segunda-feira , 23 dezembro , 2024

Artigo | Os 85 anos de ‘Branca de Neve e os Sete Anões’, primeira animação dos estúdios Walt Disney

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Nas primeiras décadas do século XIX, os irmãos Wilhelm e Jacob Grimm tornaram-se responsáveis pela criação de diversas narrativas carregadas com uma sutil crítica social e algumas morais bem estilizadas para sensibilizar as crianças em relação aos costumes da época. É claro que, levando em conta o modo como contavam essas histórias, chegamos à conclusão de que tais histórias na verdade eram extremamente cruéis e que, apesar do costumeiro “final feliz”, não abriam mão de alguns sacrifícios sangrentos e chocantes, incluindo a morte dos protagonistas e o total afastamentos da crescente vertente da escola literária Romântica; não é à toa que até hoje seus contos permaneçam no imaginário popular e sofram inúmeras adaptações para a televisão e para os cinemas.

Em 1934, Walt Disney, em iminência de seu incrível império animado, juntou seu time criativo para realizar algumas possíveis investidas nesse panteão fabulesco criado pelos autores alemães; como parte de um novo projeto para expandir a sua “dominação” cinematográfica, tal idealização tornou-se finalmente verdade três anos depois com o lançamento de um marco da História do cinema, Branca de Neve e os Sete Anões’, que não apenas fornecia uma perspectiva mais pura, mas trazia técnicas fílmicas que se popularizam conforme seu sucesso tornava-se global.



É meio redundante discorrer acerca da trama principal – afinal, ela já foi relida tantas vezes que até mesmo a nova geração millenial sabe do que se trata: uma garota de pele branca como a neve e que empresta tal característica para o título, é alvo de invejas de uma poderosa e maléfica governanta, cujo nome restringe-se a apenas Rainha Má. Ela não apenas é uma forte presença que não aceita que sua enteada seja mais bonita e mais perfeita que si mesma, mas é versada nas artes das Trevas e tem como fiel conselheiro e confidente um macabro e poético espelho mágico que claramente serve como uma versão distorcida do guardião, nesse caso da antagonista. Eventualmente, a Rainha manda um de seus subordinados atrás de Branca para matá-la e arrancar seu coração, mas tal figura cede à pureza da nossa heroína e consegue fazê-la fugir até encontrar abrigo em um pequeno e confortável chalé habitado por sete anões muito cômicos e diferentes entre si.

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Diferentemente do conto de fadas assinado pelos Irmãos Grimm, a Disney e o diretor David Hand optam por manter-se em um escopo mais maniqueísta. Em outras palavras, não espere um desenvolvimento profundo de cada um dos personagens, mas sim forças conhecidas pelos espectadores e que são facilmente reconhecíveis em uma identidade que trabalha essencialmente com a oposição. Não conseguimos ver, por exemplo, nenhum traço de bondade em relação à Rainha Má, seja em sua forma natural ou em sua transmutação para uma decadente bruxa – que é inclusive adornada com o típico nariz pontudo, a verruga, a boca desdentada e a corcunda. Em contrapartida, Branca de Neve é a própria personificação de toda a justiça que existe no mundo, e seus movimentos são pautados em floreios excessivos que dialogam com os passos de dança performados por bailarinos, especialmente se pensarmos na delicadeza saturada de O Lago dos Cisnes’.

Nem mesmo os coadjuvantes conseguem fugir muito dos arquétipos aos quais são engolfados. Os sete anões têm seus nomes levados ao pé da letra – Zangado, por exemplo, tem uma dura personalidade e vive com uma expressão ranzinza constante, enquanto Dengoso permanece se escondendo em sua longa barba branca, sentindo-se envergonhado por qualquer coisa. Mestre tem um condicionamento pré-estabelecido a ser o líder do grupo, ao mesmo tempo em que Soneca rende-se a uma cômica necessidade de bocejar e dormir o máximo de tempo possível. Isso para não falarmos da breve, porém “necessária” presença do Príncipe Encantado que eventualmente insurge como um ex machina para a resolução da história.

