‘Game of Thrones’ tornou-se um dos shows mais assistidos e aclamados da história da televisão – e não é à toa. Desde 2011, quando primeiro estreou na HBO, a série baseada nos escritos de George R.R. Martin revolucionou a maneira de romantizar (no sentido mais geral da palavra) narrativas medievais ao mesmo tempo que corroborou com temas tão importantes para a compreensão da sociedade em que vivemos.
Ao longo dos anos, a fanbase da produção se tornou incomensurável, que demandava por mais e mais episódios para que os enredos complexos de Westeros não terminassem – motivo que levou os criadores da série, D.B. Weiss e David Benioff, a inclusive ultrapassarem os escritos de Martin em prol de finalizar de modo grandioso o que é considerada como uma das séries mais ovacionadas de todos os tempos. É claro que, no final das contas, o grand finale frustrou boa parte do público e da crítica, culminando de uma 8ª temporada de gosto duvidoso e de conclusões apressadas e que não fizeram jus aos densos arcos talhados com tanto esmero longo de quase uma década.
Dizer que o ciclo de encerramento foi uma decepção é quase um pleonasmo – mas isso não quer dizer que tudo foi posto a perder. Afinal, o segundo capítulo da oitava iteração, “A Knight of the Seven Kingdoms”, não apenas alimentou uma atmosfera de pura angústia, que anteciparia a tão aguardada Batalha contra o Rei do Norte, como se consagrou como uma das entradas mais honestas da série em si. Uma de suas características mais notáveis, inclusive, é o afastamento proposital da rebeldia sanguinolenta de capítulos anteriores, mergulhando de cabeça em uma sensibilidade catártica invejável e que, à época, deixou os espectadores com uma necessidade incontrolável de descobrir o que se sucederia.
Aqui, a história foca em seus determinados núcleos, mas reverencia à incrível química performática de dois personagens: o primeiro deles, Jaime (Nikolaj Coster-Waldau), infundido num compulsório arco de redenção, enfrentando demônios e fantasmas que o guiaram através dos longos anos de inverno até o ápice de seu perdão. Além de reencontrar Bran (Isaac Hempstead), ele se dirige para a presença de Sansa (Sophie Turner) e de Daenerys (Emilia Clarke), jurando fidelidade e mostrando o quão arrependido está de ter confiado na impiedosa irmã, Cersei (Lena Headey).
A premissa que os move é esconder uma carta nas mangas – a qual já foi provada de diversas maneiras, desde as mais inesperadas até as mais cruéis. Porém, é praticamente impossível não sentir uma pontada de compaixão pela última tentativa de Jaime em se redimir, em fazer o que é certo. É de se esperar que Daenerys não acredite logo de começo – pelo menos não até a intervenção de Brienne (Gwendoline Christie), que nutre de suas ressalvas, mas deixa bem claro que Jaime é um homem de honra e que inclusive a ajudou a sobreviver.
Aliás, é nesse momento que o entrelace entre os dois personagens ganha uma nova camada. Brienne e Jaime roubam os holofotes em sequências declarativas sutis e mágicas, trazendo à tona momentos emocionantes de vulnerabilidade. Em cada uma das microssequências que protagonizam, a expressão de luta esvaece para dar lugar a uma despedida entre duas construções extremamente complexas. Seja no campo de treinamento aos arredores do castelo, seja à frente da fogueira tomando um último gole de vinho antes de caminharem para a morte. Christie e Coster-Waldau compartilham de uma expressividade de nos tirar o fôlego, dilacerando-nos o coração conforme aceitam o destino que lhes foi escrito.
E mesmo com essas cenas, é uma em específico que resume a jornada da dupla através da série: em uma conversa com os outros cavaleiros de Winterfell, que reúnem-se dentro de uma desconstruída Távola Redonda, por assim dizer, Brienne mantém sua pose enquanto lamenta não poder ser consagrada Cavaleira devido à tradição; em um último ato de bondade e até mesmo de gratidão por tudo o que a guerreira fez a ele, Jaime levanta-se e utiliza sua própria nomenclatura real para transformá-la no que sempre quis, culminando em uma representação de modéstia e felicidade concentrada no sorriso de Brienne – cuja alegoria pode até entrar como reafirmação de sua esperada ruína na batalha contra o Exército da Noite.
A narrativa não é a única a ganhar voz aqui. Como supracitado, Nutter faz bom uso de referências clássicas para cultivar-nos o sentimento de agonia. A crescente impaciência dos espectadores se dá pela proposital lentidão com a qual o episódio se move – e não pense que os últimos diálogos dos nossos queridos personagens principais insurgem para “encher linguiça”. Não há prolixidade envolvida dentro do capítulo, e sim um tratamento humanizador cujo respaldo faz clara alusão à trilogia ‘Senhor dos Anéis’, mais precisamente nos momentos que antecedem a memorável batalha do Abismo de Helm. O belo uso da desinência luminosa e a presença de uma canção minimamente reconfortante contribuem para essa sensação perturbadora – e já nos dão o tom dos próximos eventos.
Faz-se necessário dizer que outros personagens também recebem seu momento de glória e abrem margens para subtramas a serem exploradas num futuro bem próximo. Sansa enfrenta Daenerys ao defender o Norte e deixar bem claro que sua família e seu reino não se submeterão a outrem, colocando em xeque o desejo megalômano de Khaleesi em se sentar no Trono de Ferro como a “rainha suprema”; Arya (Maisie Williams) entrega-se para o prazer carnal, resolvendo pensar em si mesma antes de partir para a luta e causando um certo alvoroço nos mais despreparados; e Tyrion (Peter Dinklage) começa a se sentir inutilizado ao perceber que, seguindo as ordens de sua senhora, permanecerá no último lugar que gostaria de ficar: nos bastidores.