sábado, abril 27, 2024

Artigo | Há quatro anos, ‘Sex Education’ estreava na Netflix e se tornava uma das melhores séries da plataforma

Há algumas décadas, sexo era um tema bastante polêmico para ser tratado nas indústrias do entretenimento, sendo revestido com algumas simbologias que se tornaram clássicas – quem não se lembra das sequências em que o casal se esparramava na cama e acendia dois cigarros para conversarem (sim, essa era uma das saídas para expressar o momento pós-coito)? Porém, nos dias atuais, todo o tabu acerca desses diálogos ganhou um delicioso liberalismo que em momento algum tangencia a libertinagem, e sim simplesmente fala o que é verdade. E na época da adolescência, é muito difícil encontrar jovens que pensam em outra coisa a não ser isso.

É a partir dessa ideia que Laurie Nunn criou uma das séries mais rebeldes e irreverentes da Netflix, Sex Education’, composta por um elenco maravilhosamente bem escolhido e aproveitando todas as brechas possíveis para delinear as mais envolventes e emocionantes histórias. Entretanto, diferente das saturadas rom-coms que permearam o final dos anos 1990 e começo dos 2000, esse show abre ainda mais as portas para discussões necessárias e embebidas com resoluções e cliffhangers estruturados com esmero impecável, ainda que peque em alguns excessos melodramáticos próprios até mesmo da nossa vida.

De qualquer forma, é interessante ver de que modo os personagens se relacionam entre si e como Nunn não se preocupa em suprimir cenas íntimas, seja com casais héteros ou homossexuais, seja com jovens ou com adultos, mostrando que o sexo é parte natural da humanidade e não deve ser tratado como se fosse um bicho de sete cabeças. E nada melhor para compor o escopo principal que trazer, como protagonista, o filho de uma terapeuta sexual que parece ter o mesmo dom para ajudar as pessoas que a mãe, uma adolescente rebelde com passado conturbado e que se faz de valentona para seus colegas de escola escrotos, e um melhor amigo que apenas tenta se encaixar dentro do lugar em que vive e ser quem sempre quis ser.

Não é muito difícil se conectar com a série, ainda que logo nas primeiras cenas o público mais conservador e tradicionalista se choque com explicitações imagéticas e dialógicas que definitivamente não prezam pela sutileza – inclusive renegam-na até os momentos finais. Porém, não pense que Sex Education’ se restringe apenas a esse tipo de história; o pano de fundo sexual é apenas uma das premissas que une os diversos personagens, servindo também como base para sustentar relações interpessoais, romances, autoaceitação, mentiras e outros. Não é à toa que cada um dos episódios começa com um breve prólogo apresentando personagens novos com respectivos problemas quanto ao coito e que conversam, em um âmbito mais metafórico, com obstáculos interiores.

É nesse meio que surgem as figuras de Otis (Asa Butterfield) e Jean (Gillian Anderson), que constituem uma das famílias mais divertidas e fora do padrão de todos os tempos. Otis vive em constante descoberta com o seu corpo, visto que já tem dezesseis anos e, diferente de outros meninos da sua escola, sente uma repulsa gigante quanto a se masturbar, enquanto tenta se esconder das tentativas da própria mãe em se aproximar dele e ajudá-lo a “se soltar”. Contraditoriamente, e aqui reside um dos brilhantismos do composé, Otis acaba por ser de grande ajuda para os inúmeros problemas que os alunos do ensino médio enfrentam em relação a seus corpos e em relação a se conectarem com outrem – e mesmo assim, luta para se manter em uma zona confortável com sua figura materna.

Mas é Maeve (Emma Mackey) quem acaba roubando a cena: ela se comporta como uma valentona, uma adolescente que não deixa ninguém a abalar e que é dona de suas próprias ações e consequências. Todavia, por detrás de toda a maquiagem que coloca no rosto e das roupas escandalosas que veste, Maeve na verdade é bastante independente e forte devido ao seu histórico familiar de abandono e de inúmeros abusos – o que explica seu bloqueio emocional para aqueles que desejam ser mais do que seus amigos. Durante a série, o público se faz presente em uma das cenas mais comoventes, na qual ela acaba engravidando e resolve imediatamente ter um aborto, atraindo atenção para si e, ao mesmo tempo, estreitando seus laços com Otis, que acaba por se tornar um grande amigo e confidente.

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Talvez um dos principais ápices venha na capacidade de Nunn e todo um time criativo bastante competente em trazer complexidade para “tipos sociais colegiais” e transformá-los em indivíduos palpáveis. Temas como o supracitado aborto compõe a atmosfera tragicômica juntamente a outras investidas, como a homofobia sofrida por Eric (Ncuti Gatwa), seja pelos jocks da escola e seja em um determinado momento em que ele volta sozinho de um passeio, montado e maquiado, e acaba apanhando de dois homens preconceituosos, apenas para perceber que ser quem realmente é, é um desafio diário. Até mesmo seu pai, que teria todos os motivos para também ser um conservador medíocre, compreende quem é seu filho, mas avisa-lhe que ele deve aprender a se proteger.

Os cenários interessantes parecem ser colocados em segundo plano, mas confrontam os “pesados” temas trazidos pela série. De forma inteligente, a paisagem campesina e quase medieval de uma cidadezinha inglesa do interior funciona como suposto respaldo tradicionalista de certos personagens – como pais, professores e o próprio diretor do colégio – e vão de encontro à contemporaneidade da geração millenial, garantindo as quebras de expectativa e arrancando risadas sinceras dos telespectadores.

‘Sex Education’ é uma série tão inteligente que deixar de encontrar elementos que nos acrescentem algo é um trabalho bastante difícil e quase impossível. A não ser por poucos momentos em que o melodrama novelesco fala um pouco mais alto, a dramédia adolescente se tornou uma das melhores entrada da Netflix e continua a nos encantar mesmo quatro anos depois.

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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