quinta-feira , 7 novembro , 2024

Artigo | Relembrando ‘Boa Noite, Mamãe’, aclamado terror psicológico de Severin Fiala e Veronika Franz.

Depois do grande sucesso dentro do circuito de festivais, o thriller psicológico dos cineastas austríacos Veronika Franz e Severin Fiala causou um alvoroço de proporções inimagináveis em sua semana de estreia – tanto nos Estados Unidos quanto aqui no Brasil. Era de se esperar tal reação do público, principalmente pela dúbia interpretação que tanto os cartazes do filme quanto a sinopse deixaram no ar. E parece que as críticas também não ajudam muito: uns acham a produção admirável, outros um ótimo jeito de retomar o gênero de terror, e alguns consideram-no uma incestuosa representação sádica.

Pode-se dizer que ‘Boa Noite, Mamãe’ é um suspense gótico situado em uma moderna vila. E a casa em questão não é um simples ornamento ou uma mansão secular, mas sim um elegante e remoto sobrado erguido em ângulos complicados e espaços em brancos, cercado por campos de milho, lodaçais e cavernas. Projeto com sinistra precisão, o cenário se torna um enervante playground para os gêmeos Lukas e Elias, de dez anos de idade (interpretado pelos verdadeiros Lukas e Elias Schwartz), os quais passam seus dias pulando na cama elástica, nadando no lago, correndo por entre as árvores e explorando pilhas e pilhas de ossadas escondidas em catacumbas.

boa noite mamae 4



A estrutura básica de um filme terror exige uma criatura vilanesca e muitas vezes sobrenatural que servirá de antagonista e obstáculo aos heróis. Neste caso, o misterioso “monstro embaixo da cama” é a Mãe (Susanne Wuest), que acabou de ter alta no hospital e chega à casa com o rosto completamente coberto por ataduras – cuja razão, para a qual não somos apresentados em sua plenitude, foi uma provável cirurgia plástica – e que mantém uma estranha e tensa relação com seus filhos – e, em vários momentos, sua personalidade compulsória e mandatória vai se revelando, incluindo momentos de dependências e vulnerabilidade.

A Mãe permanece na maior parte do tempo trancafiada em seu quarto, demandando silêncio na casa – e mais: não dirige uma palavra a Elias, nem sequer o alimentando. Os meninos, quando a sós, começam a se questionar o porquê de ela estar tão mudada, e depois de um tempo se aquela pessoa é mesmo sua mãe. Será que há uma impostora por baixo das bandagens?



boa noite mamae 2

Mas os próprios garotos se mostram um tanto quanto frios perante os acontecimentos, sugerindo que eles estão longe de serem inocentes nessa história: Franz e Fiala optam por retratarem-nos como uma alegoria às duas meninas, por exemplo, de ‘O Iluminado’ e os dois jovens psicopatas de “Violência Gratuita”.

A tensão e a ideia de incerteza persistem pela maior parte do filme, capturando o minuto amplificado de interação entre as três personagens de modo a tornar a essência ainda mais angustiante: um jogo de “Quem sou eu?” coloca a suposta impostora em cheque, ao passo que os garotos escolhem “Mama” como a pessoa que deve ser identificada – e ela parece errar detalhes básicos sobre seu próprio eu. Mas poderia a Mãe estar fazendo isso de propósito? Suas perguntas e respostas soam mais impacientes a sem noção.

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boa noite mamae 3

A casa é adornada com retratos borrados da matriarca, o que aumenta a sensação generalizada de incompletude, de personagens cujas reais naturezas permanecem desconhecidas. O foco no tema “jogos” – brincadeiras infantis, jogos de tabuleiro – faz com que nos perguntemos se há algum jogo psicológico por trás da relação mãe-filho. Mas é também difícil não sentir a ação que se desdobra sob a sombra de um provável e oculto trauma do passado.

‘Boa Noite, Mamãe’ é um filme recheado de elipses e pontuado eximiamente com cenas de absoluto silêncio – e o arco de cada um dos personagens funcionam muito melhor quando os lemos sob nenhuma palavra. E aqui, devo penetrar no território dos spoilers: o longa contém, perto do final, o que em muitas outras histórias é chamado de plot twist. É uma revelação que parece bastante evidente desde o começo. Entretanto, é necessário analisar o conjunto da obra em vez de blocos separados. O momento catártico, digno de “O Sexto Sentido”, é uma combinação da melancolia, do sentimento de ameaça e do suspense causados por todas as outras pontas do roteiro.

