domingo , 22 dezembro , 2024

Artigo | ‘Podres de Ricos’ é uma das melhores e mais sinceras rom-coms da década passada

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A cultura asiática sempre teve suas particularidades. Diferentemente do individualismo ocidental, até os dias de hoje os ideais tradicionalistas de hereditariedade e manutenção de poder são forças-motrizes para os inúmeros clãs orientais – é costume, por exemplo, uma recorrência maior do que podemos imaginar de casamentos arranjados entre núcleos poderosos visando ao firmamento de espécies de acordos econômicos. Logo, é desesperador para essas famílias quando uma terceira pessoa ousa se meter em assuntos tão delicados – e é justamente isso que a nova comédia romântica de Jon M. Chu resolve tratar: o confronto entre dois modos de vida totalmente diferentes travestidos dos melhores e mais práticos clichês da indústria cinematográfica. 

Baseado no best-seller de Kevin Kwan, Podres de Ricos gira em torno do relacionamento improvável entre a professora de Economia Rachel Chu (Constance Wu) e Nick Young (Henry Golding), primogênito e herdeiro do império de hotéis construído pela família desde a década de 1980. Entretanto, a premissa não se resume apenas a isso: Rachel não tem ideia de quem realmente seu noivo é, nem de seu background abastado. Em contrapartida, os parentes de Nick não sabem nada sobre a garota, porém a notícia de que ele a levará para conhecê-los em Singapura corre como água e apenas aumenta os futuros conflitos entre ela e a matriarca Eleanor (Michelle Yeoh).



Logo no breve prólogo, Chu dá nome às cartas do jogo e marca o tom com o qual seguirá o restante da obra. Nessa sequência, Eleanor e sua irmã são recebidas com hostilidade pelos gerentes de um hotel inglês até que o próprio dono revela ter fechado parceria com os singapurianos para dar início a uma nova era. Apesar da aparente e errônea superficialidade, os primeiros cinco minutos já nos revelam bastante sobre os personagens com os quais iremos lidar: diferentemente de Rachel, Eleanor é uma mulher que nunca viu problemas em abandonar seus sonhos pessoais em nome do marido e de uma vida de puro luxo – não é à toa que se transformou em uma das mais poderosas de toda a Ásia. Sua ambição, travestida de apoio incondicional, talvez revele mais coisas em comum com a protagonista do que ela imagina, ao mesmo tempo em que serve de separação entre as duas. 

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Rachel nunca se importou com dinheiro e vive muito bem junto à sua mãe, com seu emprego e seu apartamento.  Wu, entregando-se a uma performance memorável, cria mágica ao lado de Golding, delineando uma química deliciosa de ser acompanhada do começo ao fim sem se respaldar em pretensões cênicas ou qualquer coisa do tipo. É notável a jornada tour-de-force na qual ela mergulha ao ser convidada pelo próprio parceiro a participar do casamento de seu melhor amigo, Colin (Chris Pang) e Araminta (Sonoya Mizuno), visto que, apesar de ser recebida por este casal de braços abertos e com uma humildade aplaudível, é vista com maus olhos pelo restante da família. 

O primeiro encontro entre Rachel e Eleanor é base para que os obstáculos só aumentem e os arcos ganhem mais profundidade. É possível até mesmo traçar paralelos com outras sequências icônicas do gênero da comédia romântica, incluindo o discurso sobre moda entre Miranda Priestley e Andy Sachs em O Diabo Veste Prada’, e a ferrenha acidez entre Elizabeth e Mr. Darcy em Orgulho e Preconceito’. De fato, a atmosfera é familiar e nostálgica ao mesmo tempo que se entrega a algo diferenciada pela mudança de perspectivas. O confronto simbólico entre ocidente e oriente, livre-arbítrio e tradicionalismo, ganha uma palpabilidade catártica agonizante e revela o incrível trabalho de adaptação realizado por Peter Chiarelli e Adele Kim em nos envolver a cada cena.

Entretanto, pensar que o filme se sustenta apenas pela história é equivocado ao extremo. Chu faz questão de uma minúcia artístico-técnica que reafirma suas habilidades como filmmaker: além do incrível trabalho de câmera que se afasta dos convencionalismos imóveis das comédias e opta por algo mais fluido, mais floreado e definitivamente mais fabulesco, cada cena segue um padrão complexo e paradoxal que deixa em voga a atemporalidade medieval de Singapura e sua modernização constante, representadas pelo luxo, pelas joias, pelo brilho e pelas paisagens paradisíacas. Mesmo assim, o longa faz questão de focar no relacionamento e no amadurecimento compulsório de Rachel diante de vários problemas, incluindo a mãe de Nick. 

Não é apenas o carisma do elenco principal que rouba atenção. Awkafina retorna após uma performance agradável em Oito Mulheres e um Segredo’ para viver mais uma personagem irreverente, a melhor amiga de Rachel e uma secreta socialite kitsch chamada Goh Peik Lin, cuja família é a representação máxima dos mestiços sino-americanos. Apesar do tradicionalismo milenar, eles são adeptos a uma cultura movidos pelo fast-food, pelo individualismo excessivo e pelo pensamento libertário. Rachel e Eleanor são extremos conflitantes, tendo como meio-termo Peik Lin – e isso não se resume apenas à atuação, mas a toda sua caracterização, marcada por uma paleta de cores forte e vibrante e por uma fotografia propositalmente saturada.

