[ANTES DE COMEÇAR A MATÉRIA, FIQUE CIENTE QUE ELA CONTÉM SPOILERS]
Se você ainda não assistiu As Marvels, evite esta matéria, pois ela contém revelações importantes sobre a trama, os temidos Spoilers
As Marvels estreou nos cinemas brasileiros nesta quinta (9), trazendo uma aventura divertida e bem-humorada para as telonas, respeitando fielmente o estilo das histórias em quadrinhos da Kamala Khan, a Ms. Marvel. Por se tratar de um longa ambientado praticamente todo no núcleo espacial do MCU, ele pode decepcionar um pouco àqueles que esperam uma space opera complexa e cheia de termos cabeça da ficção científica. Na verdade, o filme preza em desenvolver a relação entre suas três protagonistas e carimbar de uma vez por todas a Kamala como um dos principais rostos do Universo Cinematográfico Marvel nos próximos anos.
E por ser um filme de curta duração, com aproximadamente 1h45, ele é meio corrido, passando a sensação de ser um grande episódio de uma série. E dado o que acontece em tela, é possível que seja mesmo proposital. Isso porque As Marvels é o que eu costumo chamar de “Filme Estrutural”.
Ao longo dos anos, o Universo Cinematográfico Marvel foi construído por meio de Fases. Em cada uma delas, Kevin Feige traçou um planejamento para que fossem lançados filmes solo de cada herói, que trouxessem elementos para aproximá-los de outras franquias, permitindo que essas histórias se entrelaçassem e culminassem em um grande filme-evento dos Vingadores. A estratégia, como todos sabem, foi um sucesso, fazendo com que a Marvel dominasse as bilheterias do mundo na última década.
Nesse meio, porém, houve filmes que tiveram suas histórias ‘sacrificadas’ pela coesão do universo compartilhado. Eles contaram suas tramas isoladas, mas foram cercados de elementos e situações incluídas para permitir certas resoluções tardias. Muitas das vezes, isso acabou prejudicando o filme em si e ajudando o tal evento do fim da Fase. São os ‘Filmes Estruturais’.
Na Fase Um, o ‘estrutural’ é Homem de Ferro 2 (2010). Ele dá prosseguimento à saga de Tony Stark (Robert Downey Jr.), que parte numa jornada de investigar seu passado, enquanto é envenenado pelo paládio do reator em seu peito, mas tem sua trama interrompida pelos elementos inseridos para estabelecer elementos de Os Vingadores (2012). Dessa forma, ele introduz a Viúva Negra (Scarlett Johansson) como personagem recorrente, traz o subtrama da formação do grupo de heróis e insere coisas como uma referência ao escudo do Capitão América e a chegada do martelo do Thor.
Esses momentos, principalmente a interferência da SHIELD, desconectam o público da história em si, o que efetivamente atrapalha o desenvolvimento da trama, mas estabelece esses pequenos elementos que economizaram tempo de apresentação no filme de 2012, o que ajudou o longa a se tornar um clássico.
A Fase Dois foi diferente. Em um momento mais experimental, os diretores puderam ter um pouco mais de liberdade para desenvolver seus longas, só que o resultado não foi exatamente muito bem recebido pelo público. Com exceção dos dois filmes lançados em 2014 (Capitão América: O Soldado Invernal e Guardiões da Galáxia), todos os outros dividiram opiniões. Dessa forma, o “Filme Estrutural” foi justamente o auge dessa fase: Vingadores: Era de Ultron (2015).
Além de estabelecer situações fundamentais para o sucesso da Fase Três, como a criação do Visão (Paul Bettany), a breve vilanização de Tony Stark, os conflitos internos do Hulk (Mark Ruffalo), e a introdução do núcleo familiar do Gavião Arqueiro (Jeremy Renner), o filme foi usado como ferramenta de retcon para eventos da própria Fase Dois que não foram bem aceitos pelo público. Então, ele usa um tempo de tela para mostrar a SHIELD sendo remontada, após supostamente ter sido destruída em Capitão América 2, e explica como Stark voltou a ser o Homem de Ferro depois de remover o reator nuclear de seu peito no polêmico Homem de Ferro 3 (2013). Isso sem falar na destruição de Sokovia, que gerou vilões e ameaças até a Fase Quatro.