GoodnightMommy1

É completamente compreensível a grande negação do terceiro ato: a história se transforma em uma sequência interminável de violência extrema, deixando o público mais desconfortável do que já estava. E mesmo assim, é impossível não sentir qualquer compaixão por trás de tanta crueldade – mais trágica que sádica. ‘Boa Noite, Mamãe’ é um filme inquietante e suspensivo, mas que procede com exímia cautela.

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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Pode-se dizer que ‘Boa Noite, Mamãe’ é um suspense gótico situado em uma moderna vila. E a casa em questão não é um simples ornamento ou uma mansão secular, mas sim um elegante e remoto sobrado erguido em ângulos complicados e espaços em brancos, cercado por campos de milho, lodaçais e cavernas. Projeto com sinistra precisão, o cenário se torna um enervante playground para os gêmeos Lukas e Elias, de dez anos de idade (interpretado pelos verdadeiros Lukas e Elias Schwartz), os quais passam seus dias pulando na cama elástica, nadando no lago, correndo por entre as árvores e explorando pilhas e pilhas de ossadas escondidas em catacumbas.

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A estrutura básica de um filme terror exige uma criatura vilanesca e muitas vezes sobrenatural que servirá de antagonista e obstáculo aos heróis. Neste caso, o misterioso “monstro embaixo da cama” é a Mãe (Susanne Wuest), que acabou de ter alta no hospital e chega à casa com o rosto completamente coberto por ataduras – cuja razão, para a qual não somos apresentados em sua plenitude, foi uma provável cirurgia plástica – e que mantém uma estranha e tensa relação com seus filhos – e, em vários momentos, sua personalidade compulsória e mandatória vai se revelando, incluindo momentos de dependências e vulnerabilidade.

A Mãe permanece na maior parte do tempo trancafiada em seu quarto, demandando silêncio na casa – e mais: não dirige uma palavra a Elias, nem sequer o alimentando. Os meninos, quando a sós, começam a se questionar o porquê de ela estar tão mudada, e depois de um tempo se aquela pessoa é mesmo sua mãe. Será que há uma impostora por baixo das bandagens?

boa noite mamae 2

Mas os próprios garotos se mostram um tanto quanto frios perante os acontecimentos, sugerindo que eles estão longe de serem inocentes nessa história: Franz e Fiala optam por retratarem-nos como uma alegoria às duas meninas, por exemplo, de ‘O Iluminado’ e os dois jovens psicopatas de “Violência Gratuita”.

A tensão e a ideia de incerteza persistem pela maior parte do filme, capturando o minuto amplificado de interação entre as três personagens de modo a tornar a essência ainda mais angustiante: um jogo de “Quem sou eu?” coloca a suposta impostora em cheque, ao passo que os garotos escolhem “Mama” como a pessoa que deve ser identificada – e ela parece errar detalhes básicos sobre seu próprio eu. Mas poderia a Mãe estar fazendo isso de propósito? Suas perguntas e respostas soam mais impacientes a sem noção.

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A casa é adornada com retratos borrados da matriarca, o que aumenta a sensação generalizada de incompletude, de personagens cujas reais naturezas permanecem desconhecidas. O foco no tema “jogos” – brincadeiras infantis, jogos de tabuleiro – faz com que nos perguntemos se há algum jogo psicológico por trás da relação mãe-filho. Mas é também difícil não sentir a ação que se desdobra sob a sombra de um provável e oculto trauma do passado.

‘Boa Noite, Mamãe’ é um filme recheado de elipses e pontuado eximiamente com cenas de absoluto silêncio – e o arco de cada um dos personagens funcionam muito melhor quando os lemos sob nenhuma palavra. E aqui, devo penetrar no território dos spoilers: o longa contém, perto do final, o que em muitas outras histórias é chamado de plot twist. É uma revelação que parece bastante evidente desde o começo. Entretanto, é necessário analisar o conjunto da obra em vez de blocos separados. O momento catártico, digno de “O Sexto Sentido”, é uma combinação da melancolia, do sentimento de ameaça e do suspense causados por todas as outras pontas do roteiro.

GoodnightMommy1

É completamente compreensível a grande negação do terceiro ato: a história se transforma em uma sequência interminável de violência extrema, deixando o público mais desconfortável do que já estava. E mesmo assim, é impossível não sentir qualquer compaixão por trás de tanta crueldade – mais trágica que sádica. ‘Boa Noite, Mamãe’ é um filme inquietante e suspensivo, mas que procede com exímia cautela.

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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