Podres de Ricos, além de ser uma ótima releitura da famosa obra, mostra que até as narrativas mais clichês ainda podem ser contadas de modos diferentes. Mesmo com a resolução premeditada em que tudo se resolve em um final feliz, o panorama geral entretém e é agradável, inclusive preparando o terreno para futuras obras originais em um gênero saturado.

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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Baseado no best-seller de Kevin Kwan, Podres de Ricos gira em torno do relacionamento improvável entre a professora de Economia Rachel Chu (Constance Wu) e Nick Young (Henry Golding), primogênito e herdeiro do império de hotéis construído pela família desde a década de 1980. Entretanto, a premissa não se resume apenas a isso: Rachel não tem ideia de quem realmente seu noivo é, nem de seu background abastado. Em contrapartida, os parentes de Nick não sabem nada sobre a garota, porém a notícia de que ele a levará para conhecê-los em Singapura corre como água e apenas aumenta os futuros conflitos entre ela e a matriarca Eleanor (Michelle Yeoh).

Logo no breve prólogo, Chu dá nome às cartas do jogo e marca o tom com o qual seguirá o restante da obra. Nessa sequência, Eleanor e sua irmã são recebidas com hostilidade pelos gerentes de um hotel inglês até que o próprio dono revela ter fechado parceria com os singapurianos para dar início a uma nova era. Apesar da aparente e errônea superficialidade, os primeiros cinco minutos já nos revelam bastante sobre os personagens com os quais iremos lidar: diferentemente de Rachel, Eleanor é uma mulher que nunca viu problemas em abandonar seus sonhos pessoais em nome do marido e de uma vida de puro luxo – não é à toa que se transformou em uma das mais poderosas de toda a Ásia. Sua ambição, travestida de apoio incondicional, talvez revele mais coisas em comum com a protagonista do que ela imagina, ao mesmo tempo em que serve de separação entre as duas. 

Rachel nunca se importou com dinheiro e vive muito bem junto à sua mãe, com seu emprego e seu apartamento.  Wu, entregando-se a uma performance memorável, cria mágica ao lado de Golding, delineando uma química deliciosa de ser acompanhada do começo ao fim sem se respaldar em pretensões cênicas ou qualquer coisa do tipo. É notável a jornada tour-de-force na qual ela mergulha ao ser convidada pelo próprio parceiro a participar do casamento de seu melhor amigo, Colin (Chris Pang) e Araminta (Sonoya Mizuno), visto que, apesar de ser recebida por este casal de braços abertos e com uma humildade aplaudível, é vista com maus olhos pelo restante da família. 

O primeiro encontro entre Rachel e Eleanor é base para que os obstáculos só aumentem e os arcos ganhem mais profundidade. É possível até mesmo traçar paralelos com outras sequências icônicas do gênero da comédia romântica, incluindo o discurso sobre moda entre Miranda Priestley e Andy Sachs em O Diabo Veste Prada’, e a ferrenha acidez entre Elizabeth e Mr. Darcy em Orgulho e Preconceito’. De fato, a atmosfera é familiar e nostálgica ao mesmo tempo que se entrega a algo diferenciada pela mudança de perspectivas. O confronto simbólico entre ocidente e oriente, livre-arbítrio e tradicionalismo, ganha uma palpabilidade catártica agonizante e revela o incrível trabalho de adaptação realizado por Peter Chiarelli e Adele Kim em nos envolver a cada cena.

Entretanto, pensar que o filme se sustenta apenas pela história é equivocado ao extremo. Chu faz questão de uma minúcia artístico-técnica que reafirma suas habilidades como filmmaker: além do incrível trabalho de câmera que se afasta dos convencionalismos imóveis das comédias e opta por algo mais fluido, mais floreado e definitivamente mais fabulesco, cada cena segue um padrão complexo e paradoxal que deixa em voga a atemporalidade medieval de Singapura e sua modernização constante, representadas pelo luxo, pelas joias, pelo brilho e pelas paisagens paradisíacas. Mesmo assim, o longa faz questão de focar no relacionamento e no amadurecimento compulsório de Rachel diante de vários problemas, incluindo a mãe de Nick. 

Não é apenas o carisma do elenco principal que rouba atenção. Awkafina retorna após uma performance agradável em Oito Mulheres e um Segredo’ para viver mais uma personagem irreverente, a melhor amiga de Rachel e uma secreta socialite kitsch chamada Goh Peik Lin, cuja família é a representação máxima dos mestiços sino-americanos. Apesar do tradicionalismo milenar, eles são adeptos a uma cultura movidos pelo fast-food, pelo individualismo excessivo e pelo pensamento libertário. Rachel e Eleanor são extremos conflitantes, tendo como meio-termo Peik Lin – e isso não se resume apenas à atuação, mas a toda sua caracterização, marcada por uma paleta de cores forte e vibrante e por uma fotografia propositalmente saturada.

Podres de Ricos, além de ser uma ótima releitura da famosa obra, mostra que até as narrativas mais clichês ainda podem ser contadas de modos diferentes. Mesmo com a resolução premeditada em que tudo se resolve em um final feliz, o panorama geral entretém e é agradável, inclusive preparando o terreno para futuras obras originais em um gênero saturado.

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