quarta-feira , 25 dezembro , 2024

Artigo | Ninguém está no controle: o final explicado de ‘O Mundo Depois de Nós’

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Cuidado: spoilers à frente.

Nos últimos dias, a Netflix voltou a conquistar seus assinantes com o lançamento do suspense O Mundo Depois de Nós.



Dirigido por Sam Esmail, mesma mente por trás da aclamada série ‘Mr. Robot’, o longa-metragem acompanha uma família que resolve escapar do caos urbano de Long Island e vai até uma casa alugada em uma ilha para poderem descansar e se esquivar dos estresses diários. Entretanto, eventos estranhos começam a acontecer – incluindo queda de energia generalizada, linhas telefônicas sem funcionar e sem qualquer possibilidade de acessar a internet – e, quando os donos da belíssima propriedade que estão hospedados retornam, eles temem que algo mais mortal esteja se escondendo bem à frente deles.

Esmail já era um nome conhecido por tratar com profundidade o submundo dos hackers e dos ataques cibernéticos que acontecem diariamente – mas, aqui, o escopo com o qual sempre trabalhou é elevado à enésima potência por se tratar de uma beligerante luta pelo poder em que os Estados Unidos como um todo mergulham no desespero da impotência. E, ainda que tenha erros bastante óbvios, é notável como a atuação de um elenco estelar nos guia por essa complexa jornada de retorno à barbaridade e ao primitivismo pré-adventos tecnológicos.

Assista também:
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A verdade é que as inúmeras “dicas” fornecidas pelo diretor não tiram as múltiplas camadas da produção: através de duas horas e vinte de pura angústia, Esmail deixa bem claro que, no final das contas, a falsa sensação de poder chegará ao fim – e aqueles que haviam aceitado coniventes se submeterem a uma força intangível e, de fato, inexistente, são deixados à própria sorte em um barril de pólvora prestes a explodir. Os Estados Unidos, emblema máximo do neoimperialismo, se veem acuados ao nem ao menos saberem quem os estão atacando (é só nos lembrarmos dos panfletos que Clay, interpretado por Ethan Hawke, encontra em suas andanças pela cidade, indicando que os iranianos estariam por trás dos ataques – e que logo é refutado por Danny, vivido por Kevin Bacon, que afirma que outros panfletos em mandarim foram jogados na Costa Oeste do país).

Toda a explicação do filme bem de forma bem clara e, ao mesmo tempo, metaforicamente pessimista no ato de encerramento. Após tentarem conseguir remédios para que o jovem Archie (Charlie Evans) melhore, Clay e George (Mahershala Ali) desfrutam de uma conversa agourenta que é premeditada em cada uma das ambíguas sequências arquitetadas por Esmail e por uma profunda, ainda que repetitiva trilha sonora. George, tendo trabalhado com figuras do alto escalão do Ministério de Defesa e do exército estadunidenses, percebe que os indicativos de uma investida contra a ideologia norte-americana aconteceriam – como um plano para desmoralizar um governo inteiro em apenas três passos e que culminaria em um coup d’état e em uma sangrenta guerra civil movida pelo medo, pela desesperança e pelo individualismo predatório.

Enquanto os dois têm esse diálogo, Amanda (Julia Roberts) e Ruth (Myha’la), antes atirando farpas uma contra a outra, emergem à compreensão de que o mundo como o conhecem não existe mais à medida que dão as mãos para observar uma Nova York em chamas e deixada à ruína. É nesse momento, aliás, que o arco de Amanda, uma misantropa inveterada que apenas enxerga a podridão intrínseca do ser humano, toma um novo rumo: após dizer com todas as palavras que ela gostaria muito de voltar a se importar com seus conterrâneos e que tenta se desvencilhar de um sentimento corruptível todos os dias, ela se deixa levar por um sentimento de horror e de culpa. Ela descobre que, por mais que a realidade não fosse agradável, era a única que tinha (e que, agora, tudo havia se desmantelado em um piscar de olhos, em uma artimanha fatídica para deslocá-los do “topo do planeta” à base da cadeia alimentar).

