicolor que, famosamente, quase faliu a 20th Century Fox com seu orçamento de US$ 44 milhões, fora os problemas de bastidores envolvendo Elizabeth Taylor e Richard Burton.
O filme não concretizou a imagem de um antigo Egito feito quase que literalmente de ouro como a regra informal de escalar elencos inteiros de etnia branca para papéis que dialogam mais com as etnias do Oriente Médio. Muito pode ser colocado nas costas do período, porém a problemática se mantém intacta até o século XXI tendo como exemplos os filmes Deuses do Egito e Êxodo: Deuses e Reis.
Num plano menor esse vício torna ainda mais difícil que atores e atrizes de pele escura consigam papéis maiores, principalmente em ambientações que pedem tal escolha, e por um contexto maior apenas continua com um processo errado de compreensão de como eram tais nações.
Apesar da reclamação pontual de Mohamed Diab é válido apontar que ela ainda vai, não só permanecer, como possivelmente ser revisitada em muito pouco tempo, visto que a cineasta Patty Jenkins está em vias de produzir uma nova versão para a mencionada rainha do Egito tendo Gal Gadot no papel principal, escolha essa que, quando anunciada, gerou críticas em diversos segmentos.