quinta-feira , 21 novembro , 2024

Artigo | Há quatro anos, ‘Sex Education’ estreava na Netflix e se tornava uma das melhores séries da plataforma

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Há algumas décadas, sexo era um tema bastante polêmico para ser tratado nas indústrias do entretenimento, sendo revestido com algumas simbologias que se tornaram clássicas – quem não se lembra das sequências em que o casal se esparramava na cama e acendia dois cigarros para conversarem (sim, essa era uma das saídas para expressar o momento pós-coito)? Porém, nos dias atuais, todo o tabu acerca desses diálogos ganhou um delicioso liberalismo que em momento algum tangencia a libertinagem, e sim simplesmente fala o que é verdade. E na época da adolescência, é muito difícil encontrar jovens que pensam em outra coisa a não ser isso.

É a partir dessa ideia que Laurie Nunn criou uma das séries mais rebeldes e irreverentes da Netflix, Sex Education’, composta por um elenco maravilhosamente bem escolhido e aproveitando todas as brechas possíveis para delinear as mais envolventes e emocionantes histórias. Entretanto, diferente das saturadas rom-coms que permearam o final dos anos 1990 e começo dos 2000, esse show abre ainda mais as portas para discussões necessárias e embebidas com resoluções e cliffhangers estruturados com esmero impecável, ainda que peque em alguns excessos melodramáticos próprios até mesmo da nossa vida.



De qualquer forma, é interessante ver de que modo os personagens se relacionam entre si e como Nunn não se preocupa em suprimir cenas íntimas, seja com casais héteros ou homossexuais, seja com jovens ou com adultos, mostrando que o sexo é parte natural da humanidade e não deve ser tratado como se fosse um bicho de sete cabeças. E nada melhor para compor o escopo principal que trazer, como protagonista, o filho de uma terapeuta sexual que parece ter o mesmo dom para ajudar as pessoas que a mãe, uma adolescente rebelde com passado conturbado e que se faz de valentona para seus colegas de escola escrotos, e um melhor amigo que apenas tenta se encaixar dentro do lugar em que vive e ser quem sempre quis ser.

Não é muito difícil se conectar com a série, ainda que logo nas primeiras cenas o público mais conservador e tradicionalista se choque com explicitações imagéticas e dialógicas que definitivamente não prezam pela sutileza – inclusive renegam-na até os momentos finais. Porém, não pense que Sex Education’ se restringe apenas a esse tipo de história; o pano de fundo sexual é apenas uma das premissas que une os diversos personagens, servindo também como base para sustentar relações interpessoais, romances, autoaceitação, mentiras e outros. Não é à toa que cada um dos episódios começa com um breve prólogo apresentando personagens novos com respectivos problemas quanto ao coito e que conversam, em um âmbito mais metafórico, com obstáculos interiores.

É nesse meio que surgem as figuras de Otis (Asa Butterfield) e Jean (Gillian Anderson), que constituem uma das famílias mais divertidas e fora do padrão de todos os tempos. Otis vive em constante descoberta com o seu corpo, visto que já tem dezesseis anos e, diferente de outros meninos da sua escola, sente uma repulsa gigante quanto a se masturbar, enquanto tenta se esconder das tentativas da própria mãe em se aproximar dele e ajudá-lo a “se soltar”. Contraditoriamente, e aqui reside um dos brilhantismos do composé, Otis acaba por ser de grande ajuda para os inúmeros problemas que os alunos do ensino médio enfrentam em relação a seus corpos e em relação a se conectarem com outrem – e mesmo assim, luta para se manter em uma zona confortável com sua figura materna.

Mas é Maeve (Emma Mackey) quem acaba roubando a cena: ela se comporta como uma valentona, uma adolescente que não deixa ninguém a abalar e que é dona de suas próprias ações e consequências. Todavia, por detrás de toda a maquiagem que coloca no rosto e das roupas escandalosas que veste, Maeve na verdade é bastante independente e forte devido ao seu histórico familiar de abandono e de inúmeros abusos – o que explica seu bloqueio emocional para aqueles que desejam ser mais do que seus amigos. Durante a série, o público se faz presente em uma das cenas mais comoventes, na qual ela acaba engravidando e resolve imediatamente ter um aborto, atraindo atenção para si e, ao mesmo tempo, estreitando seus laços com Otis, que acaba por se tornar um grande amigo e confidente.

Talvez um dos principais ápices venha na capacidade de Nunn e todo um time criativo bastante competente em trazer complexidade para “tipos sociais colegiais” e transformá-los em indivíduos palpáveis. Temas como o supracitado aborto compõe a atmosfera tragicômica juntamente a outras investidas, como a homofobia sofrida por Eric (Ncuti Gatwa), seja pelos jocks da escola e seja em um determinado momento em que ele volta sozinho de um passeio, montado e maquiado, e acaba apanhando de dois homens preconceituosos, apenas para perceber que ser quem realmente é, é um desafio diário. Até mesmo seu pai, que teria todos os motivos para também ser um conservador medíocre, compreende quem é seu filho, mas avisa-lhe que ele deve aprender a se proteger.

Os cenários interessantes parecem ser colocados em segundo plano, mas confrontam os “pesados” temas trazidos pela série. De forma inteligente, a paisagem campesina e quase medieval de uma cidadezinha inglesa do interior funciona como suposto respaldo tradicionalista de certos personagens – como pais, professores e o próprio diretor do colégio – e vão de encontro à contemporaneidade da geração millenial, garantindo as quebras de expectativa e arrancando risadas sinceras dos telespectadores.

