Aaron Ehasz ganhou aclame universal ao dar vida a uma das séries animadas mais premiadas da história: ‘Avatar: A Lenda de Aang’. A produção, ambientada em uma longínqua terra habitada pelos dobradores dos quatro elementos, logo caiu no gosto popular e abriu espaço para a habilidade inegável de construir histórias memoráveis do showrunner e roteirista – e isso talvez explique o porquê de ‘O Príncipe Dragão’ ter alcançado um patamar tão incrível quanto. Afinal, uma mágica aventura emulando as melhores narrativas medievais enquanto explora temas de extrema importância para as novas gerações teria tudo para dar certo, ainda que corresse o risco de se tornar uma cópia sem vida de tantas outras obras do gênero; felizmente, não é isso que acontece e, com a chegada da segunda temporada, Ehasz prova mais uma vez que ainda tem muito a nos contar.
Em colaboração a Justin Richmond, o criador nos convida a retornar para o místico continente de Xadia, mais precisamente para a continuação da jornada de Callum (Jack De Sena), Rayla (Paula Burrows) e Ezran (Sasha Rojen) em devolver o príncipe dragão ao seu lar. Entretanto, diferente da costumeira apresentação já vista na iteração de estreia, o roteiro muda a perspectiva dos arcos e cultiva um delicioso e chocante amadurecimento por parte de seus personagens na segunda temporada, colocando-os em ambiências mais intimistas e mais perigosas em prol de transformar irreversivelmente suas personalidades outrora superficiais, por assim dizer.
Enquanto a estreia insurge para nos apresentar aos cenários mágicos, aos vilões, aos mocinhos e aos desafios enfrentados pelos protagonistas, é interessante perceber como os novos episódios se desenrolam de modo a fundir construções contraditórias. Callum, tentando recuperar suas habilidades mágicas, cruza caminhos com sua paixão platônica Claudia (Racquel Belmonte), uma poderosa feiticeira que se rendeu à magia das trevas e age como se tudo estivesse normal – tentando convencer o jovem rapaz a buscar tais métodos para transcender à sua condição de humano. O que é um tanto quanto intrigante, considerando que Claudia é irmã do egocêntrico guerreiro Soren (Jesse Inocalla) e filha do conturbado Viren (Jason Simpson), que já provou ser um traidor da família real e que está disposto a tudo para conseguir o que quer.
Isso não é tudo: Rayla, pertencente a um grupo assassino de Elfos da Noite (arqui-inimigos jurados dos humanos), vem deixando seus valores de lado por uma causa maior, até mesmo se aproximando dos príncipes reais e desenvolvendo uma relação de amizade pautada no sarcasmo e na proteção, que já dá ares de um outro sentimento que talvez seja explorado nos próximos anos, mesmo não sendo necessário. Não sabemos exatamente qual será o destino dessa impetuosa guerreira, visto que os capítulos do segundo ano focaram mais em temas de profundidade emotiva que desconstruíram as barreiras do espaço-tempo e uniram gerações diferentes em uma mesma trama.
Em meio a uma beleza artística impecável e nostálgica, própria dos primeiros anos da década passada, Ehasz e Richmond arquitetam com uma deliciosa vontade um conto que se afasta consideravelmente dos convencionalismos da jornada de herói sem abandonar elementos clássicos muito bem-vindos – como a transição entre o mundo conhecido e o desconhecido e os inúmeros obstáculos que conversam com o monomito. A dupla revela duras verdades aos jovens meninos, colocando Ezran em contato com a iminente morte de seu pai e a compreensão de que ele é o herdeiro do trono por direito, devendo abandonar sua jornada principal para salvar seu povo e impedir que o reino se renda às vontades beligerantes de seu tio Viren – que tomou para si a liberdade de reunir os exércitos das quatro províncias para lutar contra os dragões e os elfos.
Como se não bastasse, explanações bem-vindas sobre o passado da família real também encontram território para se delinearem; é claro que a sensação de filler aparece com força nos episódios em questão, mas ao menos contribuem para uma obrigatória epifania de diversos personagens, incluindo Callum (que, a partir disso, se engolfa em uma experiência de quase morte apenas para recuperar seu arcano e se conectar com a magia primitiva de Xadia) e de Viren (que recorre a um perigoso aliado cujas habilidades persuasivas são mais mortais do que podemos imaginar).
Mais uma vez, a iteração tangencia uma perfeição televisiva invejável, mas ainda carrega consigo alguns deslizes que não são totalmente lapidados, mesmo que não sejam expressivos o suficiente para tirar o brilho da produção. Na verdade, os obstáculos encontrados em meio aos nove gloriosos episódios residem na restrição de movimento dos nossos heróis, que passam boa parte do tempo meditando sobre a vida e enclausurando-se em uma espécie de altar élfico enquanto decidem para qual caminho seguir. Eventualmente, essa intimista imobilidade deixa de ser palpável e cede à monotonia, recuperando o dinamismo talvez um pouco tarde demais.
Em sua 2ª temporada, ‘O Príncipe Dragão’ retornou com força inigualável e funciona como uma aula de como escrever uma boa história para o cenário audiovisual – incluindo uma permeabilidade que reflete o amadurecimento de seus personagens e uma preparação para os ciclos seguintes que apenas ajudariam a reiterar sua qualidade quase impecável.