domingo , 22 dezembro , 2024

Artigo | Os 20 anos de ‘O Senhor dos Anéis: As Duas Torres’, a sequência irretocável de ‘Sociedade do Anel’

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Manter-se em um ritmo crescente é uma tarefa complicada para qualquer um que se aventure nas árduas águas da indústria do entretenimento. Desde a literatura, passando pela música e chegando à sétima arte, os artistas se encontram numa luta constante para melhorar seus trabalhos anteriores, sempre buscando uma harmonia entre a própria identidade e o que os fãs aguardam. E garanto que isso não foi diferente para Peter Jackson após o estrondoso sucesso da obra que marcaria seu nome na esfera cinematográfica, A Sociedade do Anel’, primeira iteração da trilogia O Senhor dos Anéis.

Como dito no texto anterior, Jackson abraçara um projeto complicado, datado de décadas atrás e que levou mais de vinte anos para ser concluído pelo gênio J.R.R. Tolkien. Não é nenhuma surpresa que, assim como os romances moldariam o jeito de se contar histórias fantásticas – influenciando nomes contemporâneos como J.K. Rowling e George R.R. Martin -, o diretor também ofereceria uma nova perspectiva muito mais profunda de levar às telonas o real significado de uma boa adaptação. Apenas um ano depois, um tempo recorde que poderia significar a ruína da sequência, o segundo filme chegou aos olhos do público, intitulado As Duas Torres’. Levando em conta o número de efeitos especiais e o extenso elenco a ganhar cada qual sua ponta protagonista no épico, ninguém imaginaria que a continuação seria, em suma, tão impecável quanto o original.



Diferente de Sociedade do Anel’, aqui a clássica jornada do herói toma um rumo inesperado. Após a ruptura do grupo, Frodo (Elijah Wood) e Sam (Sean Astin) partem juntos para Mordor com a função de destruir o Um Anel e, apesar de saberem dos obstáculos, entram até mesmo em uma epopeia íntima de autorrealização e carregam o fardo do destino da Terra-Média estar em suas mãos. Sam permanece como o fiel escudeiro e protetor de Frodo, e talvez seja o personagem que encontra maior desenvolvimento e mudança de arco, visto que deixa de ser um simples hobbit acuado do condado e torna-se um guerreiro em potencial. O nosso herói, por sua vez, começa a se sentir desgastado e a sentir os efeitos do objeto em sua mente e em seu corpo – e até mesmo chega a ceder a pensamentos destrutivos mais de uma vez conforme de aproxima da morada de Sauron.

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Enquanto isso, Aragorn (Viggo Mortensen), Legolas (Orlando Bloom) e Gimli (John Rhys-Davies) entram em uma perigosa aventura para reencontrar os dois pequenos hobbits capturados pelos orcs e uruk-hais e abrem uma subtrama que diversas vezes mostra-se muito mais interessante que a supracitada. O trio fortalece suas relações de amizade após inúmeros conflitos do primeiro filme, colocando suas diferenças de lado e tomando a morte de Boromir (Sean Bean) como um dos principais motivos para se unirem e lutarem contra uma força muito maior. Nesse meio tempo, cruzam caminho com outros personagens que também se mostram de extrema importância para aumentar a complexidade da narrativa e fortalecer a premissa da construção progressiva.

Jackson tem uma perspectiva e uma identidade bem clara: em sua investida anterior, o diretor permaneceu atado a uma zona de conforto heroica e muito bem estipulada ao que queria nos entregar. Aqui, as coisas mudam drasticamente de rumo, visto que a base para tudo é a expansão do universo criado por Tolkien. Aumentar o tempo cênico é também abrir margem e convidar a aparição de coadjuvantes e prováveis protagonistas que não tangenciem a descartabilidade, e sim encontrem espaço em meio aos holofotes. É partindo disso que figuras como a princesa Eowyn (Miranda Otto) e seu pai Theoden (Bernard Hill) aparecem da forma mais entusiasmante possível e cruzam suas próprias histórias com as daqueles que já conhecemos. As convergências arquitetadas por Jackson e pelo time de roteiristas em momento algum soam forçadas e seguem o curso natural dos acontecimentos, além de cultivar inúmeros diálogos preciosos e intimistas de reflexão existencial.

