A partir de 1989, os estúdios Walt Disney entravam em sua Era de Ouro após expandirem seu panteão algumas décadas atrás com clássicos animados que até hoje são vistos e revistos pelas mais diversas gerações. Apesar de ter encontrado um espaço com incrível potencial ainda em 1937 com ‘Branca de Neve e os Sete Anões’ e logo depois em 1951 com ‘A Bela Adormecida’, foi com ‘A Pequena Sereia’ que a companhia promoveu mais uma incrível e emocionante revolução na arte de contar histórias e de adaptar icônicos contos de fada para o cinema, em uma perspectiva nova, pueril, e mais profunda do que lhes damos crédito. E em 1992, um ano depois de marcarem história com ‘A Bela e a Fera’ (a primeira animação a ser indicado para a categoria de Melhor Filme no Oscar), outra joia memorável ganhava o gosto popular: ‘Aladdin’.
Baseado livremente em um dos contos do compilado conhecido por ‘As Mil e Uma Noites’, a história nos leva em uma apaixonante aventura pelas escaldantes areias da Arábia, mais precisamente para o Reino de Agrabah. Em um irreverente prólogo contado por um mercador qualquer, somos apresentados a um paradisíaco a misterioso cenário, ao som da incrível “Noite na Arábia”, de Alan Menken, em um trabalho simplesmente irretocável. Logo depois, nosso personagem-título (Scott Weinger) ganha vida na forma de um jovem garoto pobre que mora nos arredores do palácio e é o terror dos guardas reais, sendo tachado de ladrão e verme mais de uma vez.
Porém, as coisas mudam drasticamente quando ele cruza seu caminho com a Princesa Jasmine (Linda Larkin), que se disfarçou de camponesa para fugir de seu encarcerado cotidiano dentro dos muros do castelo para entender como o mundo lá fora funciona. Afinal, seu pai, o Sultão (Douglas Seale), já prometeu sua mão em casamento mesmo contra a vontade dela – então, nada mais justo que Jasmine dar a si mesmo um último presente. Entretanto, diferente de outros clássicos adaptados, o primeiro encontro até carrega alguns resquícios do “amor à primeira vista”, mas de uma forma dinâmica e nunca antes vista. É nesse momento que os diretores Ron Clements e John Musker mostram suas incríveis habilidades com a câmera, deslizando por entre os cuidadosamente preparados cenários em uma irreverência bastante envolvente – ainda mais se levarmos em conta que Jasmine estava prestes a perder a mão e Aladdin vai a seu socorro com um sorriso amarelo e uma chance mínima de escapar.
De qualquer forma, a comédia não é a única a dar as caras no filme. Afinal, após descobrir que a jovem é na verdade a futura sultana de Agrabah, Aladdin eventualmente se enxerga como alguém muito abaixo do que ela realmente merece – afinal, ele nem ao mesmo tem uma casa na qual morar. Porém, se há algo que a Disney nos ensinou ao longo dos anos é que o amor verdadeiro não liga para dinheiro ou aparência, mas certos obstáculos no meio do caminho provam que isso é mais complicado do que parece. Aladdin é condenado por ter raptado a Princesa e é trancado nas masmorras até conhecer um decrépito velho também acorrentado que conta a ele sobre um artefato místico escondido nas ardentes dunas do deserto, dentro de um local conhecido como Caverna das Maravilhas.
Esses talvez sejam os minutos mais dramáticos, frenéticos e angustiantes do filme inteiro, nos quais o velho revela ser o egocêntrico e ambicioso Jafar (Jonathan Freeman), que na verdade planejava deixar o garoto preso lá dentro após colocar as mãos na Lâmpada Mágica, um objeto que o deixaria mais poderoso que qualquer ser na face da Terra. Porém, as coisas não saem muito bem como o planejado e ele deixa o objeto cair junto com Aladdin dentro da “eterna recompensa” de permanecer o resto dos dias enterrado nas profundezas da Arábia. E é justamente quando tudo parece perdido que somos introduzidos ao melhor companheiro e fiel ajudante de todos os tempos: o Gênio (Robin Williams).
Williams faz um impecável trabalho encarnando o atemporal personagem, uma criatura mística azul cujos poderes transcendem qualquer conhecimento mortal. Ele, além de protagonizar algumas das icônicas sequências do longa-metragem – como a animada e dançante “Príncipe Ali” e o sinfônico jazz contemporâneo “Nunca Teve Um Amigo Assim” -, faz atemporais referências que vão desde John Malkovich até Jack Nicholson, elevando seu personagem a um nível anacrônico, para além do cosmos criado por Clements e Musker. E é nessa genialidade de conciliar diálogos hilários, uma performance aplaudível e detalhes narrativos e técnicos de tirar o fôlego que adiciona ainda mais complexidade para a obra.
A carga melodramática e novelesca também aparece conforme os dois personagens principais passam a se conhecer melhor e a se apaixonar, apesar do primeiro encontro nada agradável. Aladdin e Jasmine emitem entre si uma química radiante e mais uma vez mágica, reafirmada pelo passeio no tapete voador que fazem por todo o Reino e através das estrelas. Essa atmosfera onírica logo se transforma em um pesadelo quando Jafar descobre quem o garoto é, rouba a lâmpada e dá início ao seu reinado de terror até o aguardado final feliz – mas não antes de uma batalha incrivelmente bem coreografada e recheada de efeitos especiais entre o bem e o mal, culminando um clichê bastante funcional e prático (algo já próprio dentro do panteão Disney).
‘Aladdin’ mais uma vez reafirma o poder das animações em adaptar contos seculares em narrativas persuasivas, divertidas e perscrutadas com músicas que definitivamente não vão sair de sua memória. Clements e Musker criam algo maravilhoso com este filme, seja no escopo visual, seja nas mensagens que deseja passar para o público.