‘Sex Education’ é uma série tão inteligente que deixar de encontrar elementos que nos acrescentem algo é um trabalho bastante difícil e quase impossível. A não ser por poucos momentos em que o melodrama novelesco fala um pouco mais alto, a dramédia adolescente se tornou uma das melhores entrada da Netflix e continua a nos encantar mesmo quatro anos depois.

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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É a partir dessa ideia que Laurie Nunn criou uma das séries mais rebeldes e irreverentes da Netflix, Sex Education’, composta por um elenco maravilhosamente bem escolhido e aproveitando todas as brechas possíveis para delinear as mais envolventes e emocionantes histórias. Entretanto, diferente das saturadas rom-coms que permearam o final dos anos 1990 e começo dos 2000, esse show abre ainda mais as portas para discussões necessárias e embebidas com resoluções e cliffhangers estruturados com esmero impecável, ainda que peque em alguns excessos melodramáticos próprios até mesmo da nossa vida.

De qualquer forma, é interessante ver de que modo os personagens se relacionam entre si e como Nunn não se preocupa em suprimir cenas íntimas, seja com casais héteros ou homossexuais, seja com jovens ou com adultos, mostrando que o sexo é parte natural da humanidade e não deve ser tratado como se fosse um bicho de sete cabeças. E nada melhor para compor o escopo principal que trazer, como protagonista, o filho de uma terapeuta sexual que parece ter o mesmo dom para ajudar as pessoas que a mãe, uma adolescente rebelde com passado conturbado e que se faz de valentona para seus colegas de escola escrotos, e um melhor amigo que apenas tenta se encaixar dentro do lugar em que vive e ser quem sempre quis ser.

Não é muito difícil se conectar com a série, ainda que logo nas primeiras cenas o público mais conservador e tradicionalista se choque com explicitações imagéticas e dialógicas que definitivamente não prezam pela sutileza – inclusive renegam-na até os momentos finais. Porém, não pense que Sex Education’ se restringe apenas a esse tipo de história; o pano de fundo sexual é apenas uma das premissas que une os diversos personagens, servindo também como base para sustentar relações interpessoais, romances, autoaceitação, mentiras e outros. Não é à toa que cada um dos episódios começa com um breve prólogo apresentando personagens novos com respectivos problemas quanto ao coito e que conversam, em um âmbito mais metafórico, com obstáculos interiores.

É nesse meio que surgem as figuras de Otis (Asa Butterfield) e Jean (Gillian Anderson), que constituem uma das famílias mais divertidas e fora do padrão de todos os tempos. Otis vive em constante descoberta com o seu corpo, visto que já tem dezesseis anos e, diferente de outros meninos da sua escola, sente uma repulsa gigante quanto a se masturbar, enquanto tenta se esconder das tentativas da própria mãe em se aproximar dele e ajudá-lo a “se soltar”. Contraditoriamente, e aqui reside um dos brilhantismos do composé, Otis acaba por ser de grande ajuda para os inúmeros problemas que os alunos do ensino médio enfrentam em relação a seus corpos e em relação a se conectarem com outrem – e mesmo assim, luta para se manter em uma zona confortável com sua figura materna.

Mas é Maeve (Emma Mackey) quem acaba roubando a cena: ela se comporta como uma valentona, uma adolescente que não deixa ninguém a abalar e que é dona de suas próprias ações e consequências. Todavia, por detrás de toda a maquiagem que coloca no rosto e das roupas escandalosas que veste, Maeve na verdade é bastante independente e forte devido ao seu histórico familiar de abandono e de inúmeros abusos – o que explica seu bloqueio emocional para aqueles que desejam ser mais do que seus amigos. Durante a série, o público se faz presente em uma das cenas mais comoventes, na qual ela acaba engravidando e resolve imediatamente ter um aborto, atraindo atenção para si e, ao mesmo tempo, estreitando seus laços com Otis, que acaba por se tornar um grande amigo e confidente.

Talvez um dos principais ápices venha na capacidade de Nunn e todo um time criativo bastante competente em trazer complexidade para “tipos sociais colegiais” e transformá-los em indivíduos palpáveis. Temas como o supracitado aborto compõe a atmosfera tragicômica juntamente a outras investidas, como a homofobia sofrida por Eric (Ncuti Gatwa), seja pelos jocks da escola e seja em um determinado momento em que ele volta sozinho de um passeio, montado e maquiado, e acaba apanhando de dois homens preconceituosos, apenas para perceber que ser quem realmente é, é um desafio diário. Até mesmo seu pai, que teria todos os motivos para também ser um conservador medíocre, compreende quem é seu filho, mas avisa-lhe que ele deve aprender a se proteger.

Os cenários interessantes parecem ser colocados em segundo plano, mas confrontam os “pesados” temas trazidos pela série. De forma inteligente, a paisagem campesina e quase medieval de uma cidadezinha inglesa do interior funciona como suposto respaldo tradicionalista de certos personagens – como pais, professores e o próprio diretor do colégio – e vão de encontro à contemporaneidade da geração millenial, garantindo as quebras de expectativa e arrancando risadas sinceras dos telespectadores.

‘Sex Education’ é uma série tão inteligente que deixar de encontrar elementos que nos acrescentem algo é um trabalho bastante difícil e quase impossível. A não ser por poucos momentos em que o melodrama novelesco fala um pouco mais alto, a dramédia adolescente se tornou uma das melhores entrada da Netflix e continua a nos encantar mesmo quatro anos depois.

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