A crítica não caiu de amores por Era de Ultron, tendo na longa duração uma das principais reclamações da crítica especializada.
Na louvada Fase Três, que trouxe alguns dos filmes favoritos dos fãs, quem sofreu com o efeito “Filme Estrutural” foi Capitão América: Guerra Civil (2016). Inspirado em uma das sagas de maior sucesso dos quadrinhos, o longa foi feito quase como um Vingadores 2.5, o que prejudicou diretamente a trama de busca e conversão do Soldado Invernal (Sebastian Stan) iniciada em 2014 e brevemente mencionada em Vingadores 2. A relação entre Steve e Bucky ainda ganha bastante espaço no longa, mas não chega perto do que havia sido prometido.
Tudo isso para abrir espaço para desenvolver o racha no grupo dos heróis mais poderosos da Terra, introduzir o Pantera Negra (Chadwick Boseman) e o Homem-Aranha (Tom Holland), e expandir os poderes do Homem-Formiga (Paul Rudd), tirando o herói de cena, levando o time de supers a chegar completamente fragilizado para os eventos de Vingadores: Guerra Infinita (2018).
Na controversa Fase Quatro, a chegada das séries do Disney+ bagunçou toda a estrutura do MCU, não desenvolvendo exatamente um “filme estrutural” para chamar de seu. Com as produções televisivas, cada série meio que adotou esse formato estrutural. A falta de direcionamento dessa fase, que passou a sensação de que a Marvel estava “atirando para todos os lados”, também complicou a organização.
Assim que anunciado, tudo indicava que Doutor Estranho no Multiverso da Loucura (2022) seria o filme estrutural da vez. Afinal, ele repercutiria os eventos de WandaVision (2021) e prepararia o terreno de Multiverso para ser desenvolvido em Loki (2021). No entanto, o roteiro incompetente de Michael Waldron não dialogou com o final da série da Wanda (Elizabeth Olsen), resultando em um sacrifício bem grande de tempo para retomar um tema já abordado e resolvido no seriado que foi sucesso dentre o público. Complicando ainda mais a situação, a primeira temporada de Loki, criada e escrita pelo próprio Waldron, foi pouquíssima afetada pelo filme do Mago. No fim das contas, não houve o tal filme estrutural na Fase Quatro, o que reflete diretamente na zona que foi esse período entre 2020 e 2022, que contou com absurdas 16 produções.
Agora, a Marvel parece ter encontrado o rumo nesta Fase Cinco, com suas produções direcionando para a ruptura do espaço-tempo, abrindo as portas para a colisão de diferentes universos em tela, o que será abordado nos próximos dois filmes dos Vingadores. E mesmo com cada filme e série trazendo um pouquinho desse assunto, é justamente em As Marvels que os próximos anos do estúdio ganham direcionamento.
Monica Rambeau (Teyonah Parris) fica presa em outra realidade, na qual encontra os X-Men da Fox. Carol Danvers (Brie Larson) volta para a Terra após resolver uma da crise dos Kree, voltando a causar polêmica com os Skrulls, que já deram seus sinais de vilania. Já Kamala Khan (Iman Vellani) vira o elo entre as séries e os cinemas, reunindo os Jovens Vingadores, que foram aparecendo gradualmente nas produções do Disney+. O mais legal é que eles conseguiram montar essas estruturas sem sacrificar tanto da trama do filme, que já era curtinha. Pode ser que As Marvels não agrade a todos, mas certamente se consolida como um dos filmes mais importantes dos últimos anos do MCU.
As Marvels está em cartaz nos principais cinemas do Brasil