Entretanto, não pense que a atmosfera fantástica é esquecida – muito pelo contrário: os já incríveis efeitos especiais recebem uma modernização assustadora e nos envolvem ainda mais, seja pela estética das criaturas numa mistura de maquiagem protética e CGI, ou até mesmo pelos cenários majestosos dos reinos de Rohan, Gondor e Mordor. A composição estrutural entre os três territórios é propositalmente contraditória para refletir a multiplicidade da Terra-Média: enquanto a fotografia de Gondor opta pelo onirismo e otimismo em decadência, Rohan já cede a algo asséptico, bruto e desbotado, visto que já se encontra em uma ruína irreparável. Mordor, por sua vez, é o lar da escuridão e, mesmo assim, comporta-se em um paradoxo entre a paleta de cores essencialmente neutra e os flashes alaranjados e horrendos do fogo.

É aqui que um dos personagens mais memoráveis do cinema dá suas primeiras caras – na verdade, sua presença é notado no finalzinho de Sociedade’, mas seu protagonismo se firma aqui: Sméagol (Andy Serkis), um hobbit corrompido pelo poder do Um Anel que se transformou numa criatura chamada Gollum e agora habita em escuras cavernas esperando que seu “precioso” retorne para suas mãos. Sméagol é a representação mais escancarada dos transtornos de personalidade do ser humano, visto que convive com duas mentalidades completamente diferentes entre si e, por mais que tente, é movido pela cobiça. É possível dizer até mesmo que sua criação é uma das mais complexas de todo o cosmos criado por Tolkien.

Seguindo os parâmetros do livro, Jackson faz bom uso dos ideais da ressurreição para outra figura que nos deixara cedo demais: Ian McKellen, em toda sua glória irreverente, abandona os trejeitos de Gandalf, o Cinzento, para retornar como Gandalf, o Branco, um mago muito mais poderoso capaz de enfrentar as forças destrutivas do traidor Saruman (Christopher Lee) e liderar um exército poderoso que ajuda os homens a recuperar o brilho de outrora e sua aliança com a etérea raça élfica – e é aqui que passamos a conhecer a trágica história de Aragorn e Arwen (Liv Tyler), cujo amor proibido é mais uma prova da versatilidade narrativa desse épico.

‘As Duas Torres’ é a sequência perfeita e o prenúncio de uma trágica guerra que está para acontecer pelo destino do mundo de Tolkien. Desde os mais singelos diálogos até as impecáveis coreografias bélicas, tudo nesse filme funciona de modo orgânico, fluido e, mais uma vez, honrando o nome de um escritor que ficará marcado por gerações e gerações a vir.

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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Como dito no texto anterior, Jackson abraçara um projeto complicado, datado de décadas atrás e que levou mais de vinte anos para ser concluído pelo gênio J.R.R. Tolkien. Não é nenhuma surpresa que, assim como os romances moldariam o jeito de se contar histórias fantásticas – influenciando nomes contemporâneos como J.K. Rowling e George R.R. Martin -, o diretor também ofereceria uma nova perspectiva muito mais profunda de levar às telonas o real significado de uma boa adaptação. Apenas um ano depois, um tempo recorde que poderia significar a ruína da sequência, o segundo filme chegou aos olhos do público, intitulado As Duas Torres’. Levando em conta o número de efeitos especiais e o extenso elenco a ganhar cada qual sua ponta protagonista no épico, ninguém imaginaria que a continuação seria, em suma, tão impecável quanto o original.

Diferente de Sociedade do Anel’, aqui a clássica jornada do herói toma um rumo inesperado. Após a ruptura do grupo, Frodo (Elijah Wood) e Sam (Sean Astin) partem juntos para Mordor com a função de destruir o Um Anel e, apesar de saberem dos obstáculos, entram até mesmo em uma epopeia íntima de autorrealização e carregam o fardo do destino da Terra-Média estar em suas mãos. Sam permanece como o fiel escudeiro e protetor de Frodo, e talvez seja o personagem que encontra maior desenvolvimento e mudança de arco, visto que deixa de ser um simples hobbit acuado do condado e torna-se um guerreiro em potencial. O nosso herói, por sua vez, começa a se sentir desgastado e a sentir os efeitos do objeto em sua mente e em seu corpo – e até mesmo chega a ceder a pensamentos destrutivos mais de uma vez conforme de aproxima da morada de Sauron.