Por fim, temos a presença da inocente Rose (Farrah Mackenzie), a filha mais nova de Amanda e Clay cuja única preocupação é conseguir assistir ao último episódio da clássica sitcom ‘Friends’. A princípio, o público não compreende a obsessão da garota pela obra – e isso é mencionado de modo metadiegéticos pelo cosmos do longa; porém, é notável como a atemporalidade estrutural da série é a única fonte de prazer e de conforto que permite que Rose não seja engolfada por uma paranoia generalizada, como se fosse transportada a um não-lugar palpável e convidativo em contraposição a um “fim do mundo” que ameaça cada uma das relações de poder, sociais e políticas, das quais ela se alineia sem fazer muito esforço. E talvez seja por isso que Esmail tenha finalizado a narrativa com um breve frame da jovem assistindo à sitcom, pouco antes dos créditos de encerramento subirem nas telinhas.

E você? O que achou do filme?

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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Esmail já era um nome conhecido por tratar com profundidade o submundo dos hackers e dos ataques cibernéticos que acontecem diariamente – mas, aqui, o escopo com o qual sempre trabalhou é elevado à enésima potência por se tratar de uma beligerante luta pelo poder em que os Estados Unidos como um todo mergulham no desespero da impotência. E, ainda que tenha erros bastante óbvios, é notável como a atuação de um elenco estelar nos guia por essa complexa jornada de retorno à barbaridade e ao primitivismo pré-adventos tecnológicos.

A verdade é que as inúmeras “dicas” fornecidas pelo diretor não tiram as múltiplas camadas da produção: através de duas horas e vinte de pura angústia, Esmail deixa bem claro que, no final das contas, a falsa sensação de poder chegará ao fim – e aqueles que haviam aceitado coniventes se submeterem a uma força intangível e, de fato, inexistente, são deixados à própria sorte em um barril de pólvora prestes a explodir. Os Estados Unidos, emblema máximo do neoimperialismo, se veem acuados ao nem ao menos saberem quem os estão atacando (é só nos lembrarmos dos panfletos que Clay, interpretado por Ethan Hawke, encontra em suas andanças pela cidade, indicando que os iranianos estariam por trás dos ataques – e que logo é refutado por Danny, vivido por Kevin Bacon, que afirma que outros panfletos em mandarim foram jogados na Costa Oeste do país).

Toda a explicação do filme bem de forma bem clara e, ao mesmo tempo, metaforicamente pessimista no ato de encerramento. Após tentarem conseguir remédios para que o jovem Archie (Charlie Evans) melhore, Clay e George (Mahershala Ali) desfrutam de uma conversa agourenta que é premeditada em cada uma das ambíguas sequências arquitetadas por Esmail e por uma profunda, ainda que repetitiva trilha sonora. George, tendo trabalhado com figuras do alto escalão do Ministério de Defesa e do exército estadunidenses, percebe que os indicativos de uma investida contra a ideologia norte-americana aconteceriam – como um plano para desmoralizar um governo inteiro em apenas três passos e que culminaria em um coup d’état e em uma sangrenta guerra civil movida pelo medo, pela desesperança e pelo individualismo predatório.

Enquanto os dois têm esse diálogo, Amanda (Julia Roberts) e Ruth (Myha’la), antes atirando farpas uma contra a outra, emergem à compreensão de que o mundo como o conhecem não existe mais à medida que dão as mãos para observar uma Nova York em chamas e deixada à ruína. É nesse momento, aliás, que o arco de Amanda, uma misantropa inveterada que apenas enxerga a podridão intrínseca do ser humano, toma um novo rumo: após dizer com todas as palavras que ela gostaria muito de voltar a se importar com seus conterrâneos e que tenta se desvencilhar de um sentimento corruptível todos os dias, ela se deixa levar por um sentimento de horror e de culpa. Ela descobre que, por mais que a realidade não fosse agradável, era a única que tinha (e que, agora, tudo havia se desmantelado em um piscar de olhos, em uma artimanha fatídica para deslocá-los do “topo do planeta” à base da cadeia alimentar).

Por fim, temos a presença da inocente Rose (Farrah Mackenzie), a filha mais nova de Amanda e Clay cuja única preocupação é conseguir assistir ao último episódio da clássica sitcom ‘Friends’. A princípio, o público não compreende a obsessão da garota pela obra – e isso é mencionado de modo metadiegéticos pelo cosmos do longa; porém, é notável como a atemporalidade estrutural da série é a única fonte de prazer e de conforto que permite que Rose não seja engolfada por uma paranoia generalizada, como se fosse transportada a um não-lugar palpável e convidativo em contraposição a um “fim do mundo” que ameaça cada uma das relações de poder, sociais e políticas, das quais ela se alineia sem fazer muito esforço. E talvez seja por isso que Esmail tenha finalizado a narrativa com um breve frame da jovem assistindo à sitcom, pouco antes dos créditos de encerramento subirem nas telinhas.

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