Em termos narrativos, o filme é monótono. Se tirarmos os breves números musicais, não ficamos com muita coisa além de uma trama que se resolve, cronologicamente, em 24 horas. A protagonista foge do castelo, perde-se na floresta, é ajudada pelos animais a encontrar o aparentemente abandonado chalé e então se torna uma espécie de mãe para os anões. Podemos analisar também como o roteiro baseia-se muito em um pano de fundo bucólico, campesino e sobrenatural para resolver cada uma das subtramas, incluindo a infantilização de seus personagens mais velhos – o que torna-se ridículo, por falta de outro adjetivo. A única a realmente ter um protagonismo mais mórbido é a Rainha, agora como Bruxa, que ascende como uma força temível até encontrar a esperada ruína, visto que representa o lado ruim da história.

Apesar desses claros deslizes, é justamente a animação em si que encanta, desde o design metafórico até a evolução tecnológica que representa. A Disney utiliza-se da rotoscopia, ou seja, a criação desse estilo a partir de um filme já gravado, no qual os animadores desenham por cima dos frames. Todas as figuras traduzidas para o escopo imagético são fluidas na maior parte, e o produtor permitiu-se também aperfeiçoar a bruta descoberta feita por Max Fleischer, determinando a estética das animações por inúmeras décadas – até a chegada do chroma-key. E isso não é tudo: as investidas artísticas são incrivelmente miméticas e conversam com pintores e escultores do final do século XIX para diferenciar cada um dos cenários.

Albert Hurter, responsável pela arte-final da obra, contou com uma incrível bagagem cultural para decidir como transpor as páginas do roteiro para a tela. Para tanto, buscou inspiração tanto no ilustrador Arthur Rackham quanto no pintor John Bauer, conhecidos pelo jogo de luz e sombra extremamente impressionista e expressionista, brincando com os conceitos de vida e morte dentro de um cenário fabulesco e mitológico, sempre buscando dialogar com algum aspecto da vida cotidiana para conscientizar o público-alvo. Apesar de abandonar esse moralismo exacerbado, Hurter obtém um sucesso tremendo ao arquitetar sequências de puro terror, incluindo uma antropomorfização naturalista aplaudível, seja pela construção aterrorizante das árvores e dos troncos, ou pela inocência dos pequenos animais.

Branca de Neve e os Sete Anões’ pode não ser o filme mais original do mundo, mas sua importância é inquestionável. Além de ser o real pontapé para o crescimento de um império secular, o longa-metragem tornou-se uma das principais referências para a realização de animações, principalmente por suas estética e técnica modernas.

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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Artigo | Os 85 anos de ‘Branca de Neve e os Sete Anões’, primeira animação dos estúdios Walt Disney

Nas primeiras décadas do século XIX, os irmãos Wilhelm e Jacob Grimm tornaram-se responsáveis pela criação de diversas narrativas carregadas com uma sutil crítica social e algumas morais bem estilizadas para sensibilizar as crianças em relação aos costumes da época. É claro que, levando em conta o modo como contavam essas histórias, chegamos à conclusão de que tais histórias na verdade eram extremamente cruéis e que, apesar do costumeiro “final feliz”, não abriam mão de alguns sacrifícios sangrentos e chocantes, incluindo a morte dos protagonistas e o total afastamentos da crescente vertente da escola literária Romântica; não é à toa que até hoje seus contos permaneçam no imaginário popular e sofram inúmeras adaptações para a televisão e para os cinemas.

Em 1934, Walt Disney, em iminência de seu incrível império animado, juntou seu time criativo para realizar algumas possíveis investidas nesse panteão fabulesco criado pelos autores alemães; como parte de um novo projeto para expandir a sua “dominação” cinematográfica, tal idealização tornou-se finalmente verdade três anos depois com o lançamento de um marco da História do cinema, Branca de Neve e os Sete Anões’, que não apenas fornecia uma perspectiva mais pura, mas trazia técnicas fílmicas que se popularizam conforme seu sucesso tornava-se global.

É meio redundante discorrer acerca da trama principal – afinal, ela já foi relida tantas vezes que até mesmo a nova geração millenial sabe do que se trata: uma garota de pele branca como a neve e que empresta tal característica para o título, é alvo de invejas de uma poderosa e maléfica governanta, cujo nome restringe-se a apenas Rainha Má. Ela não apenas é uma forte presença que não aceita que sua enteada seja mais bonita e mais perfeita que si mesma, mas é versada nas artes das Trevas e tem como fiel conselheiro e confidente um macabro e poético espelho mágico que claramente serve como uma versão distorcida do guardião, nesse caso da antagonista. Eventualmente, a Rainha manda um de seus subordinados atrás de Branca para matá-la e arrancar seu coração, mas tal figura cede à pureza da nossa heroína e consegue fazê-la fugir até encontrar abrigo em um pequeno e confortável chalé habitado por sete anões muito cômicos e diferentes entre si.