Enquanto isso, Aragorn (Viggo Mortensen), Legolas (Orlando Bloom) e Gimli (John Rhys-Davies) entram em uma perigosa aventura para reencontrar os dois pequenos hobbits capturados pelos orcs e uruk-hais e abrem uma subtrama que diversas vezes mostra-se muito mais interessante que a supracitada. O trio fortalece suas relações de amizade após inúmeros conflitos do primeiro filme, colocando suas diferenças de lado e tomando a morte de Boromir (Sean Bean) como um dos principais motivos para se unirem e lutarem contra uma força muito maior. Nesse meio tempo, cruzam caminho com outros personagens que também se mostram de extrema importância para aumentar a complexidade da narrativa e fortalecer a premissa da construção progressiva.

Jackson tem uma perspectiva e uma identidade bem clara: em sua investida anterior, o diretor permaneceu atado a uma zona de conforto heroica e muito bem estipulada ao que queria nos entregar. Aqui, as coisas mudam drasticamente de rumo, visto que a base para tudo é a expansão do universo criado por Tolkien. Aumentar o tempo cênico é também abrir margem e convidar a aparição de coadjuvantes e prováveis protagonistas que não tangenciem a descartabilidade, e sim encontrem espaço em meio aos holofotes. É partindo disso que figuras como a princesa Eowyn (Miranda Otto) e seu pai Theoden (Bernard Hill) aparecem da forma mais entusiasmante possível e cruzam suas próprias histórias com as daqueles que já conhecemos. As convergências arquitetadas por Jackson e pelo time de roteiristas em momento algum soam forçadas e seguem o curso natural dos acontecimentos, além de cultivar inúmeros diálogos preciosos e intimistas de reflexão existencial.

Entretanto, não pense que a atmosfera fantástica é esquecida – muito pelo contrário: os já incríveis efeitos especiais recebem uma modernização assustadora e nos envolvem ainda mais, seja pela estética das criaturas numa mistura de maquiagem protética e CGI, ou até mesmo pelos cenários majestosos dos reinos de Rohan, Gondor e Mordor. A composição estrutural entre os três territórios é propositalmente contraditória para refletir a multiplicidade da Terra-Média: enquanto a fotografia de Gondor opta pelo onirismo e otimismo em decadência, Rohan já cede a algo asséptico, bruto e desbotado, visto que já se encontra em uma ruína irreparável. Mordor, por sua vez, é o lar da escuridão e, mesmo assim, comporta-se em um paradoxo entre a paleta de cores essencialmente neutra e os flashes alaranjados e horrendos do fogo.

É aqui que um dos personagens mais memoráveis do cinema dá suas primeiras caras – na verdade, sua presença é notado no finalzinho de Sociedade’, mas seu protagonismo se firma aqui: Sméagol (Andy Serkis), um hobbit corrompido pelo poder do Um Anel que se transformou numa criatura chamada Gollum e agora habita em escuras cavernas esperando que seu “precioso” retorne para suas mãos. Sméagol é a representação mais escancarada dos transtornos de personalidade do ser humano, visto que convive com duas mentalidades completamente diferentes entre si e, por mais que tente, é movido pela cobiça. É possível dizer até mesmo que sua criação é uma das mais complexas de todo o cosmos criado por Tolkien.

Seguindo os parâmetros do livro, Jackson faz bom uso dos ideais da ressurreição para outra figura que nos deixara cedo demais: Ian McKellen, em toda sua glória irreverente, abandona os trejeitos de Gandalf, o Cinzento, para retornar como Gandalf, o Branco, um mago muito mais poderoso capaz de enfrentar as forças destrutivas do traidor Saruman (Christopher Lee) e liderar um exército poderoso que ajuda os homens a recuperar o brilho de outrora e sua aliança com a etérea raça élfica – e é aqui que passamos a conhecer a trágica história de Aragorn e Arwen (Liv Tyler), cujo amor proibido é mais uma prova da versatilidade narrativa desse épico.

‘As Duas Torres’ é a sequência perfeita e o prenúncio de uma trágica guerra que está para acontecer pelo destino do mundo de Tolkien. Desde os mais singelos diálogos até as impecáveis coreografias bélicas, tudo nesse filme funciona de modo orgânico, fluido e, mais uma vez, honrando o nome de um escritor que ficará marcado por gerações e gerações a vir.

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