Diferentemente do conto de fadas assinado pelos Irmãos Grimm, a Disney e o diretor David Hand optam por manter-se em um escopo mais maniqueísta. Em outras palavras, não espere um desenvolvimento profundo de cada um dos personagens, mas sim forças conhecidas pelos espectadores e que são facilmente reconhecíveis em uma identidade que trabalha essencialmente com a oposição. Não conseguimos ver, por exemplo, nenhum traço de bondade em relação à Rainha Má, seja em sua forma natural ou em sua transmutação para uma decadente bruxa – que é inclusive adornada com o típico nariz pontudo, a verruga, a boca desdentada e a corcunda. Em contrapartida, Branca de Neve é a própria personificação de toda a justiça que existe no mundo, e seus movimentos são pautados em floreios excessivos que dialogam com os passos de dança performados por bailarinos, especialmente se pensarmos na delicadeza saturada de O Lago dos Cisnes’.

Nem mesmo os coadjuvantes conseguem fugir muito dos arquétipos aos quais são engolfados. Os sete anões têm seus nomes levados ao pé da letra – Zangado, por exemplo, tem uma dura personalidade e vive com uma expressão ranzinza constante, enquanto Dengoso permanece se escondendo em sua longa barba branca, sentindo-se envergonhado por qualquer coisa. Mestre tem um condicionamento pré-estabelecido a ser o líder do grupo, ao mesmo tempo em que Soneca rende-se a uma cômica necessidade de bocejar e dormir o máximo de tempo possível. Isso para não falarmos da breve, porém “necessária” presença do Príncipe Encantado que eventualmente insurge como um ex machina para a resolução da história.

Em termos narrativos, o filme é monótono. Se tirarmos os breves números musicais, não ficamos com muita coisa além de uma trama que se resolve, cronologicamente, em 24 horas. A protagonista foge do castelo, perde-se na floresta, é ajudada pelos animais a encontrar o aparentemente abandonado chalé e então se torna uma espécie de mãe para os anões. Podemos analisar também como o roteiro baseia-se muito em um pano de fundo bucólico, campesino e sobrenatural para resolver cada uma das subtramas, incluindo a infantilização de seus personagens mais velhos – o que torna-se ridículo, por falta de outro adjetivo. A única a realmente ter um protagonismo mais mórbido é a Rainha, agora como Bruxa, que ascende como uma força temível até encontrar a esperada ruína, visto que representa o lado ruim da história.

Apesar desses claros deslizes, é justamente a animação em si que encanta, desde o design metafórico até a evolução tecnológica que representa. A Disney utiliza-se da rotoscopia, ou seja, a criação desse estilo a partir de um filme já gravado, no qual os animadores desenham por cima dos frames. Todas as figuras traduzidas para o escopo imagético são fluidas na maior parte, e o produtor permitiu-se também aperfeiçoar a bruta descoberta feita por Max Fleischer, determinando a estética das animações por inúmeras décadas – até a chegada do chroma-key. E isso não é tudo: as investidas artísticas são incrivelmente miméticas e conversam com pintores e escultores do final do século XIX para diferenciar cada um dos cenários.

Albert Hurter, responsável pela arte-final da obra, contou com uma incrível bagagem cultural para decidir como transpor as páginas do roteiro para a tela. Para tanto, buscou inspiração tanto no ilustrador Arthur Rackham quanto no pintor John Bauer, conhecidos pelo jogo de luz e sombra extremamente impressionista e expressionista, brincando com os conceitos de vida e morte dentro de um cenário fabulesco e mitológico, sempre buscando dialogar com algum aspecto da vida cotidiana para conscientizar o público-alvo. Apesar de abandonar esse moralismo exacerbado, Hurter obtém um sucesso tremendo ao arquitetar sequências de puro terror, incluindo uma antropomorfização naturalista aplaudível, seja pela construção aterrorizante das árvores e dos troncos, ou pela inocência dos pequenos animais.

Branca de Neve e os Sete Anões’ pode não ser o filme mais original do mundo, mas sua importância é inquestionável. Além de ser o real pontapé para o crescimento de um império secular, o longa-metragem tornou-se uma das principais referências para a realização de animações, principalmente por suas estética e técnica modernas.

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Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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